São Paulo, quinta-feira, 14 de outubro de 2004
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Para frente, sempre

Ayrton Vignola/Folha Imagem

Recomendações internacionais apontam que caminhada diária e moderada é mais importante que prática exaustiva eventual

RODRIGO GERHARDT
DA REPORTAGEM LOCAL

Um passo a frente, outro depois e assim por diante. Incorporar aos hábitos diários 30 minutos desse exercício aprendido nos primeiros anos de vida é o mínimo para escapar do grupo dos sedentários e se prevenir dos principais vilões que acometem a humanidade hoje -obesidade, doenças cardiovasculares e diabetes. Atividades moderadas -aquelas em que conseguimos conversar durante a prática- e feitas pelo menos cinco vezes por semana, por pessoas de todas as faixas de idade, devem fazer parte de um estilo de vida mais saudável. E levar a população à ação com esse entendimento foi a tônica transmitida pelo 27º Simpósio Internacional de Ciências do Esporte, que aconteceu na semana passada, em São Paulo, e que reafirmou as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde). Publicado em abril deste ano, o documento "Global strategy on diet, physical activity and health" (estratégia global em dieta, atividade física e saúde) da OMS levanta a importância de se criar políticas de saúde que contemplem atividades físicas combinadas com uma alimentação adequada como condição básica para diminuir os níveis de incidência de diversas doenças nas populações. "Antes, a recomendação de praticar exercícios três vezes por semana tinha objetivos imediatos, como força física, potência aeróbica e perda de peso. Ao orientar atividades diárias, de forma contínua ou fracionada durante o dia, o objetivo principal são os benefícios para a saúde a médio e a longo prazo", explica Douglas Roque Andrade, vice-presidente do Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (SP). Sob esse ponto de vista, a caminhada é a atividade mais recomendada por ser a mais democrática -não exige habilidade inicial, equipamentos, parceiros ou local específico para ser praticada. "Quem anda regularmente tem 40% menos risco de problemas cardiovasculares e consegue se livrar mais facilmente do tabaco", afirma o cardiologista do Instituto do Coração Celso Amodeo. A caminhada vem sendo indicada, inclusive, para pessoas com Aids que sofrem com a redistribuição da gordura corporal, concentrada no abdômen. "Como exercícios intensos influenciam na imunidade do organismo e poderiam acelerar a perda de gordura no resto do corpo, a caminhada é a mais indicada para diminuir a concentração dessa gordura localizada", explica Cláudia Barros, que pesquisa os benefícios dessa prática entre crianças e adolescentes com a doença. O único desafio é transformar a caminhada em hábito, algo que a dona-de-casa Nair Ferreira de Oliveira, 58, conquistou há 11 anos, após indicação médica. Sofrendo de arritmia cardíaca, sentia-se cansada e sem ânimo. Começou a dar os primeiros passos em busca da mudança caminhando 20 minutos diariamente. Hoje, anda uma hora e meia todos os dias e nem o frio de dois graus negativos, comum no inverno de Campos do Jordão (SP), onde mora, é capaz de prendê-la em casa. "Minha disposição melhorou muito", diz Nair, que no próximo dia 29 participará pela quarta vez de uma caminhada anual que percorre a pé 70 quilômetros em 12 horas.

Caminhada a prestação
Quem tem pouco tempo para o exercício pode dividir os 30 minutos em parcelas menores de tempo durante o dia -os benefícios para a saúde são praticamente os mesmos, desde que haja a prática diária. No entanto o contrário não acontece: não adianta querer compensar o tempo perdido na semana em apenas um dia.
Essa é mais uma vantagem da caminhada. Os trajetos para a escola ou para o trabalho contam no acúmulo total no final do dia. "Durante a semana, ando a pé, pego ônibus e metrô", diz o juiz Jurandir Pinoti, 55, que conseguiu se livrar do sobrepeso apenas com as caminhadas diárias, sem dietas, mas sem exageros alimentares. Há três anos, quando começou a caminhar, ele estava com 81 kg e hoje pesa 73 kg.
Além dos benefícios físicos, caminhar também faz bem para a mente. Pesquisas das universidades de Virgínia e Harvard com pessoas acima dos 70 anos, feita nos Estados Unidos, constataram que essa atividade diminui os riscos de demência (deterioração mental). Aqueles que mantinham o hábito da caminhada obtiveram melhores resultados em testes de agilidade mental. Segundo a professora de educação física Maika Arno Roeder, atividades moderadas como a caminhada ajudam a equilibrar as substâncias neuroquímicas do cérebro e aliviam os sintomas do estresse. "Em pacientes com transtornos mentais graves e depressão, em que a medicação já não estava surtindo efeito, percebemos melhora no humor", diz.

Começar cedo
Pouco usual entre os jovens, a caminhada pode ser uma aliada importante para tirar o crescente grupo de adolescentes que engrossa a classe dos sedentários. "Para interessar esse grupo, a caminhada deve incluir elementos lúdicos ou desafios, que estimulem o prazer e a sensação de risco, como o trekking ou uma caminhada com fotografia", afirma Markus Vinícius Nahas, coordenador do Núcleo de Pesquisas em Atividades Físicas e Saúde da UFSC.
O sedentarismo na adolescência já preocupa os especialistas. É nessa fase que os fatores de risco que vão refletir na vida adulta começam a se instalar. "Como os jovens ainda estão imunes aos seus efeitos, é difícil convencê-los a adquirir um comportamento preventivo a longo prazo", explica o professor de educação física da Universidade Estadual de Londrina Dartagnan Pinto Guedes.
Em pesquisa com 1.311 jovens, Guedes detectou que 55% eram sedentários e 85% tinham uma alimentação rica em gordura saturada e colesterol. Nas classes mais baixas, sem acesso a clubes e academias de ginástica, o número de jovens inativos é maior. "Doenças cardiovasculares, consideradas problema de velhos, agora estão atingindo pessoas na faixa dos 30 anos", diz.
A recomendação de atividades físicas da OMS para os adolescentes é de uma freqüência maior do que para os adultos -60 minutos diários de atividade física moderada [a mesma recomendação para adultos obesos] e pelo menos duas vezes por semana de atividades intensas, que estimulam o desenvolvimento ósseo.
Além de uma política educacional nas escolas, a influência da família é fundamental. Quando os pais são inativos, a possibilidade de a criança adotar a mesma condição é muito forte. Crianças inativas certamente serão adultos sedentários.
Pela pouca exigência de esforço físico, a caminhada praticamente não tem contra-indicação de idade ou outros fatores e não exige exames clínicos, a não ser em casos individuais muito específicos como pessoas com obesidade mórbida. "Apenas se o paciente sentir dor deverá buscar uma avaliação médica", diz o cardiologista Celso Amodeo.
Segundo os especialistas, o maior risco é passar o dia sentado em frente à televisão. Pior ainda se o aparelho tiver controle remoto.


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