São Paulo, quinta-feira, 14 de outubro de 2004
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outras idéias

thereza soares pagani

Cooperar e aprender com a diversidade

Há alguns anos, surgiu em nossa escola uma olimpíada e foi acrescentada ao vocabulário da escola a palavra cidadania, que tem como significado respeito pelo outro, companheirismo, responsabilidade, cooperação e, principalmente, atitude.
Dessa olimpíada participam todos: das crianças com oito meses de idade até as que têm sete anos, sendo as equipes de atletas formadas mesmo a partir dos quatro anos de idade. Essas atividades não acontecem só em época de Jogos Olímpicos mas em todos os anos, na primavera.
Por meio dos jogos, as crianças colocam as energias e excitações para fora. Todas participam, nem sempre com espírito de competição, mas sempre com espírito de equipe, de cooperação, de batalha e muito entusiasmo.
São desenvolvidas atividades variadas que vão de um simples arremesso de tampinha em cesto de lixo até noções de cidadania. Mas como é possível misturar tantas idades?


Para além da performance física de cada criança envolvida, o que se busca é o seu autoconhecimento, o reconhecimento de seus limites na interação com os companheiros de equipe e não só por si só.


Explico como. São cerca de 120 atividades dividas por duas equipes, começando com a escolha dos capitães, que, em seguida, definem suas equipes. Partem daí para escolher o nome de cada equipe e criar o hino de guerra.
As regras são poucas e muito claras. E nunca mudam. O senso de justiça é condição prioritária. A meta de pontos também é marcada. A tabela é feita e o entusiasmo é garantido.
Um dos professores relatou que, conversando com colegas da área de educação física, explicou como eram os jogos de primavera com as nossas crianças tão pequenas. Unânimes foram os questionamentos. Como as crianças não reclamam? O que os professores fazem para manter o grupo?
O professor disse-lhes que as crianças não reclamam e gostam de participar porque há momentos de liberdade, sem regras para ir ao banheiro ou tomar água. Também contou-lhes sobre a liberdade que cada professor tem de inventar as atividades com pontuações livres.
E isso é bem o que se faz nas nossas atividades olímpicas. Para além da performance física de cada criança envolvida, o que se busca é o seu autoconhecimento, o reconhecimento de seus limites na interação com os companheiros de equipe e não só por si só.
Boas atitudes somam pontos no placar geral. Isso é observado durante todo o período das atividades e não somente na área dos jogos. As crianças compreendem que não são somente suas habilidades físicas que vão lhes trazer vantagens para o grupo. Os jogos ou provas a que são submetidas não estão limitados apenas aos exercícios físicos mas também incluem jogos cooperativos, jogos de foniatria, cálculo e dança, entre outros. Enfim, todas as áreas que devem ser trabalhadas na primeira infância.
Também acontece uma paraolimpíada na escola! Neste ano, por iniciativa de um casal que tem um filho portador de deficiência, seu aniversário de cinco anos foi comemorado com uma festiva competição.
Os pais chegaram alegres, entusiasmados e ansiosos para valorizarem as provas do dia. A primeira atividade proposta foi uma conversa com as crianças para explicar o que é uma paraolimpíada. A surpresa dos pais foi verificar que algumas crianças já estavam acompanhando os jogos pela televisão.
Todos participavam e os professores colaboravam com as outras crianças portadoras de deficiência -como ego auxiliar- para que pudessem fazer parte em todas as atividades.
No primeiro momento, fomos para o campinho onde o jogo era uma corrida em duplas de um pé só. A dupla era presa por uma perna e tinha de ir pulando até o outro lado. A união e o equilíbrio entre os parceiros eram fundamentais. O segundo desafio aconteceu no tanque de areia. De olhos vendados, era preciso encontrar pistas enterradas para chegar ao tesouro.
Uma criança de sete anos comentou: "É bem difícil ganhar medalha nadando sem as duas pernas". E outra concluiu: "Já pensou sem enxergar nada?". Essas crianças são as que, no dia-a-dia, compartilham a mesma atividade com outras portadoras de deficiência.
Duvido que amanhã essas mesmas crianças serão indiferentes ou até evitarão uma pessoa portadora de deficiência física. Tiro por mim, que fui educada no norte do Espírito Santo, onde minha mãe, nos nossos aniversários, convidava todo o tipo de criança da redondeza para passar o dia brincando em nossa casa. O importante nunca foi o presente e sim a presença. A festa era completa como ganhar medalhas de ouro e prata na nossa olimpíada de primavera.

THEREZA SOARES PAGANI ("Therezita") é educadora e diretora da Tearte, escola de educação infantil; e-mail: tepagani@uol.com.br

Leia na próxima semana coluna de Michael Kepp


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