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Hormônios à flor da pele
Terapia de reposição hormonal durante a menopausa deve ser aplicada segundo o quadro de cada paciente para evitar riscos e contra-indicações
KARINA KLINGER
FREE-LANCE PARA A FOLHA
É difícil conviver com eles, mas, em alguns casos, chega a ser impossível viver sem.
Se, na juventude, os hormônios femininos levam a culpa pelas mudanças no humor das mulheres, principalmente em fases de tensão pré-menstrual (TPM), na maturidade, eles podem fazer falta. Além de atuar no sistema reprodutor, o estrógeno, um
dos hormônios que deixam de ser produzidos na menopausa, possui funções ainda
pouco conhecidas.
Não à toa, sintomas como calores, suor noturno, ressecamento vaginal, oscilações de humor, dor de cabeça, incontinência urinária e
redução do desejo sexual são freqüentes durante o climatério, nome dado à interrupção
dos ciclos menstruais quando a mulher entra
na maturidade, em geral, após os 45 anos.
Essas chateações ocorrem por uma razão
simples: a deficiência nos níveis de hormônio
em relação ao padrão a que o organismo estava acostumado. O mesmo acontece com a progesterona, uma das responsáveis pela sensação
de calma. Sua carência nessa fase da vida gera
sintomas de enxaqueca e ansiedade.
Diante de tantas turbulências hormonais, fica fácil compreender por que nem tudo ainda
foi por água abaixo no que diz respeito à polêmica causada por algumas pesquisas que
constataram riscos e contra-indicações da terapia. Para que algumas mulheres possam
manter a sua qualidade de vida na menopausa,
a TH (terapêutica hormonal) continua sendo
bem-vinda.
Sem nenhum dos sintomas citados acima, a
jornalista Marília Gabriela, 56, é uma das adeptas da reposição hormonal. Primeiro com objetivos contraceptivos e para não menstruar,
ela começou a fazer implantes de hormônio no
início da década de 70. Interrompeu apenas
em 1978 para poder engravidar. Há oito anos,
faz o tratamento subcutâneo com fins de reposição. "Fui atrás de todos os questionamentos
que já levantaram sobre o assunto e não tenho
nada que desabone o tratamento. Faço check-up anualmente. O tônus da minha pele está
melhor, tenho tesão. Estou zero bala", diz a
jornalista.
Dados apresentados neste ano pelo Colégio
Americano de Obstetras e Ginecologistas mostraram que 25% das mulheres norte-americanas que haviam parado de fazer TH depois da
divulgação de que ela aumentaria o risco de
certas doenças voltaram ao tratamento.
"A publicação de pesquisas ora satisfatórias
ora alarmantes ainda assusta as mulheres. O
fato de as pessoas terem medo é uma forma
compreensível de proteção, mas a medicina
está mais cautelosa para pôr fim aos sintomas
do climatério", argumenta o ginecologista e
obstetra Hans Wolfgang Halbe, professor da
Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo (USP).
Passados quase dois anos do pavor causado
pelo estudo norte-americano da WHI (Women's Health Initiative) -interrompido antes
do previsto porque o tratamento hormonal,
feito em 16.608 mulheres, ficou associado à
maior incidência de câncer, derrame e infarto-, as estratégias de combate aos sintomas
da menopausa foram revistas. Prova das mudanças na prática do tratamento partiu recentemente da Sobrac (Sociedade Brasileira do
Climatério -www.sobrac.org.br), que lançou no final de agosto o primeiro consenso nacional sobre os benefícios e as contra-indicações da terapêutica hormonal na menopausa.
De acordo com o ginecologista César Eduardo Fernandes, presidente do Conselho Científico da Sobrac e um dos autores do documento, uma espécie de orientação para os médicos
brasileiros, se feita de maneira adequada, levando em conta com rigor as especificidades
de cada caso, a TH pode trazer uma série de
benefícios sem oferecer riscos. Para o médico,
o maior deles é pôr fim aos sintomas indesejados e comuns do período. "É preciso acabar
com esse conceito de que a TH é problemática
e arriscada", afirma.
