São Paulo, quinta-feira, 18 de outubro de 2001
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s.o.s. família

O que não dá para admitir em um educador

Rosely Sayão

Há muito adulto que adora posar de moralista quando está no exercício do papel educativo. Está certo que um sermãozinho emocional, em tom emocionado, de vez em quando escapa. Por isso mesmo pais e professores devem-se observar constantemente para perceber de pronto os erros cometidos e corrigi-los quando necessário. Mas, se cometer alguns equívocos é inevitável, existem também atitudes inaceitáveis por parte de quem tem a responsabilidade de educar.
Alguém se lembra da palmatória? Para quem não lembra nem nunca ouviu falar, era um instrumento usado para castigar quem errava. Seu uso já foi prática dita educativa nos tempos em que educar significava adestrar e ensinar a obedecer -na escola e em casa. Pois bem: se hoje é difícil encontrar uma palmatória e quem a aplique, não é difícil, entretanto, encontrar educadores que cometem atos que muito se assemelham a essa superada prática.
Toda criança está sempre muito atenta ao que se passa à sua volta. E é assim, observando principalmente o comportamento dos adultos, que a criança aprende, por exemplo, a falar palavrão. E ela aprende com propriedade: alguém já viu uma criança falar palavrão em uma situação que não merecesse?
A criança fala palavrão, por exemplo, quando quer provocar alguém, quando quer devolver uma agressão, quando se frustra, quando se engana. É nessas situações também que o adulto faz o mesmo. Há uma diferença: o adulto pode -se bem que nem sempre consiga- diferenciar as situações em que o palavrão pode ser dito sem provocar consequências sérias. A criança precisa aprender isso. Mas como?
Há professor que -pasme!- ainda hoje acredita que lavar com sabão a boca da criança que usou tal palavreado em sala de aula é uma maneira de ensinar o aluno a não repetir o feito. Adulto que age assim não poderia se dedicar à tarefa de educar crianças no espaço escolar. Creio que nem mesmo pais têm o direito de ter tal atitude e duvido de que alguém tenha bons argumentos para defender uma posição desse tipo.
O que acontece? O que leva um professor a agir assim? Em primeiro lugar, uma formação para lá de deficitária, é claro. Para ser educador no espaço escolar, é preciso, antes de tudo, conhecer as etapas do desenvolvimento da criança e aprender a encaminhar o processo educativo no âmbito coletivo. Em segundo lugar, é preciso aceitar o fato de que a criança sempre vai testar os adultos que a educam e as regras de convivência que aprende. Algumas vão ao limite e, por isso mesmo, precisam encontrar a firmeza delicada dos pais e dos professores que vão ajudá-la a discriminar situações para saber quando é preciso conter-se. Mas nenhuma criança aprende a dosar suas reações se é alvo da falta de controle do professor ou dos pais.
Isso quer dizer que, para ser professor, é preciso ter disponibilidade pessoal para tanto! Aliás, o mesmo diz respeito aos pais. Esse é um requisito fundamental que não pode ser ensinado a ninguém. Quem não tem paciência, não se dispõe a ser generoso e tolerante e não consegue conter as próprias reações impulsivas não pode dedicar-se à tarefa de educar!
Muita gente pode acreditar que atitudes tão agressivas por parte de professores são coisa rara. Antes fossem! Na rotina da sala de aula, pode haver pouco professor lavando com sabão a boca de algum aluno. Mas é bem maior a quantidade de professores que dirigem aos alunos comentários feitos em tom irônico, jocoso, humilhante, por exemplo.
Que o clima reinante no espaço escolar não é dos melhores todos sabem. Que as condições de trabalho dos professores estão longe do ideal também. Que eles são alvo de atos violentos por parte de muitos alunos também é preciso reconhecer. Mas nada disso justifica atos que não podem ser chamados de educativos. Existe um número muito grande de professores que exercem seu papel com maestria nas mesmas condições. Eles têm consciência da importância do que fazem.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras);
e-mail: roselys@uol.com.br




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