São Paulo, quinta-feira, 19 de setembro de 2002
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S.O.S. família

rosely sayão

Saída ética para educador reclamão

E sta semana, estava organizando a correspondência que recebo dos leitores que se preocupam com a educação de crianças e adolescentes e surpreendi-me com a quantidade de reclamações a respeito das influências -negativas, é claro- às quais eles estão submetidas. Muitos reclamam da programação da TV porque julgam não ser apropriada às idades indicadas. Outros reclamam da violência dos games. Outros, ainda, acham que a internet perturba o relacionamento social dos filhos, que ficam horas batendo papo na rede ou atrás de sites de sexo com assuntos e fotos nada adolescentes ou infantis.
Pais reclamam dos mimos que os avós dão aos netos e acham que esse tipo de relacionamento estraga toda a educação que dão aos filhos. Professores que reclamam da educação que os pais dão -ou não dão- aos filhos, e pais que reclamam das atitudes que os professores tomam -ou não tomam- com os alunos. Tem mais: muitos pais reclamam da permissividade dos pais dos amigos dos filhos, o que os pressiona a aceitar determinadas situações porque todos os outros pais aceitam. Enfim: é um enorme coro de reclamações de pessoas envolvidas com a tarefa educativa e que acreditam que ela está quase impossível de ser praticada justamente por conta de tantas interferências. Isso bem que merece uma reflexão.
A principal e primeira delas: é muito mais fácil identificar um problema quando ele está no outro, não é verdade? É uma verdadeira tentação apontar defeitos ou equívocos dos outros, julgar as atitudes que os outros tomam com os filhos como inapropriadas ou de risco, criticar os programas que as crianças assistem na televisão, o professor criticar a educação que os pais dão aos seus filhos, por exemplo. Difícil mesmo é reconhecer a nossa responsabilidade e tentar mudar em busca de uma solução para tirar o filho da frente da TV, para fazer algo junto com ele, em vez de deixá-lo no videogame, para enfrentar a dificuldade que ele apresenta em sala de aula antes de creditar aos pais o que o aluno faz.
A questão, hoje em dia, é que parece que todo mundo morre de saudades de uma escola que nunca existiu -com alunos sem problemas- e com filhos idealizados, que compreendem os motivos que lhes são explicados para que se comportem desta ou daquela maneira e acatam as orientações de bom grado. A questão é que, tanto em casa quanto na escola, os educadores devem encarar os problemas e as dificuldades que filhos e alunos apresentam como desafios a serem superados, e não como motivo para impedimentos e/ou impossibilidades. E, pelo jeito, isso é o que tem sido o mais difícil hoje.
Nenhum médico espera que seus clientes apresentem um quadro de sintomas compatíveis com um determinado diagnóstico. Aliás, se o médico reclamar da diversidade de sintomas do paciente, este não vai querer voltar nunca mais ao profissional por julgá-lo incompetente, concordam? Então: será que não é exatamente assim que muitos educadores -tanto pais quanto professores- têm agido?
Claro que a TV não prima por uma boa programação, claro que há sites na internet que podem, sim, oferecer uma excitação sexual fora de contexto e de hora para crianças e jovens, claro que muitos professores não tiveram uma boa formação etc. Mas, lembrando Nelson Rodrigues, já está na hora de enfrentarmos a vida como ela é.
As crianças de hoje refutam as orientações dos pais com mais veemência e boa argumentação, os adolescentes têm mais independência para se comportarem como bem entendem, os alunos não respeitam com facilidade a autoridade dos mestres, muita gente acha normal que crianças façam o que outros não acham adequado na infância ou na adolescência. Mas como é que quem tem a responsabilidade de educar vai se portar frente a isso tudo? Só há uma saída ética para quem é educador: buscar soluções diferentes e não desistir jamais frente aos problemas. Há outras: reclamar da ação dos outros e/ou abdicar. Que tipo de pais e professores escolheremos ser?


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


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