Assim como acontece no consenso norte-americano divulgado em 2003 e reavaliado
anualmente, o documento nacional pressupõe
que o tratamento nas mulheres seja feito o
quanto antes -logo após a interrupção do ciclo menstrual-, com doses mínimas de hormônios e pelo menor tempo possível. Para se
ter uma idéia das mudanças, as doses hormonais usadas pelas pacientes que participaram
do WHI -o estudo que alarmou a maioria
das mulheres mundo afora- são ultrapassadas e os tratamentos modernos usam metade
dessa quantidade. Também foi reavaliada a
idade mais propícia para o tratamento. Sabe-se hoje que a eficácia da TH fica cada vez mais
reduzida quanto mais velha for a paciente,
além de torná-la mais suscetível às doenças do
próprio envelhecimento.
Como atualmente há maior certeza de que
nem toda mulher pode se sujeitar a esse tipo de
terapêutica, antes de iniciar o tratamento, é
preciso que o médico faça uma investigação
minuciosa. "Mesmo durante o tratamento, é
importante que a paciente seja acompanhada
de perto", recomenda Halbe.
Mulheres com doença tromboembólicas
aguda ou recorrente, com câncer de mama na
família ou histórico pessoal, casos semelhantes
envolvendo câncer de endométrio, mulheres
com doença hepática grave, sangramento vaginal ou porfiria (distúrbio causado por deficiência de certas enzimas) não devem fazer o
tratamento à base de hormônios. Segundo
Fernandes, em todos os casos, a administração
dessas substâncias pode agravar o quadro da
paciente. "Tanto o câncer de mama quanto o
de endométrio são hormonodependentes. No
caso das doenças hepáticas, os hormônios podem comprometer o funcionamento do fígado", diz o ginecologista.
O mesmo vale para mulheres cardiopatas.
Alguns estudos mostraram que a TH, além de
não ter um caráter protetor, poderia aumentar a
incidência de infarto. "Entretanto, mesmo nessas
pacientes, é possível administrar a TH", afirma o
ginecologista e obstetra Nilson Roberto de Melo,
presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida. Nesses casos, segundo Melo, a intenção não é protetora, mas pôr fim aos sintomas
desagradáveis da menopausa. Dependendo do
caso, a paciente pode receber medicação oral.
Sem passar pelo fígado, a droga não aumentaria
os fatores de coagulação.
Foi somente depois de conversar com o seu médico e esclarecer todas as dúvidas por meio de
exames e histórico familiar que a empresária Ana
Tereza Bianchi D"Auri, 54, optou pela reposição.
"Não suportava mais as ondas de calor. Elas são
terríveis, não adianta só me abanar, dá vontade
de tirar a roupa. Eu trabalho, vivo correndo e ficava constrangida em reuniões", conta ela, que recebe tratamento desde os 51 anos.
Mesmo não tendo um histórico contra-indicado, Ana faz exames anuais. A lista inclui verificar
as taxas hormonais, mamografia e ultra-sonografia pélvica. "As pessoas acham que sou louca por
causa das pesquisas que mostram desvantagens,
mas confio no meu médico e não estou arrependida", complementa.
Além de todos esses cuidados, o consenso brasileiro prega cada vez mais a ênfase na individualização do tratamento. A terapêutica não pode ser
generalizada, cada mulher é um caso e existem
drogas específicas para cada diagnóstico.
Algumas mulheres que não podem usar os hormônios orais, por exemplo, têm como opção os
transdérmicos, que são implantes subcutâneos,
além de adesivos e géis. "Com o uso dos transdérmicos, os hormônios são liberados diretamente
na corrente sangüínea, não passam pelo fígado
como os orais e, conseqüentemente, o
comprometimento do órgão inexiste, algo
importante para mulheres diabéticas ou hipertensas", explica Fernandes.
