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S.O.S. família
Rosely Sayão
O espaço privado e o espaço público
O espaço comum tem suas próprias regras, diferentes das que valem em casa; sem elas, a convivência entre pessoas que têm hábitos e valores muito diferentes ficaria inviável
Duas situações que me foram
contadas nesta semana merecem nossa reflexão já que têm
ocorrido com bastante freqüência no mundo em que vivemos.
Ambas envolvem os mais novos, mas em fases bem distintas da vida. No primeiro caso,
foi uma criança menor de seis anos que esteve
no centro da situação e, no segundo, um adolescente de mais de 14.
Nas férias de julho, muitas famílias costumam passar alguns dias nesses hotéis que oferecem um pouco de quase tudo para divertir e
entreter adultos e crianças. A garota em questão estava brincando no parquinho repleto de
crianças pequenas e a mãe a observava a distância. Em dado momento, um incidente não-agressivo fez com que ela derrubasse um menor, que caiu no choro e logo foi socorrido pela mãe. Pois não é que a mãe da garota foi imediatamente ao local e deu umas tantas e boas
palmadas na filha? As outras mães presentes
tentaram explicar que ela não merecia porque
o fato tinha sido acidental. A mãe deu uma
resposta seca e grossa: "Minha filha educo eu".
Nem é preciso falar sobre o constrangimento
que as outras mães experimentaram.
O segundo caso ocorreu também nas férias.
Um adolescente estourava bombas dentro de
vidros em plena calçada de uma rua bem movimentada. Ao explodir, estilhaços voavam
por todos os lados, atingindo pessoas. Muitos
que passavam demonstravam desaprovação,
até que uma mulher resolveu intervir e disse
ao jovem que ali não era um local apropriado
para aquilo. Ele respondeu: "Você não é minha mãe" e continuou com a sua diversão.
Tais fatos representam muitos outros bem
diferentes, mas que têm o mesmo significado:
temos agido no espaço comum como se estivéssemos no espaço que é só nosso. Em outras
palavras: as ruas e outros espaços que podem
ser freqüentados por pessoas desconhecidas
entre si se transformaram no quintal da casa
de cada um. Quem exerce a tarefa educativa
diretamente -pais e professores- tanto
quanto qualquer outro adulto tem a responsabilidade de reconhecer
que esse tipo de comportamento está construindo o futuro.
Já no presente temos
nos ressentido da hostilidade do espaço público; já temos experimentado na pele o que
significa considerar o
outro o estranho, o diferente, considerar
aquele com quem não
tenho uma relação pessoal sempre ameaçador. Viver dessa maneira tem sido extremamente desgastante
para todos. Mas o tipo
de educação que temos
praticado tem servido
para garantir e potencializar esse estilo de viver no futuro próximo. Mudar essa situação
de imediato é tarefa quase impossível. Entretanto mantê-la é uma escolha que temos feito.
Crianças e jovens precisam aprender que,
em casa, são algumas regras e princípios que
valem. Em casa, cada um determina o modo
de viver e de conviver que mais lhe convém. Se
uma mãe aceita que os filhos façam as refeições em seus quartos, sentados no chão, ninguém tem o direito de meter o bedelho. Se um
pai permite que o filho manifeste seu desagrado dirigindo-se a ele de forma pejorativa, o
problema é só desse pai. Entretanto, no espaço
comum, tudo muda. Uma mãe não pode permitir que seu filho se sente no chão para almoçar no restaurante, um pai não deve aceitar
que seu filho insulte um
motorista inábil com palavrões, por exemplo.
O espaço comum tem
suas próprias regras, diferentes das que valem em casa. Quem está nesse espaço
precisa entender que, sem
tais regras, a convivência
entre pessoas que têm hábitos e valores muito diferentes em casa, ficaria inviável.
É preciso ensinar aos mais
novos que o convívio social
precisa ser respeitoso e civilizado. É preciso ensinar,
inclusive, que o que se faz
no espaço público está sujeito a julgamento público e
a interferências.
Os exemplos de hoje ilustram que nós não temos feito diferença entre
nossa casa e as ruas. Mas já sofremos os ônus
da falta de tal distinção. Vamos manter essa situação para as próximas gerações?
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br
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