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A bênção divina costuma ser solicitada; alguns noivos sobem ao altar levados pelos filhos; na festa, ninguém fica ansioso, e as famílias dispensam qualquer apresentação
Casais oficializam união depois de longa convivência
Arquivo pessoal
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Verônica e Victor na festa de casamento, quando já viviam juntos há oito anos e o filho tinha três |
ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL
O pequeno Carlos Eduardo Ravache
acabara de receber do padre a bênção
por ocasião do seu batizado quando os
presentes ouviram, entre felizes e surpresos, a declaração do sacerdote: "Estamos aqui reunidos também para pedir uma bênção em nome de Irene e Edson, que se casaram no civil hoje de manhã". Irene,
no caso, é a avó do pequeno Carlos
Eduardo, que se tornou a senhora Paes
de Melo depois de 20 anos de união "não-oficial" com o empresário e jornalista Edson Paes de Melo, 60.
A proposta de casamento, como manda o figurino, partiu dele. Na ocasião, a
atriz Irene Ravache perguntou: "Por que
esse casamento agora?". De pronto, ouviu a resposta: "Para você não se tornar
avó solteira!".
Na verdade, conta o marido, "foi uma
maneira de reforçar uma união que já tinha dado certo, de mostrar o quanto estávamos felizes".
Ravache não abriu mão do buquê durante a cerimônia em cartório e fez novas
alianças para a ocasião, dessa vez "quadradinhas". "Pudemos atestar perante os
mais queridos o nosso amor", diz ela.
Oficializar a união no civil e/ou no religioso depois de anos vivendo sob o mesmo teto tem sido cada vez mais comum.
Para alguns banqueteiros, esse tipo de
festa até supera as comemorações de jovens pombinhos. Nina Horta, proprietária do bufê Ginger, diz que cerca de 70%
das festas de casamento que realiza são
para esse público. No bufê La Luna, diz a
proprietária, Mona Lisie Milan, 30% dos
casamentos são de casais que já moravam juntos há bastante tempo.
Para explicar essa onda, religiosos e
teólogos dizem que as pessoas procuram
estar maduras e certas em relação ao que
sentem para depois oficializarem legalmente e sacramentarem a união. "Elas
pensam: "Não vou me casar só porque é o
que manda a norma ou por causa de uma
lei ou porque existem regras'", diz o frei
Luiz Augusto de Mattos, professor de
teologia da PUC de Campinas e do Instituto Teológico de São Paulo.
Apesar de a Igreja Católica ser contra
essa inversão na ordem dos fatores
-morar junto e só depois buscar o sacramento do matrimônio-, ele vê um
aspecto "bonito" nesse comportamento.
"Esses casais sabem o que estão fazendo,
já construíram de fato uma vida a dois,
agem com mais responsabilidade. Muitos que se casam jovens não têm um projeto de vida juntos. Como vão assumir
publicamente o outro com todas as consequências?", questiona frei Mattos.
Foi essa necessidade de assumir uma
relação já madura e estável que fez com
que a jornalista e editora de livros Edith
Elek Wassermann, 58, decidisse oficializar a união com o também editor Raul
Wassermann, 60. Depois de 13 anos juntos, decidiram efetivar o casório. "Eu sentia falta de que ele me assumisse social e
publicamente, que dissesse: "Essa é minha esposa'", conta a recém-casada.
A psicanalista e colunista da Folha Anna Veronica Mautner reforça essa idéia:
"O casamento significa que alguém decidiu contar para a sociedade que gosta o
suficiente de outra pessoa para assumi-la
como companheira".
O marido de Edith fez ainda questão do
rabino para a benção. "Nenhum dos dois
é muito religioso, mas, na hora H, vem
aquela necessidade de uma bênção religiosa; foi um complemento importante."
Para a psicanalista Iêda Porchat, coordenadora do curso de psicoterapia de casais do Instituto Sedes Sapientiae, a experiência temporal é capaz de desmistificar
a experiência social do "casa-descasa".
"Daí as pessoas pensam: "Quem sabe seja
possível mesmo essa história de amor
imortal". E decidem consagrar algo que
realmente deu certo."
E aquela emoção de ver a noiva entrando resiste depois de tanto tempo de convivência? Não só resiste como pode ser
até mais complexa. O arquiteto Guilherme Schibik, 50, lembra, com "nó na garganta e frio na espinha", a entrada triunfal da família toda na igreja: o filho adolescente de braços dados com a mãe, a
jornalista Silvia Angerami, 45, e a filhinha
de quatro anos de dama de honra. "Depois de ter me dado dois filhos e ter dividido uma vida comigo, vê-la entrando na
igreja, linda, foi emocionante. Nosso casamento foi como a última pincelada que
um artista dá em sua obra."
Essa pincelada final, essa necessidade
do carimbo de "deu certo" representa a
dificuldade de as pessoas se desfazerem
da tradição, diz a psicanalista Magdalena
Ramos, do Núcleo de Casal e Família da
PUC-SP. "Muitas vezes nem há um grande significado de fé, mas uma vontade de
obter uma segurança a mais", diz Ramos.
Para a advogada Verônica Forbes Moreira, 30, esse padrão dava medo. "O casamento foi a grande frustração da minha mãe, e acho que isso me deixava com
receio." Mas, depois de oito anos vivendo
com o namorado e com um filho de três
anos, veio a pergunta: por que não? "Percebi que, no fundo, seria ótimo reunirmos os amigos para uma grande confraternização", diz ela.
Moreira não só pediu a um religioso
que abençoasse o casal, como sentou-se
com o padre e escolheu os trechos da Bíblia a serem lidos. Hoje não nega o orgulho que sente quando o filho Victor Hugo, 7, pergunta: "Mãe, eu entrei na frente
do casamento de vocês?". E ela diz: "Não
entrou, mas derrubou biscoito no meu
vestido enquanto o padre abençoava seu
pai e eu".
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