São Paulo, terça-feira, 15 de junho de 2010
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Jogo viciado

É muito azar; jogador compulsivo perde quase tudo, mas não reconhece o vício

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FERNANDA BASSETTE
RACHEL BOTELHO
DE SÃO PAULO

Um é jovem, trabalha na empresa da família e perdeu um carro zero na mesa de jogo. Outra tem 40 anos, uma filha e torrou o salário em dez minutos. O terceiro, aposentado, fez dívidas em bancos e pensou em se matar.
Apesar de terem vivido situações bem fora do padrão, passaram-se anos até que a família e os amigos descobrissem que os três eram viciados em jogos de azar.
Assim como eles, 4 milhões de brasileiros têm uma relação patológica com o jogo. Esse tipo de vício cresce tanto que já ocupa a terceira posição no ranking de compulsões: perde apenas para o álcool e o cigarro.
Isso é o que mostra o primeiro levantamento do gênero feito no país. Segundo a pesquisa, 2,3% dos brasileiros são jogadores natos: desses, os compulsivos representam 1%, e 1,3% estão trilhando o mesmo caminho.
Como cada jogador mora com outras três pessoas, em média, os pesquisadores estimam que 18 milhões de brasileiros convivam com problemas decorrentes do vício.
"É alarmante. Cada vez mais pessoas estão se tornando viciadas", diz o psiquiatra Hermano Tavares, coordenador do ambulatório de jogo patológico do HC da USP e autor do estudo.
Trata-se de uma epidemia silenciosa. Segundo os autores da pesquisa, apenas 8% deles buscam tratamento.
"O restante não admite o vício, não tem acesso ou desconhece os caminhos para se tratar", diz Tavares.
Máquinas de caça-níquel, videobingo, carteado e loteria -oficial e jogo do bicho- são os "brinquedos" mais problemáticos.
"O caça-níquel tem uma resposta mais imediata do que a loteria, então o mecanismo de reforço é muito mais forte. Quanto mais imediata a resposta que a pessoa tem com o uso, mais facilmente desenvolve dependência", afirma o psiquiatra Aderbal Vieira Jr., coordenador do Proad (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes), da Unifesp.
Enquanto a maioria das pessoas joga de vez em quando, socialmente, o jogador patológico não tem controle sobre seu impulso.
"Ele só tem satisfação quando joga, ganhando ou perdendo", diz Renato Marchi, psiquiatra do hospital da PUC de Campinas.
Outro fator que diferencia o vício de uma atividade lúdica como qualquer outra é a ocorrência de prejuízos -não apenas financeiros, mas sociais e emocionais.
"O vício traz dificuldades, constrangimentos e expõe a pessoa a julgamentos morais", afirma Tavares.

TRATAMENTO
Até 2008, quando os bingos funcionavam livremente, a busca por tratamento aumentava cinco vezes ao ano. Com o fechamento das casas, a procura caiu. Mas isso não significa que os frequentadores assíduos deixaram de jogar. Ao contrário.
"Acredito que o número de jogadores patológicos está aumentando porque a internet oferece mais privacidade", diz Marchi. "No bingo, a pessoa pode ser vista; em casa, não", completa.
O tratamento se baseia principalmente em psicoterapia. O objetivo é ajudar o dependente a substituir o hábito de jogar por outra coisa que não seja prejudicial.
"Em geral, a compulsão é sintoma de um problema em outra área. O dependente é um grande empobrecido, que tem poucas soluções para um número grande de problemas", diz Vieira Jr.
Quando a dependência está associada a outros transtornos, como depressão e ansiedade, que são mais frequentes nesse grupo, a medicação pode ser indicada.


ONDE PROCURAR AJUDA

JA 6 JOGADORES ANÔNIMOS DO BRASIL
Tel. (11) 3229-1023;
www.jogadoresanonimos.com

PROAD 6 PROGRAMA DE ORIENTAÇÃO E ATENDIMENTO A DEPENDENTES
Tel. (11) 5579-1543;
www.proad.unifesp.br
AMJO - AMBULATÓRIO DE JOGO PATOLÓGICO DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS
Tel. (11) 3069-7805

ANJOTI - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DO JOGO PATOLÓGICO E OUTROS TRANSTORNOS DO IMPULSO

Tel. (11) 2307-7804
www.anjoti.org.br




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