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Para frente, sempre
Ayrton Vignola/Folha Imagem
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Recomendações internacionais apontam que caminhada diária e moderada é mais importante que prática exaustiva eventual
RODRIGO GERHARDT
DA REPORTAGEM LOCAL
Um passo a frente, outro depois e assim por
diante. Incorporar aos hábitos diários 30 minutos desse exercício aprendido nos primeiros anos
de vida é o mínimo para escapar do grupo dos sedentários e se prevenir dos principais vilões que acometem a humanidade hoje -obesidade,
doenças cardiovasculares e diabetes.
Atividades moderadas -aquelas em que
conseguimos conversar durante a prática- e
feitas pelo menos cinco vezes por semana, por
pessoas de todas as faixas de idade, devem fazer parte de um estilo de vida mais saudável. E
levar a população à ação com esse entendimento foi a tônica transmitida pelo 27º Simpósio Internacional de Ciências do Esporte,
que aconteceu na semana passada, em São
Paulo, e que reafirmou as recomendações da
OMS (Organização Mundial da Saúde).
Publicado em abril deste ano, o documento
"Global strategy on diet, physical activity and
health" (estratégia global em dieta, atividade
física e saúde) da OMS levanta a importância
de se criar políticas de saúde que contemplem
atividades físicas combinadas com uma alimentação adequada como condição básica
para diminuir os níveis de incidência de diversas doenças nas populações.
"Antes, a recomendação de praticar exercícios três vezes por semana tinha objetivos
imediatos, como força física, potência aeróbica e perda de peso. Ao orientar atividades diárias, de forma contínua ou fracionada durante
o dia, o objetivo principal são os benefícios para a saúde a médio e a longo prazo", explica
Douglas Roque Andrade, vice-presidente do
Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão
Física de São Caetano do Sul (SP).
Sob esse ponto de vista, a caminhada é a atividade mais recomendada por ser a mais democrática -não exige habilidade inicial, equipamentos, parceiros ou local específico para
ser praticada. "Quem anda regularmente tem
40% menos risco de problemas cardiovasculares e consegue se livrar mais facilmente do tabaco", afirma o cardiologista do Instituto do
Coração Celso Amodeo.
A caminhada vem sendo indicada, inclusive,
para pessoas com Aids que sofrem com a redistribuição da gordura corporal, concentrada
no abdômen. "Como exercícios intensos influenciam na imunidade do organismo e poderiam acelerar a perda de gordura no resto do
corpo, a caminhada é a mais indicada para diminuir a concentração dessa gordura localizada", explica Cláudia Barros, que pesquisa os
benefícios dessa prática entre crianças e adolescentes com a doença.
O único desafio é transformar a caminhada
em hábito, algo que a dona-de-casa Nair Ferreira de Oliveira, 58, conquistou há 11 anos,
após indicação médica. Sofrendo de arritmia
cardíaca, sentia-se cansada e sem ânimo. Começou a dar os primeiros passos em busca da
mudança caminhando 20 minutos diariamente. Hoje, anda uma hora e meia todos os dias e
nem o frio de dois graus negativos, comum no
inverno de Campos do Jordão (SP), onde mora, é capaz de prendê-la em casa. "Minha disposição melhorou muito", diz Nair, que no
próximo dia 29 participará pela quarta vez de
uma caminhada anual que percorre a pé 70
quilômetros em 12 horas.
Caminhada a prestação
Quem tem pouco tempo para o exercício pode dividir os 30
minutos em parcelas menores de tempo durante o dia -os benefícios para a saúde são
praticamente os mesmos, desde que haja a
prática diária. No entanto o contrário não
acontece: não adianta querer compensar o
tempo perdido na semana em apenas um dia.
Essa é mais uma vantagem da caminhada. Os
trajetos para a escola ou para o trabalho contam no acúmulo total no final do dia. "Durante
a semana, ando a pé, pego ônibus e metrô", diz
o juiz Jurandir Pinoti, 55, que conseguiu se livrar do sobrepeso apenas com as caminhadas
diárias, sem dietas, mas sem exageros alimentares. Há três anos, quando começou a caminhar, ele estava com 81 kg e hoje pesa 73 kg.
Além dos benefícios físicos, caminhar também faz bem para a mente. Pesquisas das universidades de Virgínia e Harvard com pessoas
acima dos 70 anos, feita nos Estados Unidos,
constataram que essa atividade diminui os riscos de demência (deterioração mental). Aqueles que mantinham o hábito da caminhada obtiveram melhores resultados em testes de agilidade mental.
Segundo a professora de educação física
Maika Arno Roeder, atividades moderadas como a caminhada ajudam a equilibrar as substâncias neuroquímicas do cérebro e aliviam os
sintomas do estresse. "Em pacientes com
transtornos mentais graves e depressão, em
que a medicação já não estava surtindo efeito,
percebemos melhora no humor", diz.
Começar cedo
Pouco usual entre os jovens, a caminhada pode ser uma aliada importante para tirar o crescente grupo de adolescentes que engrossa a classe dos sedentários.
"Para interessar esse grupo, a caminhada deve
incluir elementos lúdicos ou desafios, que estimulem o prazer e a sensação de risco, como o
trekking ou uma caminhada com fotografia",
afirma Markus Vinícius Nahas, coordenador
do Núcleo de Pesquisas em Atividades Físicas e
Saúde da UFSC.
O sedentarismo na adolescência já preocupa
os especialistas. É nessa fase que os fatores de
risco que vão refletir na vida adulta começam a
se instalar. "Como os jovens ainda estão imunes aos seus efeitos, é difícil convencê-los a adquirir um comportamento preventivo a longo
prazo", explica o professor de educação física
da Universidade Estadual de Londrina Dartagnan Pinto Guedes.
Em pesquisa com 1.311 jovens, Guedes detectou que 55% eram sedentários e 85% tinham
uma alimentação rica em gordura saturada e
colesterol. Nas classes mais baixas, sem acesso
a clubes e academias de ginástica, o número de
jovens inativos é maior. "Doenças cardiovasculares, consideradas problema de velhos, agora estão atingindo pessoas na faixa dos 30
anos", diz.
A recomendação de atividades físicas da
OMS para os adolescentes é de uma freqüência
maior do que para os adultos -60 minutos
diários de atividade física moderada [a mesma
recomendação para adultos obesos] e pelo menos duas vezes por semana de atividades intensas, que estimulam o desenvolvimento ósseo.
Além de uma política educacional nas escolas, a influência da família é fundamental.
Quando os pais são inativos, a possibilidade de
a criança adotar a mesma condição é muito
forte. Crianças inativas certamente serão adultos sedentários.
Pela pouca exigência de esforço físico, a caminhada praticamente não tem contra-indicação de idade ou outros fatores e não exige exames clínicos, a não ser em casos individuais
muito específicos como pessoas com obesidade mórbida. "Apenas se o paciente sentir dor
deverá buscar uma avaliação médica", diz o
cardiologista Celso Amodeo.
Segundo os especialistas, o maior risco é passar o dia sentado em frente à televisão. Pior
ainda se o aparelho tiver controle remoto.
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