São Paulo, quinta-feira, 19 de julho de 2001
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Preservar a memória é resguardar parte da vida

Marcelo Barabani/Folha Imagem
Avenida Paulista, aberta em 1891


Os tombamentos, material ou simbólico, garantem qualidade de vida ao cidadão e ajudam na busca da própria identidade

KARINA KLINGER - DA REPORTAGEM LOCAL

O que o tombamento de uma casa centenária de um bairro tem a ver com a qualidade de vida de um morador dali? Em geral, tem muito a ver. Basta lembrar que a tal construção existe no lugar desde, pelo menos, a infância do avô do sujeito, que ela, muito provavelmente, presenciou as brincadeiras de rua das crianças e o vai-e-vem diário dos moradores e serviu de ponto de encontro dos casais de namorados do bairro. Isso significa que o tombamento de um bem, como a casa centenária citada acima, representa a preservação da própria história de vida de uma pessoa e de várias outras personagens anônimas. Do ponto de vista prático, um tombamento é feito por meio de um conjunto de ações do poder público e visa garantir a preservação de algo de valor histórico. No que se refere ao individual, tombamentos são, naturalmente, parte da vida de todo mundo. Guardar na memória cheiros, aromas, paisagens e pessoas é uma forma de resguardar resquícios de vida como se fossem documentos históricos importantes demais para serem esquecidos. E mais: é um hábito saudável que acompanha o homem na busca da própria identidade. "As pessoas precisam ter história. Nada -e ninguém- é feito de apenas um momento. Os vários momentos dizem quem somos e servem de pontos de referência", diz o psicólogo Alexandre Nicolau Luccas. Uma pitada de saudosismo no cotidiano é essencial, inofensiva e serve como forma de autoconhecimento, afirma o psicólogo. Sossego preservado Desde que provados os valores sociais e históricos de determinado bem, é possível tombar tudo, até um muro. No mês passado, o espaço aéreo do centro histórico de Carapicuíba, na Grande São Paulo, foi tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A razão: garantir a tranquilidade dos moradores locais e preservar os imóveis que estavam sendo danificados pelo intenso tráfego de helicópteros na região.
Ao tombar bens materiais em um espaço público, o cidadão valoriza o vínculo e o amor à cidade. "Independentemente da valorização histórica, o morador dá prova de reconhecimento e assegura sua própria qualidade de vida. É comum as pessoas quererem assegurar certo controle sobre o processo de transformação do espaço físico", diz Leila Regina Diegoli, diretora do Departamento do Patrimônio Histórico do município de São Paulo.
"Cuidamos muito de nossas casas, por que não fazer o mesmo com a cidade? Cuidar do lugar onde vivemos é positivo e contrário ao processo de exteriorização, hoje comum nas pessoas, que reclamam do trânsito nas ruas como se ele não dependesse delas", ressalta Luccas.
Para a professora de história da USP Mary del Priore, tais "lugares de memória", por mais insignificantes que possam parecer, também contam a maneira como os homens constroem as suas tradições no tempo. "Podendo ser materiais, funcionais ou simbólicos, eles funcionam como elementos de afirmação dos diferentes grupos que habitam a cidade. Nessa lógica, o Bar Léo, que fica na rua Aurora, um estádio de futebol ou a rua 25 de Março, por exemplo, são tão representativos na história de São Paulo quanto a Casa do Bandeirante ou o Museu do Ipiranga", diz del Priore.
O Folha Equilíbrio solicitou a um grupo de cidadãos, a maior parte personalidades de diferentes áreas, que dissesse o que tombaria e o que gostaria de aniquilar na terra da garoa. Afinal, diante de certos horrores arquitetônicos, não há memória afetiva que resista. Leia mais nas próximas páginas.



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