São Paulo, quinta-feira, 16 de maio de 2002
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S.O.S. família

rosely sayão

Pais negociam com filhos, não fazem negociata

Uma leitora, que declara ser uma mãe muito empenhada em dar uma educação democrática aos filhos, conta que acompanha com muito interesse as colunas em que abordo o tema. Ela encantou-se com a idéia de poder negociar com os filhos e, para esclarecer uma dúvida, enviou um bilhetinho curto e objetivo, que reproduzo: "Entendi que negociar é dar algo em troca ao filho quando ele precisa realizar uma tarefa. Então, estou certa quando digo a meu filho que, se ele estudar e fizer uma boa prova, eu dou o presente que ele quer há tanto tempo?".
Não, não. Não podemos confundir negociar com negociata. Vamos com calma, porque palavras que têm origem na atividade econômica acabam tão escravas desse contexto que, quando usadas fora dele, perdem boa parte de seu sentido. Negociar, quando falamos de educação, é, basicamente, fazer acordos, estabelecer combinados. Mas esses acordos educativos não devem ser vistos pela ótica do "é dando que se recebe" ou do "toma lá, dá cá". Esses acordos devem supor uma troca similar. Por exemplo: um comportamento deve ser negociado tendo como referência um outro comportamento. Mais exatamente: não se troca comportamento, atitude ou empenho por um bem material. O risco que esse tipo de negociata supõe é grande: o filho, em vez de ter a chance de fixar interesse pelo estudo, pela escola, pelo conhecimento -o objetivo central da proposta de nossa leitora-, ganha condições facilitadoras para se tornar um interesseiro. São coisas bem diferentes, quase opostas.
Bem, mas, na prática, como negociar com os filhos quando o assunto é estudo, escola, aprendizagem, notas, aprovação, enfim? Vale lembrar que os pais jamais pensam em negociar com os filhos a ida deles para a escola. Qual criança escolheria a responsabilidade e o compromisso de frequentar a escola se pudesse escolher ficar em casa para não fazer nada, para brincar, para ver o tempo passar? Por mais difícil que seja separar-se do filho, deixá-lo na escola chorando, entregá-lo à vida, os pais resistem e por um bom motivo: querem que o filho aprenda a ler, a escrever, a lidar com os números, a conhecer melhor o mundo para se preparar e ter a chance de um futuro melhor. Por conta desse objetivo, os pais fazem o que é preciso fazer, mesmo com a discordância expressa do filho. "É pelo bem dele", pensam -e com razão.
Pois é esse mesmo o caminho. Quando os pais decidem que o filho vai para a escola, expressam uma parte do que almejam para a vida dele. Claro que os pais têm expectativas, e isso não se pode negar. Faz parte dessas expectativas querer que o filho seja um excelente -bom, pelo menos- aluno, que aproveite bem a escola, que se esforce nos estudos e tire boas notas. O que os pais não devem é enxergar apenas suas próprias expectativas e, assim, perder de vista o filho como ele é. Isso significa aceitar o modo e o ritmo de o filho caminhar nos estudos, mas sem deixar de encorajá-lo e cobrá-lo. Isso significa ajudar o filho a dar conta de sua responsabilidade, mas sem fazer por ele as suas tarefas.
Pouco a pouco, o filho percebe que estudar é um valor importante para sua família. E é assim que, pelo menos inicialmente, ele encontra força para abrir mão de outras coisas que lhe parecem mais interessantes para se dedicar -o quanto pode e consegue- aos estudos. Essa é uma maneira importante de o filho sentir que pertence àquele grupo chamado família. Claro que trilhar esse caminho não é simples, e isso todos os pais sabem. É que, no meio de qualquer caminho, sempre há uma pedra. Mas o princípio é esse.
Negociar, na educação dos filhos, não é promover uma transação comercial. É, principalmente, estabelecer combinados, tratos, pactos de confiança. De pais para filhos. Isso exige autoridade moral. Como bem lembrou o professor Julio Aquino em recente artigo sobre os contratos em sala de aula entre professor e alunos, "O combinado não sai caro". Para ninguém.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


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