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São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 2003
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DRIBLE A NEURA

Falar demais aborrece e afasta os ouvintes

TATIANA ACHCAR
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Um simples ato cotidiano pode se transformar numa cilada. Ao levantar para pegar um copo de água no escritório, você encontra um colega que chega muito animado, começa a puxar assunto e não pára mais de falar. Ele faz perguntas e responde antes de você conseguir abrir a boca; você tenta dar sua opinião, mas ele não dá brecha; você tem vontade de deixar ele falando sozinho, mas a boa educação o impede. O que deveria ser uma conversa cordial se transforma em um monólogo que parece não ter fim, e você acaba pensando: "Que "mala'!".
A menos que você tenha paciência de Jó, vai irritar-se ou chatear-se com a situação. "É natural sentir raiva, vontade de não estar ali, de se desligar da conversa ou ficar chateado porque não conseguiu cortar o papo. O problema está no outro", explica Mariângela Gentil Savoya, psicóloga do Ambulatório de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Um dos possíveis motivos para esse tipo de comportamento é a falta de habilidade social, que se manifesta quando a pessoa não percebe o ambiente ao redor, não consegue avaliar imparcialmente a situação e não sabe se colocar na conversa de maneira "civilizada". Nesse caso, segundo Savoya, provavelmente faltou alguém que colocasse limites no falastrão durante a infância.
A tendência de embarcar em monólogos que parecem não ter fim também pode ter origem no temperamento do indivíduo. "Gente com bom humor exaltado, que está sempre de alto-astral e é uma eterna otimista pode se tornar cansativa", afirma o psiquiatra Miguel Jorge, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Perigo por perto
Fila de banco, avião, ponto de ônibus e balcão de bar são alguns dos locais propícios para os desavisados serem fisgados pelos grandes faladores. Por trás desse comportamento, pode estar a ansiedade.
Falar demais é uma forma de aliviar a tensão e pode resultar, na maioria das vezes, em dizer o que não devia. Quando a pessoa se dá conta, já revelou o segredo de alguém ou expôs sua vida íntima a desconhecidos. Nesses casos, pode-se dizer que a pessoa falou por impulso. "Trata-se de um impulso incontrolável que, se for maximizado, pode virar compulsão, que é quando a pessoa é movida por um pensamento obsessivo", explica Savoya.
Quando alguém se aproxima cheio de confiança e só fala de si, pode também estar manifestando um comportamento narcisista: apenas ele e suas idéias são importantes, e o que as outras pessoas pensam não interessa.
"Quem apresenta esse distúrbio de personalidade não sofre com a situação porque nem percebe, pois está muito voltado para si, ele se basta", explica Savoya.
O comportamento tagarela impulsivo é chamado pelos psicólogos de falar em jorro, e quem aparenta muita confiança quando fala dessa maneira pode estar escondendo sua insegurança. Soterrando os ouvidos alheios, esse tipo de impulsivo não dá espaço para a contra-argumentação e ainda desarma a linha de pensamento do interlocutor. Toda a conversa segue de acordo com o critério estabelecido pelo inseguro, e ele consegue se sobressair.
Para o psicólogo Ruy de Mathis, do Sedes Sapientiae (SP), a insegurança pode acionar o mecanismo de defesa e gerar uma falsa sensação de poder. "Esse comportamento falante é típico dos homens, porque poder é atributo masculino", afirma. Como exemplo, ele cita apresentadores de TV. "Animadores como o Sílvio Santos e o José Luis Datena falam com muita intensidade e repetem muitas vezes a mesma coisa para segurar o público."

Sem diferença por sexo
Falar pelos cotovelos e não dar ouvidos ao outro não é coisa de homem ou de mulher. Mas, como as mulheres são consideradas faladeiras por natureza, é mais fácil para elas usar a fala impulsiva como válvula de escape para algum problema mais sério. "Isso é reforçado e aceito pela sociedade, enquanto com o homem acontece o oposto, o falar demais é um comportamento contido, reprimido", explica Savoya.
O mesmo acontece com pessoas idosas, muitas vezes criticadas por falarem muito. "A idade não faz uma mania, ela apenas cristaliza um distúrbio que sempre existiu e torna qualquer mudança mais difícil", diz Savoya. De acordo com o psiquiatra Miguel Jorge, a carência e a solidão podem detonar o falatório. Nesse caso, ele é menos verborrágico, e o alvo mais comum são as pessoas próximas.
Algumas circunstâncias podem alterar o equilíbrio físico e emocional e despertar o blablablá. É o caso da bipolaridade, um transtorno de humor que deixa a pessoa ora deprimida, ora eufórica -nessa fase, ela fala excessivamente. Já quem passa por um trauma pode começar a falar demais na tentativa de lidar melhor com o problema. Alguns medicamentos, como estimulantes, também podem alterar o volume da conversa. Esse é um efeito colateral passageiro, que cessa quando a pessoa termina o tratamento.


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