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s.o.s. família
ROSELY SAYÃO
Caso de amor que só dá certo se há separação
Toda separação de pessoas que se gostam,
que se amam ou que se amaram um dia é
muito difícil. São amigos separados pela vida e
por caminhos tomados muito diferentes, são
parentes que se mudam para longe, são colegas de trabalho que ficam, são casais que deixam de compartilhar os mesmos projetos na
vida. Em qualquer uma dessas situações, a separação nunca é esperada e, por isso, quando
acontece, provoca tristeza e dor, quando não
mágoa. Mas existe um tipo de amor que só dá
certo quando a separação é esperada e até facilitada, quando não instigada: a separação entre pais e filhos.
O nascimento de um bebê muda a vida dos
pais: eles passam a viver -com maior ou menor empenho e consciência- em torno da
nova configuração familiar, pois a criança demanda cuidados, carinhos, dedicação e, principalmente, esforço por parte dos pais para
que ela seja educada, para que possa crescer de
acordo com o potencial que tem.
Os anos passam, e a criança dá trabalho: que
pais não se lembram das noites sem dormir,
das preocupações com a saúde, das tarefas
braçais, como a de levar e buscar na escola, nas
festas, na casa dos amiguinhos, das birras e
brigas, das dúvidas na hora de tomar certas
decisões? Ninguém escapa dessas situações difíceis, mas, assim que elas passam, são esquecidas. Afinal, ter os filhos por perto, acompanhar suas aventuras e desventuras, seu crescimento e suas descobertas é, quase sempre,
uma emoção para os pais que compensa os
momentos de conflito.
Depois, a criança se torna adolescente, e aí
começa uma nova fase. Os pais se inquietam e
não sem motivos: é chegada a hora de começar a separação. Sim, criamos os filhos com
data marcada para perdê-los. É por isso que é
bom ressaltar que ser adolescente não é fácil,
mas ser pai ou mãe de adolescente é menos fácil ainda.
Se o filho luta para se encontrar consigo
mesmo, para dar conta de entender o que quer
da vida, para buscar seus caminhos, para experimentar a independência que começa a adquirir e tem, para isso, todo o vigor da juventude e toda uma vida pela frente, os pais lutam
com o sentimento de perda daquilo que, até
então, era o centro de atenção de suas vidas
-a responsabilidade pelo filho-, mas têm
boa parte da vida já vivida e uma juventude
que já passou.
Separar-se do filho não significa deixar de
compartilhar a presença dele e muito menos
perder seu afeto. Separar-se do filho significa,
basicamente, deixar de ter total controle e responsabilidade por toda a sua vida, que é o que
acontece quando o filho é criança.
E isso deve começar já no início da adolescência, para que o filho comece a ganhar a autonomia de que precisa para viver a vida adulta que já o espreita.
Mandar o filho para a escola por conta própria já é uma perda para os pais. Se antes os
pais levavam e buscavam ou delegavam essa
tarefa a outro, tinham a confiança e o controle
da hora e do trajeto que seria percorrido. Mas
ensinar o filho a ir de ônibus ou de metrô, por
exemplo, significa dar o passe para que ele ganhe autonomia e, por outro lado, perder a segurança de saber com quem, por onde e a que
horas ele fará o trajeto; isso sem falar dos riscos que ele pode correr...
Esse é apenas um começo. Depois vêm as
mudanças no modo de pensar e de encarar a
vida, no jeito de querer ser um adulto diferente dos pais ou do que eles ansiavam para o filho, nas buscas de ser reconhecido como ser
independente.
Ver o filho crescer é saber perder esse filho
para ele mesmo e para a vida, e isso é um sofrimento para os pais; mas é a condição necessária para que a tarefa de ser pai e mãe tenha sido
bem cumprida.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras);
e-mail: roselys@uol.com.br
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