São Paulo, quinta-feira, 15 de agosto de 2002
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outras idéias

fábio steinberg

Glamour SA, você conhece essa empresa?


As pessoas buscam continuamente o seu quinhão de felicidade, que é um artigo complicado -melhor ser falado do que vivido. Implica correr riscos. E essa é justamente a vantagem competitiva das empresas


Ser feliz no trabalho ou dentro de casa, eis a questão. As dúvidas existenciais já viveram melhores dias -e com temas bem mais sofisticados. Mas a realidade da maioria dos executivos de empresas, em tempos de globalização e "Big Brother", anda bem mais perto do chão que do céu. Sem chamar a atenção, as corporações se transformaram em encantadoras sereias capazes de fazer embevecidos seguidores desviarem-se de rotas e perigosamente seguirem em sua direção.
Para a maioria dos profissionais -quanto mais alta a posição ocupada, mais verdadeiro-, viver a vida empresarial tem mais glamour que a realidade doméstica. Como nas histórias em quadrinhos, personagens são imortais, à prova de problemas cotidianos, dinheiro não é problema, felicidade e bens materiais estão disponíveis. As corporações oferecem aos executivos um reino de fantasia que deslumbra qualquer mortal. Para resistir ao apelo, é preciso estar turbinado por altíssimas filosofias transcendentais.
As pessoas buscam continuamente o seu quinhão de felicidade, que é um artigo complicado -melhor ser falado do que vivido. Implica correr riscos. E essa é justamente a vantagem competitiva das empresas: oferecem modelos de atuação testados e aprovados, sem surpresas ou improvisações. Em troca, pessoas inteligentes concordam em passar as melhores horas de suas vidas entre quatro paredes. Existe uma fantástica sutileza nesse modelo. Nada é apresentado preto no branco, de forma nua e crua. Como presentes de aniversário, tudo vem embalado com charme. Aberto o pacote, em seu interior há, pelo menos, três fontes de sedução. A primeira é o pacote de atração de talentos. Nele são ofertados escritórios hi-tech confortáveis, serviços e "staff" primorosos, refeições exclusivas, carros, laptops e celulares de última geração, cartões de crédito sem limite de gastos, hotéis, aviões e diversões "premium", planos de saúde e aposentadoria alentadores e benefícios, como planos de ações, indenizações, fundações etc.
Mas isso não basta para garantir a fidelidade funcional. Para isso, as empresas criaram pacotes de retenção de talentos. Nesse grupo, estão os discursos corporativos motivacionais -dogmas, políticas, práticas, missões etc.-, que explicam como a organização se comporta e o que espera de seu pessoal. A meta é fazer que cada um abrace a causa e sinta que seu local de trabalho é o elo perdido com o paraíso. Finalmente, vem o terceiro pacote, o mais poderoso. É o do status, que inclui reconhecimento público. Como resistir ao tratamento vip recebido nos lugares da moda, onde o sobrenome corporativo se incorpora ao do nome de batismo, numa fusão capaz de levar ao nirvana instantâneo? E à sensação de rei do universo, repetida em cada porta de restaurante, em cada abraço afetuoso de amigo de ocasião ou em cada guichê da vida que se abre à frente do profissional iluminado? É claro que essa situação é irreal, e seu inevitável fim, implacável. Sabendo disso, como o executivo inteligente encontra o equilíbrio? Provavelmente essa seja a sua maior façanha: atravessar o mar do glamour sem se deixar seduzir pelo canto das sereias corporativas. Nesse labirinto, os valores não são aparentes, mas se escondem fora do palco das ilusões. Talvez o desafio seja não se deixar transformar em ícone de uma falsa realidade, mas explorar a oportunidade para fazer a diferença, melhorando o entorno de sua existência.


FÁBIO STEINBERG é consultor em comunicação empresarial; e-mail: fabionet@uol.com.br


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