São Paulo, quinta-feira, 15 de abril de 2004
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s.o.s. família

Faltam indignação e perplexidade

rosely sayão

Entre tantas situações difíceis que os pais e os professores enfrentam ao educar crianças e jovens, uma em especial tem provocado preocupações e indagações sem fim: a agressão física. Os educadores não sabem ao certo como agir -e reagir- quando irmãos, primos e colegas de escola entram em confronto, muitas vezes por motivos banais, e partem para a violência corporal.
Pontapés, beliscões, murros, mordidas, chutes em partes delicadas do corpo, puxões nos cabelos, empurrões e tapas na cara, entre outros tipos de agressão, são atos que têm sido usados indiscriminadamente como estratégia de defesa e de ataque entre os pares, como expressão de inconformidade diante da frustração e de mal-estar quando algo ou alguém impede a satisfação de um imperativo pessoal e/ ou como busca de solução de um conflito.
É importante lembrar que a criança pequena naturalmente aprende a usar tal recurso para conseguir o que quer. Pais e professores com filhos de idade entre dois e três anos, mais ou menos, conhecem de perto a mordida. Sem ter ainda o recurso da linguagem, a criança usa o instrumento que tem -no caso, os dentes- para intervir no meio segundo os seus interesses. À medida que a criança cresce e adquire a linguagem, ela pode deixar de lado esse tipo de intervenção para usar a linguagem como instrumento de mediação e de negociação quando entra em situação de conflito. Entretanto, para tanto, é preciso haver a intervenção educativa.
Acontece que hoje tem sido mais usual o adulto classificar a criança de agressiva do que conter o comportamento dela e ensinar-lhe outros mais adequados ou mesmo aplicar-lhe uma sanção quando é necessário.
É preciso considerar o contexto em que vivemos no mundo contemporâneo: a violência física, nos seus mais diversos graus de expressão, passou a ser considerada parte da vida, como se fosse algo inevitável. E é bom ressaltar que estou considerando mais a força física manifestada no cotidiano que se tem tornado quase invisível, como empurrar alguém para chegar ao local desejado, por exemplo.
É difícil, hoje, um ato desses causar indignação e perplexidade. Recentemente, assistia à TV no final da tarde de domingo e parei para conhecer um programa chamado "Pânico na TV". Num determinado quadro, um ator com a identidade protegida por uma fantasia de caveira passou um bom tempo importunando fisicamente pessoas em uma praia.
Aí está: na programação dominical da TV em horário livre para crianças e em programa atrativo para jovens, a sociedade compactua com a agressão física e minimiza seus efeitos.
Justamente por entender que esse tipo de atitude tem sido ensinada pela sociedade local e global, seria ingenuidade pensar que a educação praticada pela família e pela escola pudesse dar conta desse comportamento na convivência. Não pode. Mas isso não significa que os educadores devam sentir-se impotentes. Eles podem fazer muito.
Lembrando a importância do vínculo de pertencimento para a criança, os pais podem ensinar ao filho, por exemplo, que aquela família não admite a agressão física em nenhuma hipótese e que quem desobedecer a tal princípio sofrerá algum tipo de sanção. Na escola, é preciso que fique clara e explicita para todos a intolerância em relação a tal comportamento e que nenhum argumento será considerado quando ele ocorrer. Essa intolerância pode ser demonstrada, por exemplo, na hierarquia das transgressões sujeitas a sanções. E mais: os alunos precisam aprender que são co-responsáveis pelos atos violentos que os colegas cometem, mesmo quando não participam deles de perto. Do mesmo modo, somos todos responsáveis também por programas de TV como o citado, que fazem o elogio da violência física sem pudor algum.
E, por falar em pudor, seria bom que sentíssemos, todos, vergonha ao testemunhar qualquer tipo de agressão física, em qualquer lugar. Demonstrar indignação diante disso é uma atitude absolutamente necessária.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha), entre outros; e-mail: roselys@uol.com.br


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