São Paulo, quinta-feira, 15 de agosto de 2002
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Médicos investigam a dor e desenvolvem tratamentos para esse sofrimento que, se não tratado, detona o organismo

Além de ser sintoma, dor pode gerar doença

ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL

A dor é muito mais do que um inofensivo sinal de que algo não vai bem no corpo. Ela é capaz de agravar o estado de uma doença que já se instalou, prolongar o processo de cura ou ainda se transformar na própria doença. É porta de entrada para diversos males -físicos, emocionais e mentais. Por isso ninguém, em nenhuma situação, deve tolerar o sofrimento da dor ou conviver com ele. É preciso combatê-lo. A afirmação é de médicos e pesquisadores das áreas de neurologia, fisiatria e psicologia, entre outras, que se dedicam ao estudo da dor e das suas formas de tratamento.
"A dor tem sido negligenciada, maltratada, mal diagnosticada. Ela desencadeia no homem o maior estresse que ele pode suportar; as consequências são sérias, principalmente quando falamos de dores crônicas", diz João Augusto Figueiró, coordenador do Programa Nacional de Educação Continuada em Dor da Associação Médica Brasileira.
O governo dos Estados Unidos, onde mais de 50 milhões de pessoas sofrem de dor crônica, instituiu por lei que esta é a década do controle e da pesquisa da dor. A Joint Comission, conceituada entidade que fornece certificado de qualidade a serviços médicos, estipulou regras para o bom tratamento da dor no país -quem não cumprir pode perder a certificação da entidade. Neste sábado, durante o 10º Congresso Mundial da Dor, em San Diego, nos EUA, os maiores especialistas do mundo no assunto estarão discutindo os avanços no tratamento de dores.
No Brasil, onde se estima que 36% da população sofra de dor crônica, já existem cerca de 70 centros de estudos e tratamento da dor -muitos, apesar de pouco conhecidos, funcionando dentro dos principais hospitais públicos e até privados. No mês passado, o Ministério da Saúde baixou uma portaria visando a criação de Centros de Referência em Tratamento da Dor Crônica no SUS (Sistema Único de Saúde).
"Vamos avançar como se deve no tratamento da dor no Brasil", diz o secretário de assistência à saúde do ministério Renilson Rehem.

Os tipos de dor
De um modo geral, as dores podem ser classificadas em agudas ou crônicas. As primeiras têm a importante função de sinalizar que há algo de errado no funcionamento do organismo. Elas são bem delimitadas no tempo e no espaço, ou seja, é possível identificar onde ocorrem e sabe-se que o seu tempo de duração será o mesmo da doença. Já o sofrimento da dor crônica dura, no mínimo, seis meses. Pode ser decorrente de uma doença crônica, como o câncer; pode surgir sem nenhuma causa identificável, como a dor da fibromialgia; ou ainda ser consequência de uma neuropatia (disfunção no sistema nervoso central ou periférico), que tem como uma das causas o diabetes. Nesses casos, a dor não constitui um sintoma, mas é a própria doença. "Aqueles que são vítimas de dores crônicas normalmente exibem sintomas neurovegetativos, como falta de apetite e de sono, além de irritabilidade, depressão e agressividade. A rotina é muito prejudicada, e o convívio social, extremamente abalado", explica Jaime Olavo Marquez, da Sbed (Sociedade Brasileira para Estudos da Dor). A dor aguda, apesar da duração menos prolongada que a crônica, também exige tratamento adequado, sob o risco de comprometer a saúde. Ela "causa aumento na frequência cardíaca e na pressão arterial, alterações neuroendócrinas, contraturas musculares, deixa o aparelho digestivo mais lento e pode provocar problemas renais", explica o presidente da Sbed, José Luciano Braun. E mais: se uma dor aguda não for bem controlada, o tempo de recuperação do paciente poderá ser mais longo e sua imunidade abaixar", diz o neurocirurgião Manoel Jacobsen, chefe do Centro da Dor do Hospital das Clínicas (SP).

Dor que "vicia"
A dor aguda, quando não devidamente tratada, pode "viciar" o sistema nervoso e acabar ocupando o lugar da doença. "Se uma dor aguda persiste por muito tempo, pode gerar modificações na neuroelasticidade das células nervosas, fazendo com que elas continuem enviando sinais de dor sem receber estímulos para tal", explica a anestesista Rioko Kimiko Sakata, chefe do departamento da dor da Unifesp. Nesse caso, a dor permanece, apesar de a doença inicial ter sido curada. Segundo Jacobsen, "a maioria das pessoas que sofrem de cefaléia crônica tiveram dores de cabeça agudas mal tratadas".
O estado emocional do indivíduo também é fundamental na definição da sua dor. "Se a pessoa estiver triste ou desanimada a dor vai piorar", diz Jacobsen. Isso porque a pessoa deprimida libera menos noradrenalina e serotonina, substâncias que bloqueiam a passagem do estímulo doloroso. A forma como a pessoa enfrenta uma dor depende não apenas do seu estado emocional no momento, mas da sua biografia: "Como ela lidou com as dores na sua vida", diz Sakata.


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