São Paulo, quinta-feira, 14 de outubro de 2004
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Hormônios à flor da pele

Terapia de reposição hormonal durante a menopausa deve ser aplicada segundo o quadro de cada paciente para evitar riscos e contra-indicações

KARINA KLINGER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

É difícil conviver com eles, mas, em alguns casos, chega a ser impossível viver sem. Se, na juventude, os hormônios femininos levam a culpa pelas mudanças no humor das mulheres, principalmente em fases de tensão pré-menstrual (TPM), na maturidade, eles podem fazer falta. Além de atuar no sistema reprodutor, o estrógeno, um dos hormônios que deixam de ser produzidos na menopausa, possui funções ainda pouco conhecidas.
Não à toa, sintomas como calores, suor noturno, ressecamento vaginal, oscilações de humor, dor de cabeça, incontinência urinária e redução do desejo sexual são freqüentes durante o climatério, nome dado à interrupção dos ciclos menstruais quando a mulher entra na maturidade, em geral, após os 45 anos.
Essas chateações ocorrem por uma razão simples: a deficiência nos níveis de hormônio em relação ao padrão a que o organismo estava acostumado. O mesmo acontece com a progesterona, uma das responsáveis pela sensação de calma. Sua carência nessa fase da vida gera sintomas de enxaqueca e ansiedade.
Diante de tantas turbulências hormonais, fica fácil compreender por que nem tudo ainda foi por água abaixo no que diz respeito à polêmica causada por algumas pesquisas que constataram riscos e contra-indicações da terapia. Para que algumas mulheres possam manter a sua qualidade de vida na menopausa, a TH (terapêutica hormonal) continua sendo bem-vinda.
Sem nenhum dos sintomas citados acima, a jornalista Marília Gabriela, 56, é uma das adeptas da reposição hormonal. Primeiro com objetivos contraceptivos e para não menstruar, ela começou a fazer implantes de hormônio no início da década de 70. Interrompeu apenas em 1978 para poder engravidar. Há oito anos, faz o tratamento subcutâneo com fins de reposição. "Fui atrás de todos os questionamentos que já levantaram sobre o assunto e não tenho nada que desabone o tratamento. Faço check-up anualmente. O tônus da minha pele está melhor, tenho tesão. Estou zero bala", diz a jornalista.
Dados apresentados neste ano pelo Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas mostraram que 25% das mulheres norte-americanas que haviam parado de fazer TH depois da divulgação de que ela aumentaria o risco de certas doenças voltaram ao tratamento.
"A publicação de pesquisas ora satisfatórias ora alarmantes ainda assusta as mulheres. O fato de as pessoas terem medo é uma forma compreensível de proteção, mas a medicina está mais cautelosa para pôr fim aos sintomas do climatério", argumenta o ginecologista e obstetra Hans Wolfgang Halbe, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Passados quase dois anos do pavor causado pelo estudo norte-americano da WHI (Women's Health Initiative) -interrompido antes do previsto porque o tratamento hormonal, feito em 16.608 mulheres, ficou associado à maior incidência de câncer, derrame e infarto-, as estratégias de combate aos sintomas da menopausa foram revistas. Prova das mudanças na prática do tratamento partiu recentemente da Sobrac (Sociedade Brasileira do Climatério -www.sobrac.org.br), que lançou no final de agosto o primeiro consenso nacional sobre os benefícios e as contra-indicações da terapêutica hormonal na menopausa.
De acordo com o ginecologista César Eduardo Fernandes, presidente do Conselho Científico da Sobrac e um dos autores do documento, uma espécie de orientação para os médicos brasileiros, se feita de maneira adequada, levando em conta com rigor as especificidades de cada caso, a TH pode trazer uma série de benefícios sem oferecer riscos. Para o médico, o maior deles é pôr fim aos sintomas indesejados e comuns do período. "É preciso acabar com esse conceito de que a TH é problemática e arriscada", afirma.
Assim como acontece no consenso norte-americano divulgado em 2003 e reavaliado anualmente, o documento nacional pressupõe que o tratamento nas mulheres seja feito o quanto antes -logo após a interrupção do ciclo menstrual-, com doses mínimas de hormônios e pelo menor tempo possível. Para se ter uma idéia das mudanças, as doses hormonais usadas pelas pacientes que participaram do WHI -o estudo que alarmou a maioria das mulheres mundo afora- são ultrapassadas e os tratamentos modernos usam metade dessa quantidade. Também foi reavaliada a idade mais propícia para o tratamento. Sabe-se hoje que a eficácia da TH fica cada vez mais reduzida quanto mais velha for a paciente, além de torná-la mais suscetível às doenças do próprio envelhecimento.
Como atualmente há maior certeza de que nem toda mulher pode se sujeitar a esse tipo de terapêutica, antes de iniciar o tratamento, é preciso que o médico faça uma investigação minuciosa. "Mesmo durante o tratamento, é importante que a paciente seja acompanhada de perto", recomenda Halbe.
Mulheres com doença tromboembólicas aguda ou recorrente, com câncer de mama na família ou histórico pessoal, casos semelhantes envolvendo câncer de endométrio, mulheres com doença hepática grave, sangramento vaginal ou porfiria (distúrbio causado por deficiência de certas enzimas) não devem fazer o tratamento à base de hormônios. Segundo Fernandes, em todos os casos, a administração dessas substâncias pode agravar o quadro da paciente. "Tanto o câncer de mama quanto o de endométrio são hormonodependentes. No caso das doenças hepáticas, os hormônios podem comprometer o funcionamento do fígado", diz o ginecologista.
O mesmo vale para mulheres cardiopatas. Alguns estudos mostraram que a TH, além de não ter um caráter protetor, poderia aumentar a incidência de infarto. "Entretanto, mesmo nessas pacientes, é possível administrar a TH", afirma o ginecologista e obstetra Nilson Roberto de Melo, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida. Nesses casos, segundo Melo, a intenção não é protetora, mas pôr fim aos sintomas desagradáveis da menopausa. Dependendo do caso, a paciente pode receber medicação oral. Sem passar pelo fígado, a droga não aumentaria os fatores de coagulação.
Foi somente depois de conversar com o seu médico e esclarecer todas as dúvidas por meio de exames e histórico familiar que a empresária Ana Tereza Bianchi D"Auri, 54, optou pela reposição. "Não suportava mais as ondas de calor. Elas são terríveis, não adianta só me abanar, dá vontade de tirar a roupa. Eu trabalho, vivo correndo e ficava constrangida em reuniões", conta ela, que recebe tratamento desde os 51 anos.
Mesmo não tendo um histórico contra-indicado, Ana faz exames anuais. A lista inclui verificar as taxas hormonais, mamografia e ultra-sonografia pélvica. "As pessoas acham que sou louca por causa das pesquisas que mostram desvantagens, mas confio no meu médico e não estou arrependida", complementa.
Além de todos esses cuidados, o consenso brasileiro prega cada vez mais a ênfase na individualização do tratamento. A terapêutica não pode ser generalizada, cada mulher é um caso e existem drogas específicas para cada diagnóstico.
Algumas mulheres que não podem usar os hormônios orais, por exemplo, têm como opção os transdérmicos, que são implantes subcutâneos, além de adesivos e géis. "Com o uso dos transdérmicos, os hormônios são liberados diretamente na corrente sangüínea, não passam pelo fígado como os orais e, conseqüentemente, o comprometimento do órgão inexiste, algo importante para mulheres diabéticas ou hipertensas", explica Fernandes.
E mais: nem todas as pacientes precisam da combinação de estrógeno e progesterona -a base comum da terapia hormonal. Mulheres que não têm mais o útero costumam ser tratadas apenas com estrógenos.
O caso da juíza aposentada Maria Pia de Finocchio, 58, ilustra bem essa particularização no tratamento. Maria fez a primeira reposição há dez anos por indicação de seu ginecologista. "Meu médico optou pelo tratamento como forma de prevenção", diz. Maria começou usando pílulas e passou para um implante transdérmico. "Nunca tive ondas de calor ou irritabilidade e ainda estou protegida contra a osteoporose", diz ela, que, aliás, continua trocando informações com as outras pacientes na sala de espera do médico para comparar tratamentos.

