São Paulo, quinta-feira, 14 de junho de 2007
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beleza

De olhos bem abertos

Pesquisadores alertam para os riscos de usar maquiagem vencida e compartilhar produtos

FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Não adianta saber passar o delineador sem borrar nenhum milímetro ou obter cílios de diva com o rímel: se você não ficar atenta a alguns cuidados básicos na hora de se maquiar, estará colocando a beleza e a saúde em risco. De acordo com uma nova pesquisa, é isso que vem acontecendo com uma grande quantidade de mulheres.
Realizado pelo College of Optometrists, no Reino Unido, o estudo foi baseado em entrevistas com 2.432 britânicas com mais de 16 anos de idade. Quase dois terços disseram usar a mesma maquiagem para os olhos por mais de dois anos seguidos -uma em cada quatro chegava a usar cada produto por mais de quatro anos. Mulheres entre 30 e 40 anos foram as mais descuidadas: uma em cada cinco usava os mesmos produtos há mais de cinco anos.
"O perigo de usar maquiagem velha é que ela se torna um campo fértil para o crescimento de bactérias, o que pode causar problemas oculares", disse à Folha a coordenadora do estudo, a optometrista Susan Blakeney. Segundo ela, não foi surpreendente a descoberta de que quase metade das mulheres que mantêm maus hábitos nessa questão reclama de coceira, lacrimejamento ou vermelhidão nos olhos.
A dermatologista brasileira Dóris Hexsel explica que os produtos de maquiagem contêm conservantes e outros ingredientes que os mantêm estáveis por um determinado período, isto é, pelo prazo de validade descrito na embalagem. "A constante manipulação dos produtos, sobretudo aqueles que vêm nas apresentações líquidas ou cremosas, aumenta a possibilidade de contaminação, da ocorrência de alergias na pele e até mesmo de infecção por bactérias", alerta.
A pesquisa se concentrou nos danos oculares, justamente a área mais sensível a esse tipo de contaminação. Um levantamento feito recentemente no Instituto Penido Burnier, centro especializado em oftalmologia de Campinas (SP), mostrou que cerca de 15% das pacientes chegavam ao consultório com queixas de vermelhidão, coceira ou sensação de areia nos olhos. "Quase sempre tinha a ver com maquiagem ou cosméticos", afirma o oftalmologista Leôncio Queiroz Neto, médico do instituto e também diretor do Banco de Olhos de Campinas.
Segundo Queiroz Neto, além da alergia, muitas mulheres são vítimas de maus hábitos, como usar produtos vencidos e deixar que eles entrem nos olhos. "Nenhum 'pretinho' da maquiagem deve entrar no olho. Quando isso ocorre, pode alterar o pH da lágrima, que tem função de defesa. A longo prazo, pode ocorrer uma mudança na flora da superfície ocular, o que nos deixa mais vulneráveis a infecções", explica.
Ele também recomenda que usuárias de lente de contato tomem cuidado redobrado. "Se algum produto entra na lágrima, pode ficar depositado na lente, que o retém e provoca uma liberação lenta das partículas", justifica.

Validade
Na Europa, além do prazo de validade, os rótulos dos cosméticos indicam o período de tempo que eles devem ser usados após abertos. Isso porque, a partir do momento em que o produto é colocado em uso, o contato com o ambiente e o manuseio constante o tornam mais sujeito à contaminação. "Os cosméticos têm gordura, proteína e vitaminas, ou seja, são um meio de cultura", diz a dermatologista Flávia Addor, diretora-técnica do Medcin Instituto da Pele, que realiza pesquisas clínicas com produtos dermatológicos.
A recomendação de Blakeney e dos pesquisadores do College of Optometrists é que rímeis, por exemplo, sejam descartados depois de três a seis meses de uso. Mas a norma não pode ser transposta diretamente para o Brasil, afirma Addor. Segundo ela, o risco de contaminação após a abertura do produto depende muito da formulação, do tipo de embalagem e da maneira como ele é usado. A dica, então, é observar se a maquiagem sofre mudanças na aparência, na cor, no cheiro ou na consistência. "Se ela era viscosa e ficou mais aguada, se fica grudenta, empelotando ou muda a cor ou o cheiro é sinal de que precisa ser jogada fora", exemplifica a dermatologista.

Compartilhar os produtos
Dividir a maquiagem com amigas e familiares é outro hábito comum que deve ser combatido. Na pesquisa britânica, um quarto das mulheres ouvidas -quase todas com menos de 24 anos- confessaram que fazem isso, mesmo que uma em cada dez admita sofrer com freqüência de doenças como conjuntivites. Além do risco de transmissão de conjuntivite e de outros problemas oculares pelo compartilhamento de delineadores, rímeis e lápis de olhos, doenças como herpes podem passar de uma boca para a outra quando se divide o mesmo batom.
E não adianta achar que está livre de transmitir alguma doença por não manifestar sintomas. "Pode ser que uma pessoa tenha um microorganismo que não causa a conjuntivite nela porque sua flora bacteriana é de um tipo, mas vai causar na sua amiga, que tem uma flora diferente", diz Queiroz Neto.
Outro costume considerado prejudicial pelo College of Optometrists é maquiar-se em movimento -no ônibus, no metrô ou no carro, por exemplo. "Arranhar o olho com a embalagem do rímel é o trauma mais comum decorrente de maquiagem e pode causar infecções oculares", alertam os pesquisadores.
O velho conselho de retirar a maquiagem antes de dormir também deve ser seguido à risca. Isso porque produtos como pó e base dificultam que a epiderme possa "respirar". "A maquiagem recobre algumas estruturas que têm função de eliminação, como as glândulas sebáceas. Isso pode interferir na saída do sebo e pode acabar provocando acne. Quem passa o dia com os produtos e ainda dorme com eles fica com a pele obstruída por muito tempo", esclarece o dermatologista Davi de Lacerda, do Hospital das Clínicas da USP (Universidade de São Paulo).
Ele recomenda ainda que a maquiagem seja de origem confiável. "Isso garante que a informação que está na embalagem é correta. Em maquiagens falsificadas, o que está nos rótulos não corresponde obrigatoriamente ao que está dentro."
Segundo Susan Blakeney, muitas mulheres não imaginam que a causa de seus problemas de pele ou oculares seja a maquiagem. Ela cita o exemplo de uma paciente que foi recentemente ao seu consultório e que vinha sofrendo com olhos vermelhos e lacrimejantes havia anos. A melhora só ocorreu depois da suspensão temporária da maquiagem. "Hoje ela troca de rímel com freqüência e está bem", conta.

[...] Maquiagem velha se torna campo fértil para o crescimento de bactérias


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