UOL


São Paulo, quinta-feira, 20 de fevereiro de 2003
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

s.o.s família - rosely sayão

Filho superprotegido perde auto-estima

No final e no início de cada ano letivo da criançada, dá para perceber bem melhor um movimento que os pais, muito frequentemente, fazem em torno dos filhos: o de tentar, a todo custo, protegê-los das dificuldades, dos dissabores, das frustrações, de tudo, enfim, que possa causar sofrimento a eles nesta vida. Sempre que os pais podem fazer algo para evitar que o filho enfrente alguma situação de mal-estar, eles o fazem prontamente.
Querem ver? O ano mal começou, e já há muitos coordenadores, diretores e orientadores escolares que não aguentam mais ver pais e mães na escola porque sabem o que eles querem: solicitar mudança de classe do filho para que ele fique junto com os melhores amigos, distante de um desafeto ou coisa que o valha.
No fim do ano, a procissão é muito semelhante, só o objetivo muda. A questão a ser discutida nessa época é o aproveitamento escolar do filho. E lição de casa, então? Que pai ou mãe resiste a dar uma olhada no que o filho fez sozinho para ver se está correto?
Mas essa atitude de proteção não se restringe à vida escolar do filho. É bem mais ampla. Vai desde um detalhe, como acionar uma trava na porta do carro que não permite que ela seja aberta pelo filho, até buscar uma solução rápida e eficiente para um conflito entre irmãos ou amigos a fim de evitar uma consequência maior. Tudo é feito com o maior carinho e senso de proteção paterna e materna. Mas será que isso é bom para os filhos, para a formação deles, para o preparo para a vida que eles terão de enfrentar logo por conta própria, para a educação?
Vamos, por exemplo, pensar na imagem e/ ou no julgamento que a criança faz de si -a hoje tão falada auto-estima- quando percebe que os pais sempre estão dispostos a fazer por ela, a interceder por ela, a providenciar para ela, a defendê-la etc. Será que esse tipo de atitude não colabora para que ela se sinta insegura, frágil perante desafios, sem coragem para arriscar, enfrentar e saber que pode errar?
Pois é: quando os pais -e professores também- permitem que a criança ou o adolescente tomem uma atitude por sua conta diante de um problema -ou pelo menos os encorajam a procurar fazer isso- estão, na verdade, transmitindo aos jovens a idéia de que acreditam que ele é capaz de fazer aquilo. Não é assim que eles ganham confiança para seguir em frente?
Mas creio que, por trás desse muitas vezes exagerado senso de proteção que leva os pais a tomarem uma série de atitudes em relação à vida do filho, há um julgamento: o de que o filho vai se dar mal, de que vai sofrer mais do que pode suportar, de que não vai aprender com o erro que porventura vier a cometer nem, muito menos, conseguir arcar com as consequências das decisões que tomar, de que não é competente para se virar. Isso tudo -vamos convir- não deve fazer bem a quem precisa alcançar autonomia num futuro bem próximo.
Todos os adultos, principalmente os que são pais, sabem que a vida não se passa num paraíso. Bem que gostaríamos que o mundo fosse melhor para os filhos, mas a realidade é que ainda temos de enfrentar muitos problemas. Talvez eles possam mudar muitas coisas com as quais não concordamos. Mas, para que essa possibilidade exista, precisamos deixar de subestimá-los tanto, não é mesmo?
Claro que isso não significa, nem de longe, abandoná-los e deixar que se virem sozinhos para enfrentar situações para as quais não estão, de fato, preparados. Mas é bom lembrar que, para que um dia estejam preparados para o que der e vier, precisam experimentar, arriscar, errar, decidir, escolher, sofrer frustrações e dissabores enquanto ainda estão sob nossa tutela e responsabilidade, pois, dessa maneira, podemos colaborar para o seu desenvolvimento, crescimento e aprendizagem. Se tirarmos deles essas oportunidades, eles demorarão muito mais a descobrir a vida como ela é.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo é Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


Texto Anterior: poucas e boas: Novas lentes de contato "corrigem" miopia
Próximo Texto: Capa 20.02
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.