Afastar outras doenças
Apesar de existirem trabalhos de advertência sobre possíveis riscos, várias pesquisas mostram que a TH pode ser útil na prevenção de algumas doenças -como a osteoporose. Segundo o ginecologista César Fernandes, alguns estudos provaram que a TH ajuda a reduzir o risco de fraturas, pois os hormônios agem na conservação da massa óssea. Outra pesquisa, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), mostrou que a TH é eficaz em 80% dos casos de tratamento de incontinência urinária, distúrbio freqüente na menopausa.
E, neste ano, pesquisadores internacionais também trouxeram dados otimistas. Publicado no American Journal of Obstetrics and Ginecology pelos médicos Ronald Burkman, John Collins e Robert Greene, o estudo evidenciou que a mulher, durante o uso da terapia de reposição, tem uma redução de 34% no risco de desenvolver câncer colorretal e de 20% a 60% no caso do mal de Alzheimer.
A atriz Glauce Graibe, 56, nunca teve medo de todo o processo que a menopausa traz: fez a reposição aconselhada pela ginecologista para atenuar as ondas de calor que não a deixavam dormir. A terapia durou dois anos e Glauce parou quando os sintomas sumiram. "Não tive medo dos riscos, procurei me informar a respeito. Primeiro, usei os comprimidos e o gel, em seguida, o adesivo. Os calores passaram e voltei a dormir tranqüilamente. Não me arrependo", diz ela.
Glauce só teve um pouco de receio quando se sentiu mais inchada e achou que engordaria. Algumas mulheres citam como efeitos colaterais da TH quilos extras, inchaços, sangramentos fora de hora e dor de cabeça. Segundo Ângela de Maggio, do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da USP, esses sintomas podem ocorrer até que o médico chegue ao tratamento mais adequado ao caso da paciente. "Após esse acerto, eles desaparecem", afirma.
O ginecologista Eliezer Berenstein faz questão de lembrar que nem todas as mulheres são obrigadas a fazer a TH. Ele afirma que existem outras opções, como o uso de fitohormônios, a homeopatia e a acupuntura. Hoje, sabe-se que "hábitos de vida saudáveis, como combate à obesidade e prática regular de exercícios físicos, também influenciam na qualidade de vida das mulheres na menopausa", complementa Berenstein.
Com os devidos cuidados, talvez a melhor orientação venha da ginecologista americana Christiane Northrup (www.drnorthrup.com), que escreveu recentemente o livro "A Sabedoria da Menopausa", best-seller nos EUA, traduzido para o português. Para a professora da Faculdade de Vermont, em Burlington (EUA), a menopausa não deve ser encarada como uma doença, mas como um processo natural do envelhecimento do organismo feminino. Por isso a busca deve ser sempre pela qualidade de vida, sem ilusões quanto a parar o relógio biológico. "Acredito que os meus trabalhos mais importantes na vida não serão feitos antes dos 65 anos, quando nos tornamos realmente sábios."


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