São Paulo, quinta-feira, 13 de outubro de 2005
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Outras idéias

Wilson Jacob Filho

Envelhecimento no olho do furacão

Embora esse tema nada tenha a ver com o Katrina ou com outras intempéries, provocará, certamente, efeitos espetaculares em todo o planeta. Se bem aproveitado, nos lembraremos eternamente de quão proveitoso foi sermos os seus protagonistas. Se mal administrado, causará desastres individuais e coletivos de grandes proporções.


Toda viagem tem começo, meio e fim; a única maneira de prolongá-la é estar preparado, para fazer frente às dificuldades do caminho


Refiro-me à incomparável revolução etária que se dissemina por todo o mundo. Há poucas décadas, era uma característica do "mundo desenvolvido", mas atualmente mostrou toda a sua força nos países "em desenvolvimento", onde residem hoje duas de cada três pessoas que têm 60 anos ou mais.
Esse fenômeno tem a peculiaridade de nos atingir a todos, de diferentes maneiras: individualmente, porque seremos aqueles que envelhecerão no século 21, de forma totalmente diversa do que o fizeram os nossos antepassados; socialmente, porque todos nós, em qualquer idade, conviveremos com um número progressivamente maior de idosos; profissionalmente, porque nenhuma atividade será a mesma depois de se adaptar a esse novo "público consumidor".
Quando apresento essas considerações aos estudantes de medicina, tentando motivá-los a refletir sobre o tema, sempre há pelo menos um que conteste, afirmando que pretende especializar-se em pediatria, entendendo que seu cliente será sempre uma criança ou um adolescente, o que o exclui da influência dessa mudança de perfil populacional.
Ledo engano, futuro doutor. Primeiro, porque esse profissional terá uma responsabilidade muito maior com a eficácia dos seus cuidados na saúde daquele cuja expectativa de vida será muito maior do que foi a sua. Ademais, porque, provavelmente, nas suas consultas, terá de interagir com as avós ou bisavós dos seus pequenos pacientes, já que elas terão uma participação cada vez mais importante na dinâmica familiar.
Diante dessa realidade, que poderia ser exemplificada por inúmeras outras situações cotidianas, cabe-nos fazer uma reflexão sobre os caminhos que se abrem diante de nós e aqueles que estão sendo escolhidos pela maioria. Comemoramos, em 27 de setembro, o Dia do Idoso. Entre festividades e homenagens, houve muito carinho e atenção, mas poucas ações que realmente tornarão mais ameno o caminho de quem envelhece.
Não dá mais para desculpar aos que ainda insistem em negar as evidências. Todos os estudos demonstram que são as medidas preventivas, relacionadas aos hábitos de vida, que se responsabilizam pelo envelhecimento saudável.
Mesmo assim, profissionais de renome continuam a preconizar uma forma de "ser eternamente jovem", as possibilidades de uma "medicina antienvelhecimento" ou um novo "elixir da longa vida".
Pior que isso, há os que acreditam e compram. Sou capaz de entender as suas razões. Não serão os primeiros nem os últimos a pretender obter, sem esforço pessoal, o que almejam: ludibriar o tempo. Iludem-se com o sabidamente falso e perdem as melhores oportunidades de usar esse mesmo tempo a seu favor, construindo o próprio futuro conforme suas expectativas pessoais e coletivas. Quando se apercebem do engodo, tornam-se melancólicos e descrentes, adjetivando a velhice de forma pejorativa.
Acordai, caros viajantes. Toda viagem tem começo, meio e fim. A única maneira de prolongá-la é estar preparado, nos contextos físicos, emocionais e sociais para fazer frente às dificuldades do caminho, que desafiam nossa autonomia e testam nossa independência.
Quem for seduzido pelas soluções mágicas, contidas nas fórmulas surrealistas ou nos manuais de auto-ajuda, perderá a oportunidade ímpar de definir o seu futuro. Ficará refém dos interesses dos outros. Em qualquer idade, a qualquer instante, esse destino não combina com a felicidade.

WILSON JACOB FILHO , professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Prática a Caminho da Senecultura" (ed. Atheneu)
@ - wiljac@usp.br



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