São Paulo, quinta-feira, 19 de outubro de 2006
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Outras idéias - Wilson Jacob Filho

Ao persistirem os sintomas ...

Com freqüência, ouvimos ou lemos essa recomendação, que nos oferece uma segunda opção de tratamento. Em tom solene, nos convida a pensar mais seriamente no problema caso o uso do medicamento não tenha sido suficiente. Poucos questionaram, até o momento, se essa medida é adequada.
Concordo que soluções simples sejam preferíveis às complexas. Desde que sejam resolutivas, obviamente. Devemos questionar, porém, qual o problema que tentamos resolver.
Se tivermos claro que a solução proposta se destina a minimizar os sintomas de uma doença, seu uso pode ser benéfico. A maioria, porém, entende que esse medicamento pode curar a doença causadora dos sintomas. Se não fizer, o caso deve ser levado a sério.
Esse mal-entendimento revela uma raiz mais profunda: a freqüente confusão entre a causa e a conseqüência de uma doença. Infelizmente, poucas vezes essa relação obedece a regras matemáticas. Nem toda doença, por exemplo, tem sintomas. Ademais, muitas doenças, de diferentes gravidades, têm os mesmos sintomas. Além disso, há muitos sintomas que não dependem de doenças.
Por essas peculiaridades -entre tantas outras-, torna-se temerosa a interpretação pessoal para definir qual medicamento é o mais adequado a cada situação. Antibióticos contra a gripe, antiinflamatórios contra a dor e vitaminas contra a fraqueza são bons exemplos de tentativas de solução do problema baseado no "eu achei que..." corroboradas pelo disseminado "ao persistirem os sintomas...".
Freqüentemente pergunto aos pacientes que abusam dessa prática se colocariam no tanque de combustível dos seus veículos um produto desconhecido visando melhorar, por exemplo, a potência do motor.
Quase todos respondem negativamente e, com isso, percebem como cuidam mais do seu carro do que do seu organismo. Todos podem e devem, a despeito do grau de escolaridade, entender melhor os determinantes da saúde e das doenças. Quanto mais esclarecidos, mais fácil será a tomada de decisão e maior a chance de acerto.
Para que isso possa ser alcançado, a educação em saúde é fundamental. Tanto a fonte das informações, constituída pelos profissionais dessa área, quanto os veículos de comunicação devem se esforçar para que o conhecimento possa ser oferecido à população em uma linguagem palatável e de forma isenta de interesses.
Só assim estaremos aptos a tomar as decisões e a escolher, com segurança, quando e como cada componente da saúde deverá ser utilizado.


WILSON JACOB FILHO, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)
wiljac@usp.br



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