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São Paulo, quinta-feira, 13 de março de 2003
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s.o.s família - rosely sayão

Tratar a criança como um igual é desrespeito a ela

Uma criança de sete anos é capaz de tomar uma decisão ou de fazer uma escolha em sua vida tão importante que pode interferir em sua formação e, portanto, em seu futuro? Nenhum adulto sensato diz que sim. Mães e pais sabem muito bem que perguntar a uma criança dessa idade se ela quer ou não tomar vacina é pura perda de tempo. Em primeiro lugar, porque muitas vacinas doem quando aplicadas e, em segundo, porque criança tem responsabilidade mais importante a cumprir do que cuidar da saúde e do futuro. Isso é da conta dos pais.
Mas há muita mãe e muito pai que perde toda a sensatez em determinadas situações. Isso acontece, por exemplo, quando casais se separam e não conseguem administrar bem os desentendimentos que tiveram início durante o tempo em que formaram uma parceria.
Um leitor escreveu contando que tem uma filha de sete anos que mora com a mãe e que, no momento, estão sendo regulamentandas as visitas a que ele tem direito. Ele enfrenta um problema: a mãe da garota acredita que deva ser a filha a decidir se quer ficar com o pai nos finais de semana ou não. E o pai acha que a garota pode estar sendo manipulada, já que prefere ficar com a mãe e, portanto, abre mão de uma convivência maior com ele.
Mas que sufoco essa garota deve estar passando! Todas as crianças que passam por situações desse tipo sofrem -de um jeito ou de outro. São elas que pagam uma conta que é dos pais. E isso não pode fazer bem.
Toda criança tem o direito de ter interação com o pai sempre que possível. A relação com o pai é importante para a criança, até porque, assim, ela tem a chance de conviver com mais de um estilo de amar, de cuidar e de exercer a autoridade. Do mesmo modo, a criança tem o direito também de, em certas horas, gostar dessa relação e de, em outras, não achar essa convivência muito conveniente e concluir que não quer estar com o pai. Isso não acontece também com as crianças que moram com o pai e a mãe?
O vínculo afetivo que a criança tem com os pais é mesmo ambivalente: amor e ódio se alternam e variam de intensidade. Além disso, a criança procura se proteger e se garantir do jeito que pode e que consegue, e, às vezes, isso pode significar submeter-se aos pais ou a um deles. O que isso quer dizer? Que ela ainda não tem autonomia e independência sobre o que sente.
Insisto sempre em que a criança tem compromisso com o seu presente e com o que quer nesse tempo. E os pais têm compromisso com o futuro dela e com o que faz bem a ela. Abandonar a criança a seus próprios caprichos é uma declaração de incompetência dos pais para exercer seu papel e um desrespeito à criança. Tratá-la como um igual é um grande equívoco. Ela não é igual aos pais. A educação é que dará a ela a possibilidade de, no futuro, ter a autonomia que os pais têm. Enquanto são crianças, elas precisam da autoridade dos pais como apoio.
Quando privadas dessa tutela necessária, as consequências podem ser nocivas. Os pais que acreditam que os filhos têm condições de decidir os rumos da vida deveriam assistir a um filme: "O Senhor das Moscas", disponível em algumas locadoras.
Bem, creio ter ficado claro que uma criança não pode arcar com o ônus de escolher conviver ou não com um dos pais. No entanto é preciso reconhecer que alguns pais e algumas mães não têm condições de conviver com os filhos sem prejudicá-los. Mas não pode -nem deve- ser a criança a julgar isso. É preciso que pais e professores exerçam suas responsabilidades e seus compromissos com filhos e alunos. É assim, assumindo essa tarefa com todos os encargos que ela supõe, que estarão colaborando para que, no futuro, elas se tornem pessoas livres.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br.


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