E mais: nem todas as pacientes precisam da
combinação de estrógeno e progesterona -a
base comum da terapia hormonal. Mulheres
que não têm mais o útero costumam ser tratadas apenas com estrógenos.
O caso da juíza aposentada Maria Pia de Finocchio, 58, ilustra bem essa particularização
no tratamento. Maria fez a primeira reposição
há dez anos por indicação de seu ginecologista. "Meu médico optou pelo tratamento como
forma de prevenção", diz. Maria começou
usando pílulas e passou para um implante
transdérmico. "Nunca tive ondas de calor ou
irritabilidade e ainda estou protegida contra a
osteoporose", diz ela, que, aliás, continua trocando informações com as outras pacientes
na sala de espera do médico para comparar
tratamentos.
Afastar outras doenças
Apesar de existirem trabalhos de advertência sobre possíveis
riscos, várias pesquisas mostram que a TH
pode ser útil na prevenção de algumas doenças -como a osteoporose. Segundo o ginecologista César Fernandes, alguns estudos provaram que a TH ajuda a reduzir o risco de fraturas, pois os hormônios agem na conservação da massa óssea. Outra pesquisa, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo),
mostrou que a TH é eficaz em 80% dos casos
de tratamento de incontinência urinária, distúrbio freqüente na menopausa.
E, neste ano, pesquisadores internacionais
também trouxeram dados otimistas. Publicado no American Journal of Obstetrics and Ginecology pelos médicos Ronald Burkman,
John Collins e Robert Greene, o estudo evidenciou que a mulher, durante o uso da terapia de reposição, tem uma redução de 34% no
risco de desenvolver câncer colorretal e de
20% a 60% no caso do mal de Alzheimer.
A atriz Glauce Graibe, 56, nunca teve medo
de todo o processo que a menopausa traz: fez
a reposição aconselhada pela ginecologista
para atenuar as ondas de calor que não a deixavam dormir. A terapia durou dois anos e
Glauce parou quando os sintomas sumiram.
"Não tive medo dos riscos, procurei me informar a respeito. Primeiro, usei os comprimidos e o gel, em seguida, o adesivo. Os calores
passaram e voltei a dormir tranqüilamente.
Não me arrependo", diz ela.
Glauce só teve um pouco de receio quando
se sentiu mais inchada e achou que engordaria. Algumas mulheres citam como efeitos colaterais da TH quilos extras, inchaços, sangramentos fora de hora e dor de cabeça. Segundo
Ângela de Maggio, do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da USP, esses sintomas podem ocorrer até
que o médico chegue ao tratamento mais adequado ao caso da paciente. "Após esse acerto,
eles desaparecem", afirma.
O ginecologista Eliezer Berenstein faz questão de lembrar que nem todas as mulheres são
obrigadas a fazer a TH. Ele afirma que existem
outras opções, como o uso de fitohormônios,
a homeopatia e a acupuntura. Hoje, sabe-se
que "hábitos de vida saudáveis, como combate à obesidade e prática regular de exercícios
físicos, também influenciam na qualidade de
vida das mulheres na menopausa", complementa Berenstein.
Com os devidos cuidados, talvez a melhor
orientação venha da ginecologista americana
Christiane Northrup (www.drnorthrup.com), que escreveu recentemente o livro "A
Sabedoria da Menopausa", best-seller nos
EUA, traduzido para o português. Para a professora da Faculdade de Vermont, em Burlington (EUA), a menopausa não deve ser encarada como uma doença, mas como um processo natural do envelhecimento do organismo feminino. Por isso a busca deve ser sempre pela qualidade de vida, sem ilusões quanto a parar o relógio biológico. "Acredito que
os meus trabalhos mais importantes na vida
não serão feitos antes dos 65 anos, quando
nos tornamos realmente sábios."
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