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Reconhecida há apenas 10 anos, doença atinge mais mulheres
acima dos 40 e ainda não tem cura, mas já pode ser tratada
Fibromialgia "tortura" com dores pelo corpo
Ed Viggiani/Folha Imagem
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Parte dos 25 portadores de fibromialgia e LER de Tatuí, que se encontram a cada 15 dias para trocar experiências; à frente, a equipe médica que acompanha o grupo
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DANIELA FALCÃO - EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO
KARINA KLINGER - DA REPORTAGEM LOCAL
A dona-de-casa Marina Bianconi, 55, e a faxineira aposentada Dalira dos Santos, 51, passaram dez anos sentindo dores pelo corpo
todo, sofrendo de cansaço crônico e sem conseguir dormir direito. A
dor lancinante, que raramente dava trégua, impedia que realizassem
tarefas cotidianas banais como lavar pratos ou dirigir.
Embora vivam em mundos completamente distintos -Marina sempre consulta médicos particulares,
enquanto Dalira recorre ao sistema
público de saúde-, as duas passaram por vários especialistas e tomaram doses cavalares de analgésicos
até descobrirem que eram portadoras de fibromialgia, síndrome que
atinge 5% da população mundial,
mas que ainda é pouco familiar até
mesmo para os médicos.
Reconhecida como doença apenas
em 1990, a fibromialgia ataca principalmente sedentários e mulheres acima de 40 anos (há apenas 1 homem
para cada 9 portadoras da síndrome
nessa faixa etária). Os principais sintomas são dores generalizadas pelo
corpo, fadiga crônica, sono não-restaurador, formigamento nas mãos e
nos pés, enxaqueca e problemas intestinais (leia mais na pág 11.)
Uma vez que ainda não existe exame laboratorial que comprove a
doença, o diagnóstico tem de ser feito
a partir dos sintomas relatados pelo
paciente e de um exame clínico que
mede a sensibilidade à dor em 18
pontos espalhados pelo corpo (veja
quadro na pág. 12). "Para um paciente ser diagnosticado como fibromiálgico, ele precisa se queixar de dor difusa há mais de três meses, ter distúrbio na qualidade do sono e apresentar sensibilidade à dor em pelo menos
11 dos 18 pontos do exame clínico",
explica Jamil Natur, reumatologista
da Unifesp.
Como os sintomas da fibromialgia
são parecidos com os de outras patologias (de tendinite e gota a lúpus, hipotireoidismo e até esclerose múltipla) e como nem todos os médicos
conhecem a síndrome, os pacientes
podem sofrer anos até obter o diagnóstico correto, como aconteceu com
Marina e Dalira. "Passei dez anos
achando que sofria da coluna. Foi um
alívio ouvir do médico que meu problema era a fibromialgia", diz a segunda.
Os pacientes também são vítimas de
preconceito, já que a inexistência de
exame físico que comprove a doença
faz com que muita gente desconfie da
veracidade das queixas. "Uma amiga
chegou a me dizer que tanto tempo de
cama era coisa de artista", reclama Marina. Em alguns casos, até mesmo os
médicos suspeitam das queixas e classificam os fibromiálgicos como portadores de distúrbios psiquiátricos, aumentando o estigma e o sofrimento. Foi o
que aconteceu com o historiador Eglon
Azevedo, 53, de Tatuí (135 km de SP).
"Disseram que eu tinha problemas
mentais. Tive de fazer anos de análise
para superar isso", conta.
A psicóloga Andrea Goldfarb
acompanhou durante cinco anos um
grupo de 12 mulheres portadoras de
fibromialgia para fazer sua tese de
doutorado e testemunhou a discriminação. "Uma das minhas pacientes
chegou a contar que um médico disse
que ela precisava era arranjar um marido. Como colegas e familiares
olham e não vêem nada de errado, o
paciente fica desacreditado."
Para vencer o preconceito e a falta
de informação, os 20 portadores de fibromialgia de Tatuí encontram-se a
cada 15 dias para trocar experiências
sobre tratamentos que dão certo. "No
começo, isso aqui parecia um concurso de dor. Hoje, nossa associação é
como um clube. Sempre tem um bolinho quando é aniversário de alguém", brinca a bancária aposentada
Eloisa Pedroso, integrante do grupo
desde que foi formado, há seis meses.
Sem cura
Embora ainda não tenha sido descoberta cura para a fibromialgia, há casos em que os sintomas
retrocedem quase totalmente. A prática de alongamento e de exercícios
físicos de baixa intensidade, aliada ao
uso de analgésicos e de antidepressivos tricíclicos, tem sido a forma de
tratamento mais bem-sucedida. Acupuntura, hidroterapia e outras técnicas que combatem ansiedade e depressão também são usadas, sobretudo em pacientes que não respondem
bem ao tratamento convencional.
O motorista Elias Pompeu, 35, tomava antidepressivos e fazia exercícios. Na semana passada, começou a
fazer hidroterapia e vai ser submetido
a sessões de acupuntura. "Quando tinha crises não conseguia nem segurar um copo", conta.
"Como ainda não sabemos com
precisão o que causa a fibromialgia,
fica difícil pesquisar como curá-la",
explica Natur. O que os cientistas sabem de concreto é que os fibromiálgicos têm menos serotonina (neurotransmissor que regula a sensação de
dor) do que as pessoas normais e que
apresentam um distúrbio que encurta a fase de sono profundo e impede
que o corpo descanse, provocando
fadiga e hipersensibilidade. "Falta
descobrir por que isso ocorre", diz o
acupunturista Hong Jin Pai, do Centro da Dor do Hospital das Clínicas.
Pesquisadores da Universidade do
Texas (EUA) descobriram no ano
passado que os portadores de fibromialgia tem duas a três vezes menos
substância P (também envolvida no
controle da dor) do que o normal. A
descoberta vai ajudar a diagnosticar
com mais precisão a doença. "Eles
desenvolveram um kit que permite
testar o nível de substância P para saber se a pessoa tem fibromialgia. Mas
o exame ainda não chegou ao Brasil",
diz a fisiatra Helena Kaziyama, do
HC.
Já foi comprovado que mulheres na
fase da menopausa, pessoas submetidas à estresse físico ou emocional e
sedentários estão mais sujeitos a desenvolver a doença. Vícios de postura
e até acidentes de carro também foram relacionados à doença. O historiador Eglon Azevedo acredita que o
trabalho como bibliotecário por vários anos é um dos culpados por sua
situação. "Ficava encurvado em uma
cadeira durante horas", lembra Azevedo que, como boa parte dos fibromiálgicos, virou um expert na doença
para compensar a falta de informação que ainda atinge até os médicos.
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