São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 2000
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s.o.s. família
Diferença entre regras e leis familiares

rosely sayão

Se tem uma coisa que atrapalha a vida de filhos e alunos são as proibições e as obrigações que vão surgindo, pouco a pouco, na vida deles. Em casa o filho não pode mexer lá, não pode subir ali, precisa comer tal hora, em determinado lugar, tem que ir pra escola...
E na escola? Tem que entrar na hora do sinal, só pode sair depois que a aula termina e toca a campainha, só pode tomar o lanche na hora do recreio... leis e regras por todo lado! Mas se tem coisa que complica a vida dos filhos e alunos é o fato de eles não conseguirem entender por que é que algumas vezes não há outro jeito a não ser aceitar a proibição ou cumprir a obrigação, sem dó nem perdão, e outras vezes dá pra escapar, sair pela tangente, argumentar e ganhar. Por que isso acontece? Em parte porque os adultos vivem tentando contornar ou transgredir a lei. Qualquer pessoa pode atestar: em muitos postes da cidade há um cartaz com os dizeres: "Foi multado? Ligue para...". Outro anúncio é sobre um artifício que, colocado na placa do carro, impede que seu número seja fotografado pelo radar eletrônico. Isso sem falar no mecanismo que avisa o motorista que ele entrará em área coberta por radar de controle de velocidade. Por causa disso os adultos se embaraçam quando precisam garantir que o filho ou aluno respeite uma lei ou cumpra uma regra. Mas há também a confusão que os adultos fazem entre regra e lei. São coisas diferentes! E, se estamos interessados em educar democraticamente, é importante conseguir distinguir lei de regra, pois essa diferenciação é que vai permitir a negociação entre pais e filhos, entre professores e alunos. Uma família pode dar importância ao fato de o filho ter que voltar para casa no horário combinado anteriormente, por exemplo. Se para os pais isso não tem discussão, pelo menos enquanto o filho estiver sob a responsabilidade deles, isso ganha o valor de lei. Significa, portanto, que voltar para casa no horário combinado não muda com a situação, não varia conforme o contexto. O filho até pode ter boas explicações para um atraso, mas nada o livra da responsabilidade de arcar com uma pena por transgredir a lei familiar. A lei não permite negociação. Não é assim quando se estaciona o carro em local proibido? Não há argumento para livrar o adulto dessa multa. Ou melhor, não deveria haver. Já o horário do retorno pode ser combinado a cada programa que o filho vai fazer. O horário de retorno é, portanto, uma regra, pois é passível de mudanças, varia conforme o contexto. Se o filho não concorda com o horário estabelecido pelos pais para retornar de um passeio, ele pode, ele tem o direito, sim, de tentar argumentar para conseguir adaptar melhor o horário às suas vontades ou necessidades. Ele tem espaço para fazer isso porque o horário determinado é regra, não uma lei. Mas, claro, ele só terá êxito nessa empreitada se usar os argumentos adequados e se for ouvido e considerado pelos pais ou professores. Entretanto ele só vai aprender a saber quando negociar, a respeitar a lei e arcar com a pena da transgressão, quando for o caso, se os pais e a escola assumirem seu lugar de autoridade nesse processo educativo e dialogarem -quando possível- e aplicarem a penalidade -quando necessário. O fato de os filhos e alunos, principalmente adolescentes, constatarem que os adultos que os educam muitas vezes transgridem as leis não deve ser desculpa para que façam o mesmo ou para que não sejam penalizados quando transgredirem alguma lei familiar ou escolar. Afinal, está nas mãos deles a possibilidade de tornar este mundo um pouco melhor para todos. E, sem respeito às leis, isso é impossível.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br



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