São Paulo, quinta-feira, 18 de julho de 2002
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S.O.S. família

rosely sayão

"Para viver estressado como vocês? Não, obrigado

' Fico impressionada com a quantidade de correspondência que recebo de pais de adolescentes. Cada um tem uma questão diferente a discutir, uma dúvida específica sobre como agir em determinada situação, uma idéia diversa a respeito da educação que deve praticar com os filhos. Mas todos têm, em comum, uma idéia muito interessante: a de que ter filhos adolescentes é um grande problema. Será que é mesmo?
E, se for, será que não dá para tratar de modo diferente? Dá para entender por que é que tantos educadores -pais e/ou professores- já partem do princípio que os adolescentes são problemáticos: porque eles, diferentemente das crianças, têm mais autonomia de pensamento e de comportamento, são mais incisivos em suas contestações, têm argumentos muito mais criativos e complexos para não responder como os adultos querem às exigências da vida, têm mais independência nas escolhas e são muito menos cordatos e passivos em relação às expectativas que pais e professores colocam sobre eles. E mais: diferentemente dos adultos, eles não temem conflitos, não fogem deles e sabem, como ninguém, dar respostas inusitadas a situações rotineiras.
Se tentarmos olhar tudo isso de um modo diferente do habitual, teremos a chance de perceber que o que eles pensam, são e expressam pode ser uma solução, e não um problema. Aliás, acabei de me lembrar de um adolescente que, em uma conversa comigo em que criticava algumas atitudes dos pais, disse que eles sempre vinham com uma situação problemática para discutir, mas que ele sempre tinha uma "solucionática" para apresentar.
Como os adultos que convivem com os adolescentes e têm com eles uma responsabilidade educativa podem mudar seu olhar para, assim, mudar o modo de tratar as situações que eles trazem? Primeiro, é preciso reconhecer que eles são a esperança de mudanças que nós não conseguimos -nem vamos mais conseguir- realizar por um motivo ou por outro.
Se os adultos conseguirem se desvencilhar de boa parte de seus conceitos e preconceitos sobre a vida, vão notar que a crítica aguda que os adolescentes fazem ao seu estilo de viver no mundo atual tem muito fundamento. Muitos até rejeitam nossas orientações justamente porque não querem viver do modo que vivemos, mesmo que não tenham clareza sobre isso. É o caso do jovem de 17 anos que conheci, filho de um casal que sempre se dedicou a atividades intelectuais e que quer deixar de estudar assim que terminar o ensino médio para tornar-se caminhoneiro. Quando os pais perguntam se ele não quer garantir um futuro profissional com os estudos, ele responde: "Para viver 24 horas por dia envolvido e estressado com o trabalho, como vocês? Não, obrigado".
Nem sempre as soluções que eles apresentam são viáveis. Aliás, é por isso que eles precisam muito da ação educativa dos pais e professores nessa etapa da vida: para conseguir encaminhar essa rebeldia juvenil e provocar um efeito benéfico para eles e para o mundo, para a vida pessoal e para o bem do coletivo. Mas, se eles são vistos como "aborrecentes", como muitos adultos os chamam, fica difícil, senão impossível, ajudá-los nessa empreitada.
Acompanhar os passos do filho ou do aluno adolescente nessa fase de tomar para si a responsabilidade de fazer escolhas, tomar decisões e aprender a jogar o jogo da vida e dar um sentido a ela pode ser uma viagem muito enriquecedora. Com incidentes no percurso, imprevistos mil, equívocos de trajeto, aborrecimentos e tudo o mais que quem acompanha de perto um adolescente sabe muito bem. Mas tudo isso acontece -ou pode acontecer- em qualquer viagem planejada. A questão é que, se queremos aproveitar bem a viagem, mantemos a disposição e o humor, e assim é mais fácil e menos penoso encontrar saídas para os problemas que surgem. Algumas delas são acertadas, outras nem tanto, mas todas permitem que sigamos em frente. É isso o que eles querem -e precisam- que façamos.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


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