São Paulo, quinta-feira, 19 de abril de 2007
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Outras idéias - Dulce Critelli

Heróis?

Semana passada, enquanto aguardava ser atendida num consultório médico, folheei umas três revistas consideradas das mais importantes no cenário nacional e fiquei espantada com o espaço e a relevância que todas concediam a um jovem, o Alemão, vencedor do último Big Brother Brasil. Ele era tratado com as glórias e as pompas que se conferem a um herói. Por isso mesmo, a recompensa recebida, de R$ 1 milhão, era mais do que merecida. Faltou dizer que era até pouca.
Mas o que esse jovem, de fato, fez, além de exibir o corpo, esculpir os cabelos como esculpiu seus músculos, namorar, livrar-se de alguma intriga? O que ele lega ao mundo? Mesmo que nada de útil ele tivesse feito, qual a grandeza peculiar dos seus gestos? O tratamento de herói sempre se outorgou a alguém cujos feitos fossem inigualáveis. No entanto, nada o diferenciou de ninguém. Todos os seus atos e as suas palavras poderiam ter sido os atos e as palavras de qualquer jovem em condições similares, mesmo vivendo aqui do lado de fora.


[...] O que esse jovem [o Alemão, do Big Brother] fez, além de exibir o corpo, esculpir os cabelos, namorar, livrar-se de intrigas?


Pode ser que alguns chamem isso de entretenimento, que vejam nisso apenas uma diversão sem alcance nem conseqüências. Mas é um equívoco. A mediocridade do fato está em mostrar o quanto a futilidade, a banalização da vida e das relações humanas e o valor da vadiagem estão em alta. É esta a mensagem que a mídia reforça e transmite: "Seja como ele, faça o que ele fez e você terá sucesso, dinheiro, publicidade... Sua vida estará feita sem fazer esforços, sem nenhuma contribuição ao mundo, sem precisar salvaguardar qualquer dignidade".
É essa a leviandade que hoje nos traga. Mas é, também, o centro dos problemas existenciais de uma infinidade de jovens que já, e infelizmente, assimilaram a ordem da mídia como se fossem esses seus próprios desejos e destinos. Não vivemos fora de um mundo, muito menos isolados. Os sonhos, os objetivos, os dilemas, as conquistas, os fracassos, as angústias, os anseios de cada geração são todos atravessados pelos modelos e pelas normas sociais vigentes. Quanto mais tácitas e despercebidas, mais influentes e dominantes.
Assim vivemos: movidos por exemplos. Os heróis e as celebridades que a mídia nos oferece são inspirações de como devemos ser e do que devemos querer. Criamos nossos monstros. Depois, queremos um país melhor e uma vida pessoal mais satisfatória. De que jeito? Enquanto a mídia não entender o grau do seu poder e da sua responsabilidade no encaminhamento do nosso destino, estamos todos perdidos.
DULCE CRITELLI, terapeuta existencial e professora de filosofia da PUC-SP, é autora de "Educação e Dominação Cultural" e "Analítica de Sentido" e coordenadora do Existentia -Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana

dulcecritelli@existentia.com.br


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