São Paulo, quinta-feira, 18 de agosto de 2005
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S.O.S. família

Rosely Sayão

O espaço privado e o espaço público

O espaço comum tem suas próprias regras, diferentes das que valem em casa; sem elas, a convivência entre pessoas que têm hábitos e valores muito diferentes ficaria inviável

Duas situações que me foram contadas nesta semana merecem nossa reflexão já que têm ocorrido com bastante freqüência no mundo em que vivemos. Ambas envolvem os mais novos, mas em fases bem distintas da vida. No primeiro caso, foi uma criança menor de seis anos que esteve no centro da situação e, no segundo, um adolescente de mais de 14. Nas férias de julho, muitas famílias costumam passar alguns dias nesses hotéis que oferecem um pouco de quase tudo para divertir e entreter adultos e crianças. A garota em questão estava brincando no parquinho repleto de crianças pequenas e a mãe a observava a distância. Em dado momento, um incidente não-agressivo fez com que ela derrubasse um menor, que caiu no choro e logo foi socorrido pela mãe. Pois não é que a mãe da garota foi imediatamente ao local e deu umas tantas e boas palmadas na filha? As outras mães presentes tentaram explicar que ela não merecia porque o fato tinha sido acidental. A mãe deu uma resposta seca e grossa: "Minha filha educo eu". Nem é preciso falar sobre o constrangimento que as outras mães experimentaram. O segundo caso ocorreu também nas férias. Um adolescente estourava bombas dentro de vidros em plena calçada de uma rua bem movimentada. Ao explodir, estilhaços voavam por todos os lados, atingindo pessoas. Muitos que passavam demonstravam desaprovação, até que uma mulher resolveu intervir e disse ao jovem que ali não era um local apropriado para aquilo. Ele respondeu: "Você não é minha mãe" e continuou com a sua diversão. Tais fatos representam muitos outros bem diferentes, mas que têm o mesmo significado: temos agido no espaço comum como se estivéssemos no espaço que é só nosso. Em outras palavras: as ruas e outros espaços que podem ser freqüentados por pessoas desconhecidas entre si se transformaram no quintal da casa de cada um. Quem exerce a tarefa educativa diretamente -pais e professores- tanto quanto qualquer outro adulto tem a responsabilidade de reconhecer que esse tipo de comportamento está construindo o futuro. Já no presente temos nos ressentido da hostilidade do espaço público; já temos experimentado na pele o que significa considerar o outro o estranho, o diferente, considerar aquele com quem não tenho uma relação pessoal sempre ameaçador. Viver dessa maneira tem sido extremamente desgastante para todos. Mas o tipo de educação que temos praticado tem servido para garantir e potencializar esse estilo de viver no futuro próximo. Mudar essa situação de imediato é tarefa quase impossível. Entretanto mantê-la é uma escolha que temos feito. Crianças e jovens precisam aprender que, em casa, são algumas regras e princípios que valem. Em casa, cada um determina o modo de viver e de conviver que mais lhe convém. Se uma mãe aceita que os filhos façam as refeições em seus quartos, sentados no chão, ninguém tem o direito de meter o bedelho. Se um pai permite que o filho manifeste seu desagrado dirigindo-se a ele de forma pejorativa, o problema é só desse pai. Entretanto, no espaço comum, tudo muda. Uma mãe não pode permitir que seu filho se sente no chão para almoçar no restaurante, um pai não deve aceitar que seu filho insulte um motorista inábil com palavrões, por exemplo. O espaço comum tem suas próprias regras, diferentes das que valem em casa. Quem está nesse espaço precisa entender que, sem tais regras, a convivência entre pessoas que têm hábitos e valores muito diferentes em casa, ficaria inviável. É preciso ensinar aos mais novos que o convívio social precisa ser respeitoso e civilizado. É preciso ensinar, inclusive, que o que se faz no espaço público está sujeito a julgamento público e a interferências. Os exemplos de hoje ilustram que nós não temos feito diferença entre nossa casa e as ruas. Mas já sofremos os ônus da falta de tal distinção. Vamos manter essa situação para as próximas gerações?


ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br


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