São Paulo, terça-feira, 15 de junho de 2010
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NEURO

SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@uol.com.br

A montanha-russa e o cerebelo


Ser arremessada para frente, para baixo e sacolejada foi divertidíssimo, mas teve seu preço


ACABO DE VOLTAR de dez dias de férias na Disney, tiradas com o firme propósito de alienar meu cérebro e apenas curtir a família e os brinquedos -mas, no dia dedicado às montanhas-russas e aos simuladores da Universal Studios, não deu para conter a neurocientista de plantão.
Ser arremessada para a frente, para baixo, virada ao contrário e sacolejada enquanto o mundo se movia de maneira imprevisível ao meu redor foi divertidíssimo, mas teve seu preço: "overload" sensorial, seguido de... enjoo.
Eu deveria saber: sensações que discordam das esperadas pelo cerebelo não só ficam mais fortes como deixam o estômago embrulhado. Os livros didáticos ainda insistem que o cerebelo, a parte do cérebro na altura da sua nuca que pesa um décimo do órgão todo, serve essencialmente para coordenar os movimentos do corpo.
Mas, com 80% de todos os neurônios do cérebro, o cerebelo faz coisas muito mais interessantes e complexas: por meio de tentativa e erro e da monitoração de todo o resto do sistema nervoso, ele gera modelos preditivos do que está por vir e faz os ajustes compensatórios necessários, antes dos acontecimentos. Isso regula o raciocínio, a fala e até as emoções, mas é mais facilmente reconhecível no controle dos sentidos.
É graças a esses modelos preditivos ultrarrápidos do cerebelo que você consegue fixar uma imagem enquanto anda e ignorar todas as sensações causadas por seus próprios movimentos -por exemplo, a língua tocando os dentes quando você fala ou os sapatos roçando nos pés quando anda.
Essa, aliás, é a explicação mais moderna para a sua dificuldade de fazer cócegas em si mesmo. Por isso, no dia em que as regras do mundo viraram de cabeça para baixo e os modelos deixaram de funcionar, cheguei ao hotel querendo ficar parada, pedindo às crianças para não subirem na minha cama (o colchão me deixava mareada), para ninguém andar rápido no quarto -tudo ainda se movia.
Só conseguia pensar em meu pobre cerebelo, que devia estar tentando desesperadamente antecipar novas subidas, descidas e viradas, na expectativa de que tudo continuaria a se mexer. Foi preciso outras tantas horas de estabilidade para ele entender que o mundo não havia mudado, e que quem se move ainda sou... só eu!

SUZANA HERCULANO-HOUZEL, neurocientista, é professora da UFRJ e autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com



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