São Paulo, quinta-feira, 16 de março de 2006
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S.O.S. família

Meninas transformadas em mulheres

Temos permitido que meninas de nove a 12 anos pensem que já são mulheres feitas. Aliás, temos muito mais que permitido: temos autorizado e até incentivado que elas se vistam, comportem-se e tenham anseios que dizem respeito ao mundo feminino adulto, que elas ainda não deveriam freqüentar.
Nos shoppings, nas escolas e nas festas, vemos meninas em idade infantil que usam roupas insinuantes, dançam de forma sensual e falam demais de suas formas físicas e de suas relações com os meninos. Elas querem beijar na boca e ser admiradas, e muitas não se constrangem quando são chamadas de "gostosas".
Mães de garotas nessa fase que gostariam de adiar esse estágio estão pulando miudinho porque o movimento social majoritário é oposto ao que elas querem para as filhas. As garotas insistem em usar top para ir à escola, em comprar sutiã para aumentar os seios, em usar roupas transparentes.
Elas acham tudo isso muito natural e ficam bravas quando as mães tentam vetar certas roupas ou comportamentos. Uma garota foi ao shopping com uma amiga e a mãe dela autorizada a comprar uma sandália, mas chegou em casa com um sutiã para aumentar o seio. Não entendeu a bronca da mãe, já que pagara pela peça um valor menor do que o que tinha sido autorizada a gastar com a sandália.
Somos nós que temos montado essa armadilha para as meninas, mesmo sem ter clareza disso. Em primeiro lugar, temos de considerar que elas estão submetidas a uma pressão social que as empurra para a erotização precoce.
Desde pequenas, elas estão expostas a outdoors de apelos sensuais, a letras de músicas e suas respectivas coreografias da mesma ordem, a programas que apontam para o erotismo. Enfim, nossa sociedade dá um valor enorme ao erotismo feminino, e as meninas percebem essa promoção sexual que a sociedade faz, mesmo que isso se situe na contramão dos valores de suas famílias.


Nossa sociedade dá valor ao erotismo feminino, e as meninas percebem essa promoção sexual, mesmo que isso se situe na contramão de suas famílias

Um segundo ponto é que as crianças têm sido hiperestimuladas a crescer com muita rapidez. São os pais que, devidamente conectados com o novo mundo, anseiam que seus filhos adquiram a maior quantidade possível de conhecimento -notadamente o acadêmico- para que estejam preparados para o que há de vir: a dura vida competitiva. Além disso, os pais têm confundido o que significa estabelecer um diálogo aberto sobre qualquer assunto com falar tudo de tudo aos filhos. Sim, eles não têm poupado os filhos de nenhum detalhe de temas que não habitam ainda o mundo infantil. E o mais interessante é que esses mesmos pais ocultam dos filhos questões que não deveriam porque fazem parte da vida. O problema é que os pais, em consonância com a sociedade, tratam seus filhos como se fossem pequenos adultos.
Quem é empurrado a crescer tenta fazê-lo, ou pelo menos parecer que o faz, com velocidade dobrada. Por isso, não é de estranhar essa tendência de as meninas quererem se tornar mulheres muito mais cedo. Mas há um problema: elas podem ter corpo quase adulto, podem adquirir uma expressão corporal que mimetiza o erotismo feminino adulto, podem ter vocabulário e usar a linguagem adulta, mas, emocional e psicologicamente, são meninas. Crianças que têm sido roubadas de seu tempo de ser criança.
Os pais que não aderem a esse movimento social podem fazer pouco, mas podem interferir, mesmo que não apareçam resultados de imediato. Podem, por exemplo, deixar claro que não pactuam com essa tendência e que, por isso, não aceitam determinadas vestimentas, não permitem que elas façam determinados programas nem que adotem certos estilos de vida. Mesmo que isso torne a filha diferente da maioria das colegas e amigas.
Transmitir os valores familiares é a tarefa mais importante dos pais. Além disso, ensinar a ser diferente é ensinar o convívio respeitoso com as diferenças, e isso é algo que está em falta em nosso tempo.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br


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