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s.o.s. família
Faltam indignação e perplexidade
rosely sayão
Entre tantas situações difíceis que os pais e
os professores enfrentam ao educar
crianças e jovens, uma em especial tem provocado preocupações e indagações sem fim: a
agressão física. Os educadores não sabem ao
certo como agir -e reagir- quando irmãos, primos e colegas de escola entram em confronto, muitas vezes por motivos banais, e
partem para a violência corporal.
Pontapés, beliscões, murros, mordidas, chutes em partes delicadas do corpo, puxões nos
cabelos, empurrões e tapas na cara, entre outros tipos de agressão, são atos que têm sido
usados indiscriminadamente como estratégia
de defesa e de ataque entre os pares, como expressão de inconformidade diante da frustração e de mal-estar quando algo ou alguém impede a satisfação de um imperativo pessoal e/
ou como busca de solução de um conflito.
É importante lembrar que a criança pequena
naturalmente aprende a usar tal recurso para
conseguir o que quer. Pais e professores com
filhos de idade entre dois e três anos, mais ou
menos, conhecem de perto a mordida. Sem
ter ainda o recurso da linguagem, a criança
usa o instrumento que tem -no caso, os dentes- para intervir no meio segundo os seus
interesses. À medida que a criança cresce e adquire a linguagem, ela pode deixar de lado esse
tipo de intervenção para usar a linguagem como instrumento de mediação e de negociação
quando entra em situação de conflito. Entretanto, para tanto, é preciso haver a intervenção educativa.
Acontece que hoje tem sido mais usual o
adulto classificar a criança de agressiva do que
conter o comportamento dela e ensinar-lhe
outros mais adequados ou mesmo aplicar-lhe
uma sanção quando é necessário.
É preciso considerar o contexto em que vivemos no mundo contemporâneo: a violência física, nos seus mais diversos graus de expressão, passou a ser considerada parte da vida,
como se fosse algo inevitável. E é bom ressaltar
que estou considerando mais a força física
manifestada no cotidiano que se tem tornado
quase invisível, como empurrar alguém para
chegar ao local desejado, por exemplo.
É difícil, hoje, um ato desses causar indignação e perplexidade. Recentemente, assistia à
TV no final da tarde de domingo e parei para
conhecer um programa chamado "Pânico na
TV". Num determinado quadro, um ator com
a identidade protegida por uma fantasia de caveira passou um bom tempo importunando
fisicamente pessoas em uma praia.
Aí está: na programação dominical da TV
em horário livre para crianças e em programa
atrativo para jovens, a sociedade compactua
com a agressão física e minimiza seus efeitos.
Justamente por entender que esse tipo de
atitude tem sido ensinada pela sociedade local
e global, seria ingenuidade pensar que a educação praticada pela família e pela escola pudesse dar conta desse comportamento na convivência. Não pode. Mas isso não significa que
os educadores devam sentir-se impotentes.
Eles podem fazer muito.
Lembrando a importância do vínculo de
pertencimento para a criança, os pais podem
ensinar ao filho, por exemplo, que aquela família não admite a agressão física em nenhuma hipótese e que quem desobedecer a tal
princípio sofrerá algum tipo de sanção. Na escola, é preciso que fique clara e explicita para
todos a intolerância em relação a tal comportamento e que nenhum argumento será considerado quando ele ocorrer. Essa intolerância
pode ser demonstrada, por exemplo, na hierarquia das transgressões sujeitas a sanções. E
mais: os alunos precisam aprender que são co-responsáveis pelos atos violentos que os colegas cometem, mesmo quando não participam
deles de perto. Do mesmo modo, somos todos
responsáveis também por programas de TV
como o citado, que fazem o elogio da violência
física sem pudor algum.
E, por falar em pudor, seria bom que sentíssemos, todos, vergonha ao testemunhar qualquer tipo de agressão física, em qualquer lugar. Demonstrar indignação diante disso é
uma atitude absolutamente necessária.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha), entre
outros; e-mail: roselys@uol.com.br
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