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DRIBLE A NEURA
Falar demais aborrece e afasta os ouvintes
TATIANA ACHCAR
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Um simples ato cotidiano pode se transformar numa cilada. Ao levantar para pegar um copo de água no escritório, você encontra um colega que chega muito animado, começa a puxar assunto e não pára mais de falar. Ele faz perguntas e responde antes de você conseguir abrir a boca; você tenta
dar sua opinião, mas ele não dá brecha; você tem vontade de deixar ele falando sozinho, mas a
boa educação o impede. O que deveria ser uma conversa cordial se
transforma em um monólogo que
parece não ter fim, e você acaba pensando: "Que "mala'!".
A menos que você tenha paciência
de Jó, vai irritar-se ou chatear-se
com a situação. "É natural sentir raiva, vontade de não estar ali, de se
desligar da conversa ou ficar chateado porque não conseguiu cortar o
papo. O problema está no outro",
explica Mariângela Gentil Savoya,
psicóloga do Ambulatório de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do
Hospital das Clínicas de São Paulo.
Um dos possíveis motivos para esse tipo de comportamento é a falta
de habilidade social, que se manifesta quando a pessoa não percebe o
ambiente ao redor, não consegue
avaliar imparcialmente a situação e
não sabe se colocar na conversa de
maneira "civilizada". Nesse caso, segundo Savoya, provavelmente faltou alguém que colocasse limites no
falastrão durante a infância.
A tendência de embarcar em monólogos que parecem não ter fim
também pode ter origem no temperamento do indivíduo. "Gente com
bom humor exaltado, que está sempre de alto-astral e é uma eterna otimista pode se tornar cansativa",
afirma o psiquiatra Miguel Jorge, da
Unifesp (Universidade Federal de
São Paulo).
Perigo por perto
Fila de banco,
avião, ponto de ônibus e balcão de
bar são alguns dos locais propícios
para os desavisados serem fisgados
pelos grandes faladores. Por trás
desse comportamento, pode estar a
ansiedade.
Falar demais é uma forma de aliviar a tensão e pode resultar, na
maioria das vezes, em dizer o que
não devia. Quando a pessoa se dá
conta, já revelou o segredo de alguém ou expôs sua vida íntima a
desconhecidos. Nesses casos, pode-se dizer que a pessoa falou por impulso. "Trata-se de um impulso incontrolável que, se for maximizado,
pode virar compulsão, que é quando a pessoa é movida por um pensamento obsessivo", explica Savoya.
Quando alguém se aproxima
cheio de confiança e só fala de si, pode também estar manifestando um
comportamento narcisista: apenas
ele e suas idéias são importantes, e o
que as outras pessoas pensam não
interessa.
"Quem apresenta esse distúrbio
de personalidade não sofre com a situação porque nem percebe, pois está muito voltado para si, ele se basta", explica Savoya.
O comportamento tagarela impulsivo é chamado pelos psicólogos
de falar em jorro, e quem aparenta
muita confiança quando fala dessa
maneira pode estar escondendo sua
insegurança. Soterrando os ouvidos
alheios, esse tipo de impulsivo não
dá espaço para a contra-argumentação e ainda desarma a linha de pensamento do interlocutor. Toda a
conversa segue de acordo com o critério estabelecido pelo inseguro, e
ele consegue se sobressair.
Para o psicólogo Ruy de Mathis,
do Sedes Sapientiae (SP), a insegurança pode acionar o mecanismo de
defesa e gerar uma falsa sensação de
poder. "Esse comportamento falante é típico dos homens, porque poder é atributo masculino", afirma.
Como exemplo, ele cita apresentadores de TV. "Animadores como o
Sílvio Santos e o José Luis Datena falam com muita intensidade e repetem muitas vezes a mesma coisa para segurar o público."
Sem diferença por sexo
Falar
pelos cotovelos e não dar ouvidos ao
outro não é coisa de homem ou de
mulher. Mas, como as mulheres são
consideradas faladeiras por natureza, é mais fácil para elas usar a fala
impulsiva como válvula de escape
para algum problema mais sério.
"Isso é reforçado e aceito pela sociedade, enquanto com o homem
acontece o oposto, o falar demais é
um comportamento contido, reprimido", explica Savoya.
O mesmo acontece com pessoas
idosas, muitas vezes criticadas por
falarem muito. "A idade não faz
uma mania, ela apenas cristaliza um
distúrbio que sempre existiu e torna
qualquer mudança mais difícil", diz
Savoya. De acordo com o psiquiatra
Miguel Jorge, a carência e a solidão
podem detonar o falatório. Nesse
caso, ele é menos verborrágico, e o
alvo mais comum são as pessoas
próximas.
Algumas circunstâncias podem
alterar o equilíbrio físico e emocional e despertar o blablablá. É o caso
da bipolaridade, um transtorno de
humor que deixa a pessoa ora deprimida, ora eufórica -nessa fase, ela
fala excessivamente. Já quem passa
por um trauma pode começar a falar demais na tentativa de lidar melhor com o problema. Alguns medicamentos, como estimulantes, também podem alterar o volume da
conversa. Esse é um efeito colateral
passageiro, que cessa quando a pessoa termina o tratamento.
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