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s.o.s.família
rosely sayão
Consumismo deturpa relações pessoais
Crianças e adolescentes estão duramente
submetidos à sedução do apelo ao consumo. Os pais sabem muito bem disso. Afinal,
não há um dia em que o filho não queira ver
determinado programa, vestir aquela roupa,
usar certo acessório, comer lanche de tal lugar
ou ir ao shopping, entre tantas outras possibilidades. Se ele gosta ou não, quer muito ou
nem tanto, pouco importa. O que vale mesmo
é que, diariamente, o filho compra alguma
idéia e ponto final. Ocorre que o alcance dessa
influência pode ser bem maior do que muitos
pais suspeitam.
A mãe de dois adolescentes contou um fato
que nos permite pensar sobre isso. Um dos filhos precisou -e assumiu que queria- colocar aparelho ortodôntico.
Mesmo quando um jovem quer muito alcançar o resultado previsto por esse tratamento, vamos convir que é bem difícil assumir tal
compromisso. Afinal, ele precisa usar o aparelho, o que não é muito agradável, e ainda comparecer regularmente ao consultório dentário
para o acompanhamento necessário. Por isso
os pais precisam fazer marcação cerrada para
ajudar o filho a dar conta da empreitada. Não é
fácil para os pais nem para o filho. Mas, para
quem quer e/ou precisa, dá para chegar lá.
Mas muitos desistem logo de cara, outros
bem no meio do caminho. Foi o caso do filho
de nossa leitora. Deixou de usar o aparelho e
também de honrar o compromisso assumido
com a odontologista, que solicitava a presença
dele mensalmente.
Quando um adolescente resolve desistir de
um compromisso, o jeito mais fácil de colocar
a decisão em prática é simplesmente esquecer
o que tinha de fazer. Os pais conhecem muito
bem essa manha: num dia, o filho esquece
completamente que tinha horário agendado;
noutro, arruma um compromisso mais urgente; depois reclama que está cansado e, assim, consegue desistir sem ter de deixar clara
sua posição.
Acontece que a mãe do garoto em questão
não deixou por menos: chamou o filho à responsabilidade e avisou que, caso ele não cumprisse o combinado em duas semanas, ela desistiria do tratamento. E foi aí que nossa leitora teve a chance de perceber como é que o filho
queria desistir do compromisso que havia assumido. Para ele, bastava deixar de pagar o
combinado com a profissional e pronto.
Aí está uma marca forte que a influência da
valorização excessiva do consumo provoca: o
vínculo com as pessoas e a relação consigo
mesmo cede lugar à relação com o bem material e/ou com o dinheiro. Pessoas são reduzidas à mesma condição de coisas, por isso são
consideradas vendáveis. E não é preciso que
os pais dêem exemplos práticos desse tipo de
atitude para que os filhos sofram tal influência: toda a sociedade já tem esse comportamento.
O que os pais precisam -caso desejem educar os filhos de modo a fazê-los priorizar as relações humanas- é praticar um tipo de educação que ofereça ao filho essa outra opção.
Foi o que nossa leitora fez. Ao perceber o que o
filho queria fazer, não permitiu. Marcou a última visita à ortodontista responsável pelo tratamento do filho e fez com que ele fosse pessoalmente comunicar que estava interrompendo o tratamento.
O filho foi, reclamando muito, como de praxe, mas a mãe insistiu. Depois que o filho cumpriu a obrigação, explicou a ele, com simplicidade, que tinha insistido para que ele aprendesse que não era o dinheiro a questão mais
importante naquela história, e sim o respeito à
profissional e a si mesmo.
É assim que as melhores lições são aprendidas pelos filhos: quando os pais impõem a realização de determinados atos que formam, no
conjunto, atitudes que os pais consideram importantes para aquela família. Muitos pais não
se dão conta de que a falação, a lição de moral
e a argumentação desconectadas da ação têm
efeitos bem menos eficazes quando se trata de
educar. E sempre é bom lembrar que o resultado do ato de educar aparecerá bem mais tarde, quando o filho tiver maturidade para agir
com independência e liberdade em relação à
própria vida.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha); e-mail:
roselys@uol.com.br
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