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São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 2003
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A bênção divina costuma ser solicitada; alguns noivos sobem ao altar levados pelos filhos; na festa, ninguém fica ansioso, e as famílias dispensam qualquer apresentação

Casais oficializam união depois de longa convivência

Arquivo pessoal
Verônica e Victor na festa de casamento, quando já viviam juntos há oito anos e o filho tinha três


ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL

O pequeno Carlos Eduardo Ravache acabara de receber do padre a bênção por ocasião do seu batizado quando os presentes ouviram, entre felizes e surpresos, a declaração do sacerdote: "Estamos aqui reunidos também para pedir uma bênção em nome de Irene e Edson, que se casaram no civil hoje de manhã". Irene, no caso, é a avó do pequeno Carlos Eduardo, que se tornou a senhora Paes de Melo depois de 20 anos de união "não-oficial" com o empresário e jornalista Edson Paes de Melo, 60.
A proposta de casamento, como manda o figurino, partiu dele. Na ocasião, a atriz Irene Ravache perguntou: "Por que esse casamento agora?". De pronto, ouviu a resposta: "Para você não se tornar avó solteira!".
Na verdade, conta o marido, "foi uma maneira de reforçar uma união que já tinha dado certo, de mostrar o quanto estávamos felizes".
Ravache não abriu mão do buquê durante a cerimônia em cartório e fez novas alianças para a ocasião, dessa vez "quadradinhas". "Pudemos atestar perante os mais queridos o nosso amor", diz ela.
Oficializar a união no civil e/ou no religioso depois de anos vivendo sob o mesmo teto tem sido cada vez mais comum. Para alguns banqueteiros, esse tipo de festa até supera as comemorações de jovens pombinhos. Nina Horta, proprietária do bufê Ginger, diz que cerca de 70% das festas de casamento que realiza são para esse público. No bufê La Luna, diz a proprietária, Mona Lisie Milan, 30% dos casamentos são de casais que já moravam juntos há bastante tempo.
Para explicar essa onda, religiosos e teólogos dizem que as pessoas procuram estar maduras e certas em relação ao que sentem para depois oficializarem legalmente e sacramentarem a união. "Elas pensam: "Não vou me casar só porque é o que manda a norma ou por causa de uma lei ou porque existem regras'", diz o frei Luiz Augusto de Mattos, professor de teologia da PUC de Campinas e do Instituto Teológico de São Paulo.
Apesar de a Igreja Católica ser contra essa inversão na ordem dos fatores -morar junto e só depois buscar o sacramento do matrimônio-, ele vê um aspecto "bonito" nesse comportamento. "Esses casais sabem o que estão fazendo, já construíram de fato uma vida a dois, agem com mais responsabilidade. Muitos que se casam jovens não têm um projeto de vida juntos. Como vão assumir publicamente o outro com todas as consequências?", questiona frei Mattos.
Foi essa necessidade de assumir uma relação já madura e estável que fez com que a jornalista e editora de livros Edith Elek Wassermann, 58, decidisse oficializar a união com o também editor Raul Wassermann, 60. Depois de 13 anos juntos, decidiram efetivar o casório. "Eu sentia falta de que ele me assumisse social e publicamente, que dissesse: "Essa é minha esposa'", conta a recém-casada.
A psicanalista e colunista da Folha Anna Veronica Mautner reforça essa idéia: "O casamento significa que alguém decidiu contar para a sociedade que gosta o suficiente de outra pessoa para assumi-la como companheira".
O marido de Edith fez ainda questão do rabino para a benção. "Nenhum dos dois é muito religioso, mas, na hora H, vem aquela necessidade de uma bênção religiosa; foi um complemento importante."
Para a psicanalista Iêda Porchat, coordenadora do curso de psicoterapia de casais do Instituto Sedes Sapientiae, a experiência temporal é capaz de desmistificar a experiência social do "casa-descasa". "Daí as pessoas pensam: "Quem sabe seja possível mesmo essa história de amor imortal". E decidem consagrar algo que realmente deu certo."
E aquela emoção de ver a noiva entrando resiste depois de tanto tempo de convivência? Não só resiste como pode ser até mais complexa. O arquiteto Guilherme Schibik, 50, lembra, com "nó na garganta e frio na espinha", a entrada triunfal da família toda na igreja: o filho adolescente de braços dados com a mãe, a jornalista Silvia Angerami, 45, e a filhinha de quatro anos de dama de honra. "Depois de ter me dado dois filhos e ter dividido uma vida comigo, vê-la entrando na igreja, linda, foi emocionante. Nosso casamento foi como a última pincelada que um artista dá em sua obra."
Essa pincelada final, essa necessidade do carimbo de "deu certo" representa a dificuldade de as pessoas se desfazerem da tradição, diz a psicanalista Magdalena Ramos, do Núcleo de Casal e Família da PUC-SP. "Muitas vezes nem há um grande significado de fé, mas uma vontade de obter uma segurança a mais", diz Ramos.
Para a advogada Verônica Forbes Moreira, 30, esse padrão dava medo. "O casamento foi a grande frustração da minha mãe, e acho que isso me deixava com receio." Mas, depois de oito anos vivendo com o namorado e com um filho de três anos, veio a pergunta: por que não? "Percebi que, no fundo, seria ótimo reunirmos os amigos para uma grande confraternização", diz ela.
Moreira não só pediu a um religioso que abençoasse o casal, como sentou-se com o padre e escolheu os trechos da Bíblia a serem lidos. Hoje não nega o orgulho que sente quando o filho Victor Hugo, 7, pergunta: "Mãe, eu entrei na frente do casamento de vocês?". E ela diz: "Não entrou, mas derrubou biscoito no meu vestido enquanto o padre abençoava seu pai e eu".


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