São Paulo, quinta-feira, 17 de maio de 2001
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s.o.s. família

ROSELY SAYÃO

Caso de amor que só dá certo se há separação

Toda separação de pessoas que se gostam, que se amam ou que se amaram um dia é muito difícil. São amigos separados pela vida e por caminhos tomados muito diferentes, são parentes que se mudam para longe, são colegas de trabalho que ficam, são casais que deixam de compartilhar os mesmos projetos na vida. Em qualquer uma dessas situações, a separação nunca é esperada e, por isso, quando acontece, provoca tristeza e dor, quando não mágoa. Mas existe um tipo de amor que só dá certo quando a separação é esperada e até facilitada, quando não instigada: a separação entre pais e filhos.
O nascimento de um bebê muda a vida dos pais: eles passam a viver -com maior ou menor empenho e consciência- em torno da nova configuração familiar, pois a criança demanda cuidados, carinhos, dedicação e, principalmente, esforço por parte dos pais para que ela seja educada, para que possa crescer de acordo com o potencial que tem.
Os anos passam, e a criança dá trabalho: que pais não se lembram das noites sem dormir, das preocupações com a saúde, das tarefas braçais, como a de levar e buscar na escola, nas festas, na casa dos amiguinhos, das birras e brigas, das dúvidas na hora de tomar certas decisões? Ninguém escapa dessas situações difíceis, mas, assim que elas passam, são esquecidas. Afinal, ter os filhos por perto, acompanhar suas aventuras e desventuras, seu crescimento e suas descobertas é, quase sempre, uma emoção para os pais que compensa os momentos de conflito.
Depois, a criança se torna adolescente, e aí começa uma nova fase. Os pais se inquietam e não sem motivos: é chegada a hora de começar a separação. Sim, criamos os filhos com data marcada para perdê-los. É por isso que é bom ressaltar que ser adolescente não é fácil, mas ser pai ou mãe de adolescente é menos fácil ainda.
Se o filho luta para se encontrar consigo mesmo, para dar conta de entender o que quer da vida, para buscar seus caminhos, para experimentar a independência que começa a adquirir e tem, para isso, todo o vigor da juventude e toda uma vida pela frente, os pais lutam com o sentimento de perda daquilo que, até então, era o centro de atenção de suas vidas -a responsabilidade pelo filho-, mas têm boa parte da vida já vivida e uma juventude que já passou.
Separar-se do filho não significa deixar de compartilhar a presença dele e muito menos perder seu afeto. Separar-se do filho significa, basicamente, deixar de ter total controle e responsabilidade por toda a sua vida, que é o que acontece quando o filho é criança.
E isso deve começar já no início da adolescência, para que o filho comece a ganhar a autonomia de que precisa para viver a vida adulta que já o espreita.
Mandar o filho para a escola por conta própria já é uma perda para os pais. Se antes os pais levavam e buscavam ou delegavam essa tarefa a outro, tinham a confiança e o controle da hora e do trajeto que seria percorrido. Mas ensinar o filho a ir de ônibus ou de metrô, por exemplo, significa dar o passe para que ele ganhe autonomia e, por outro lado, perder a segurança de saber com quem, por onde e a que horas ele fará o trajeto; isso sem falar dos riscos que ele pode correr...
Esse é apenas um começo. Depois vêm as mudanças no modo de pensar e de encarar a vida, no jeito de querer ser um adulto diferente dos pais ou do que eles ansiavam para o filho, nas buscas de ser reconhecido como ser independente.
Ver o filho crescer é saber perder esse filho para ele mesmo e para a vida, e isso é um sofrimento para os pais; mas é a condição necessária para que a tarefa de ser pai e mãe tenha sido bem cumprida.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


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