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FOCO NELE
'Tratamos as crianças com muita truculência'
Nome: Julio Groppa Aquino
Idade: 36 anos
Profissão: psicólogo e professor da
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo
Tese: com a democratização do
país, toda a estrutura de organização do espaço social mudou, e a
sociedade perdeu os referenciais
de funcionamento das instituições
sociais; suas reflexões hoje são sobre a ética na educação, propõe
um amplo debate sobre o assunto
"Todas as questões que as crianças trazem para a escola
são tomadas como desvio, como anomalia, como disfunção.
No nosso tempo, quem não fazia as coisas era vagabundo.
Agora, é um aluno problema"
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BELL KRANZ - EDITORA DO EQUILÍBRIO
Psicólogo e professor da Faculdade de
Educação da USP, Julio Groppa Aquino
chuta o pau da barraca ao avaliar o desempenho do professor hoje. De cara, sugere que professores sejam professores,
nada de atuar no campo da moral, que isso é assunto de pai. Para os pais, sobra
um solene "chega-pra-lá": "Que fiquem
fora da sala de aula". Aquino propõe uma
séria e profunda discussão sobre ética na
educação. Leia a entrevista abaixo.
Folha - Por que discutir ética na educação?
Julio Aquino - É uma discussão rara de
ser levada a cabo porque se parte sempre
do princípio de que todos os profissionais da educação são éticos. E isso não é
verdade. O que acontece é que, com a democratização do país, toda a estrutura de
organização do espaço social mudou
bravamente. Vamos pegar, por exemplo,
as instituições sociais que dão conta da
nossa vida cotidiana: a família, a escola, o
trabalho, o estádio, as emoções de consumo, as emoções de sexualidade... A gente
perdeu os referenciais de funcionamento
dessas instituições. O pai, por exemplo,
não consegue mais ser o que o pai dele
foi, não é? Então, sempre pergunto para
as pessoas, para uma mãe, por exemplo:
"Você se considera uma boa mãe?" Ela
fala assim: "É, eu tento ser". O que seria
uma resposta impensável para a mãe dela, que tinha certeza de que era uma boa
mãe. Porque ser uma boa mãe era repetir
o que a mãe dela foi. Havia aquela coisa
do modelo muito forte. Nós jogamos fora
os modelos. Colocamos outros? Estamos
batendo a cabeça para encontrar esse
modelo. E isso é discutir ética.
Folha - O que você acha da queixa constante de educadores sobre a falta de limite
das crianças e de respeito à autoridade?
Aquino - Discordo profundamente disso. As crianças de hoje são muito mais limitadas do que a gente porque elas estão
circunscritas num mundo muito mais
cheio de apelos, muito mais complexo do
que foi o nosso. Sobre respeito à autoridade, a criança tem plena consciência
quando o outro pode ocupar o seu lugar
de uma maneira ética, correta, justa. Um
exemplo: as crianças ficam loucas quando o professor abandona o posto dele.
Folha - Para virar o quê?
Aquino - No ensino médio, tem a história de virar amigo. No ensino fundamental, tem a história do pai e da mãe. Em vez
de apenas cumprir a sua função, que é
trabalhar em torno do conhecimento,
trabalha em torno do campo da moralização. E esse é o campo dos pais. Os alunos não querem que aquela pessoa seja
pai. Isso é uma grande confusão de papéis. Como a gente perdeu o modelo do
que é ser professor, vale qualquer coisa!
Sou um ferrenho lutador contra a idéia
do professor ser de tudo um pouco. O fato de eu perder um modelo fixo, estereotipado, que é aquele que a gente tem dos
nossos pais, que a gente negou, não significa que eu tenho que multiplicar os meus
papéis a tal ponto de precisar ser um superpai. Ou então, um superprofessor. Os
professores padecem de impotência por
causa da inoperância deles.
Folha - A escola hoje parece estar sempre
buscando na educação dada pela família
resposta a questões que aparecem na escola. Você concorda com essa orientação?
Aquino - Os educadores padecem de
um equívoco complicadíssimo, que é
atribuir às duas instituições que competem com a escola na questão da educação, a mídia e a família, todos os males de
que a escola padece. Então é assim: as
crianças não se interessam porque a mídia as endureceu. Ou as crianças são indisciplinadas porque os pais não têm
pulso firme. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Do contrário, a gente teria que inverter a lógica também. Que
aluno indisciplinado na escola vira filho
malcriado em casa. E não faz sentido.
Não consigo imaginar que um aluno que
esteja apresentando um problema na escola tenha, necessariamente, problema
em casa. E essa é a tese de sempre. Os melhores alunos também têm problemas
em casa.
Folha - Qual deve ser a postura dos pais?
Os pais devem ficar fora da sala de aula.
Eles têm que delegar. Principalmente em
escolas privadas, você vê uma intromissão absurda dos pais no trabalho dos
professores. O trabalho fundamental dos
pais com relação à escola é o de encorajar
as crianças. É preciso separar papéis. A
pergunta é fundamentalmente ética: o
que é que eu estou fazendo aqui, como
pai ou como professor?
Folha - E o que os alunos querem?
Aquino - Numa palavra só? Professores.
Professores que saibam, que tenham o
domínio no seu campo de conhecimento, que tenham o domínio metodológico.
Mas, fundamentalmente, que tenham
generosidade nos seus atos. A gente trata
as crianças com muita truculência. Não
somos generosos com elas no sentido de
acolhê-las. Todas as questões que as
crianças trazem para a escola são tomadas como desvio, como anomalia, como
disfunção. No nosso tempo, quem não
fazia as coisas era vagabundo. Agora, é
um aluno problema.
O que é, em geral, o aluno problema?
Aquino - É o indisciplinado e o que padece de distúrbios. Olha a nomenclatura
que nós, profissionais da educação, usamos. Anomalia, disfunção... Nomenclatura médica para descrever essas crianças. Então, há uma guerra com essa molecada, com o que eles estão trazendo,
que é muito triste. O meu grande trabalho é desfazer o conceito de aluno problema e trabalhar com a diferença.
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