São Paulo, quinta-feira, 18 de janeiro de 2001
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Reconhecida há apenas 10 anos, doença atinge mais mulheres acima dos 40 e ainda não tem cura, mas já pode ser tratada
Fibromialgia "tortura" com dores pelo corpo

Ed Viggiani/Folha Imagem
Parte dos 25 portadores de fibromialgia e LER de Tatuí, que se encontram a cada 15 dias para trocar experiências; à frente, a equipe médica que acompanha o grupo


DANIELA FALCÃO - EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO

KARINA KLINGER - DA REPORTAGEM LOCAL

A dona-de-casa Marina Bianconi, 55, e a faxineira aposentada Dalira dos Santos, 51, passaram dez anos sentindo dores pelo corpo todo, sofrendo de cansaço crônico e sem conseguir dormir direito. A dor lancinante, que raramente dava trégua, impedia que realizassem tarefas cotidianas banais como lavar pratos ou dirigir.
Embora vivam em mundos completamente distintos -Marina sempre consulta médicos particulares, enquanto Dalira recorre ao sistema público de saúde-, as duas passaram por vários especialistas e tomaram doses cavalares de analgésicos até descobrirem que eram portadoras de fibromialgia, síndrome que atinge 5% da população mundial, mas que ainda é pouco familiar até mesmo para os médicos.
Reconhecida como doença apenas em 1990, a fibromialgia ataca principalmente sedentários e mulheres acima de 40 anos (há apenas 1 homem para cada 9 portadoras da síndrome nessa faixa etária). Os principais sintomas são dores generalizadas pelo corpo, fadiga crônica, sono não-restaurador, formigamento nas mãos e nos pés, enxaqueca e problemas intestinais (leia mais na pág 11.)
Uma vez que ainda não existe exame laboratorial que comprove a doença, o diagnóstico tem de ser feito a partir dos sintomas relatados pelo paciente e de um exame clínico que mede a sensibilidade à dor em 18 pontos espalhados pelo corpo (veja quadro na pág. 12). "Para um paciente ser diagnosticado como fibromiálgico, ele precisa se queixar de dor difusa há mais de três meses, ter distúrbio na qualidade do sono e apresentar sensibilidade à dor em pelo menos 11 dos 18 pontos do exame clínico", explica Jamil Natur, reumatologista da Unifesp.
Como os sintomas da fibromialgia são parecidos com os de outras patologias (de tendinite e gota a lúpus, hipotireoidismo e até esclerose múltipla) e como nem todos os médicos conhecem a síndrome, os pacientes podem sofrer anos até obter o diagnóstico correto, como aconteceu com Marina e Dalira. "Passei dez anos achando que sofria da coluna. Foi um alívio ouvir do médico que meu problema era a fibromialgia", diz a segunda.
Os pacientes também são vítimas de preconceito, já que a inexistência de exame físico que comprove a doença faz com que muita gente desconfie da veracidade das queixas. "Uma amiga chegou a me dizer que tanto tempo de cama era coisa de artista", reclama Marina. Em alguns casos, até mesmo os médicos suspeitam das queixas e classificam os fibromiálgicos como portadores de distúrbios psiquiátricos, aumentando o estigma e o sofrimento. Foi o que aconteceu com o historiador Eglon Azevedo, 53, de Tatuí (135 km de SP). "Disseram que eu tinha problemas mentais. Tive de fazer anos de análise para superar isso", conta.

A psicóloga Andrea Goldfarb acompanhou durante cinco anos um grupo de 12 mulheres portadoras de fibromialgia para fazer sua tese de doutorado e testemunhou a discriminação. "Uma das minhas pacientes chegou a contar que um médico disse que ela precisava era arranjar um marido. Como colegas e familiares olham e não vêem nada de errado, o paciente fica desacreditado." Para vencer o preconceito e a falta de informação, os 20 portadores de fibromialgia de Tatuí encontram-se a cada 15 dias para trocar experiências sobre tratamentos que dão certo. "No começo, isso aqui parecia um concurso de dor. Hoje, nossa associação é como um clube. Sempre tem um bolinho quando é aniversário de alguém", brinca a bancária aposentada Eloisa Pedroso, integrante do grupo desde que foi formado, há seis meses. Sem cura Embora ainda não tenha sido descoberta cura para a fibromialgia, há casos em que os sintomas retrocedem quase totalmente. A prática de alongamento e de exercícios físicos de baixa intensidade, aliada ao uso de analgésicos e de antidepressivos tricíclicos, tem sido a forma de tratamento mais bem-sucedida. Acupuntura, hidroterapia e outras técnicas que combatem ansiedade e depressão também são usadas, sobretudo em pacientes que não respondem bem ao tratamento convencional.
O motorista Elias Pompeu, 35, tomava antidepressivos e fazia exercícios. Na semana passada, começou a fazer hidroterapia e vai ser submetido a sessões de acupuntura. "Quando tinha crises não conseguia nem segurar um copo", conta.
"Como ainda não sabemos com precisão o que causa a fibromialgia, fica difícil pesquisar como curá-la", explica Natur. O que os cientistas sabem de concreto é que os fibromiálgicos têm menos serotonina (neurotransmissor que regula a sensação de dor) do que as pessoas normais e que apresentam um distúrbio que encurta a fase de sono profundo e impede que o corpo descanse, provocando fadiga e hipersensibilidade. "Falta descobrir por que isso ocorre", diz o acupunturista Hong Jin Pai, do Centro da Dor do Hospital das Clínicas.
Pesquisadores da Universidade do Texas (EUA) descobriram no ano passado que os portadores de fibromialgia tem duas a três vezes menos substância P (também envolvida no controle da dor) do que o normal. A descoberta vai ajudar a diagnosticar com mais precisão a doença. "Eles desenvolveram um kit que permite testar o nível de substância P para saber se a pessoa tem fibromialgia. Mas o exame ainda não chegou ao Brasil", diz a fisiatra Helena Kaziyama, do HC.
Já foi comprovado que mulheres na fase da menopausa, pessoas submetidas à estresse físico ou emocional e sedentários estão mais sujeitos a desenvolver a doença. Vícios de postura e até acidentes de carro também foram relacionados à doença. O historiador Eglon Azevedo acredita que o trabalho como bibliotecário por vários anos é um dos culpados por sua situação. "Ficava encurvado em uma cadeira durante horas", lembra Azevedo que, como boa parte dos fibromiálgicos, virou um expert na doença para compensar a falta de informação que ainda atinge até os médicos.



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