UOL


São Paulo, quinta-feira, 20 de fevereiro de 2003
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

firme e forte

"Brincar" de circo alonga e fortalece o corpo

Flávio Florido/Folha Imagem
Aluna faz acrobacia de chão em aula no Projeto Acqua


RICARDO LISBÔA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Hoje tem acrobacia? Tem, sim, senhor. E tem também na academia? Tem, sim, senhor. Esse poderia ser o bordão das pessoas que estão largando a malhação tradicional, como musculação, esteira ou "spinning", para come çar a dar estrelinhas e cambalhotas para todos os lados. Trata-se das aulas de técnicas circenses, que já não se concentram só em picadeiros, mas fazem parte do cardápio de algumas das grandes academias de ginástica.
Corpos bem torneados e com flexibilidade de borracha são atrativos do circo há mais de mil anos. Mas só recentemente as academias de ginástica atentaram para a mistura de malhação e diversão que acontece naturalmente debaixo da lona.
A pioneira em São Paulo foi a Fórmula Academia, que há três anos oferece a aula de fitness acrobático, em que são usados trampolim, trapézio, cama elástica e barra paralela.
A ecologista Lígia Moura, 26, treina acrobacias de solo e malabares há um mês, no Projeto Acqua, e está empolgada: "Antes eu fazia os aparelhos de musculação, mas nada de ginástica localizada. Esse curso de circo tem um pouco de tudo, sem contar a força e a flexibilidade que já ganhei".
Seu parceiro de aulas, o estudante Yugo Hirai, 15, pratica há quatro meses e diz que o desejo de treinar técnicas de circo vem de quando era criança: "Eu via nos desenhos o que eles faziam e pensava: "Que animal!'".
Essa volta à infância fica ainda mais evidente quando se descobre os nomes dos exercícios. De repente, o aluno faz um elefantinho, para depois treinar um aviãozinho e acabar com um paradinho. Os diminutivos tomam conta. Mas o grandioso predomina quando se sai da academia e se vai às aulas nos galpões de treinamento de alguns dos circos espalhados pela cidade. Em geral, seus professores se assumem como integrantes do "novo circo" ou do "circo moderno", que tem como expoente maior o canadense Cirque du Soleil.


"A gente recebe aqui desde o cara que fez ginástica olímpica a vida inteira até o que não consegue dar uma cambalhota"
Ricardo Rodrigues, professor de técnicas circenses da Central do Circo

São espetáculos que unem circo, dança, música e teatro.
Na escola Central do Circo, o trabalho tem essa proposta, que é uma diferença que existe em relação aos exercícios dados nas academias. Não é mais a estética que é priorizada, mas a performance, a harmonia e os movimentos que ficam à frente.
Lá, como na Oz Academia Aérea, a maioria dos alunos quer se inserir no mundo circense e se profissionalizar. Mas o espaço é aberto a todos. "A gente recebe aqui desde o cara que fez ginástica olímpica a vida inteira até o que não consegue dar uma cambalhota", afirma o professor de técnicas circenses Ricardo Rodrigues, 27, da Central do Circo.
A exceção é a Companhia Cênica Nau de Ícaros, onde, segundo seu produtor, Sérgio Andrade, a maioria dos alunos não tem nenhuma pretensão de viver do circo.
A escola mais antiga, há 19 anos instalada em São Paulo, é a Circo Escola Picadeiro, que, como a maioria das demais, tem professores formados no circo. Os pretendentes a profissionais circenses, com carteirinha e tudo, devem se dirigir à Escola Nacional de Circo, no Rio de Janeiro, e passar por teste de aptidão para garantir o nome "artista" na carteira de trabalho.
Se deu vontade de colocar uma perna-de-pau ou de sair dando umas estrelinhas por aí, deve também ter surgido a dúvida: procuro a academia ou o circo?
As academias têm a vantagem de oferecer uma estrutura maior e atenção quase individual ao aluno. Os professores, em geral, não possuem a vivência de circo, mas trazem o conhecimento universitário das faculdades de educação física.
Nos circos, acima de tudo, há a aura do espaço, que remete de imediato ao caráter lúdico e espetacular e que só quem já trabalhou debaixo da lona colorida sabe transmitir.
"O circo nos conserva", diz Alice Medeiros, 61, sétima geração de família circense. Artista desde os quatro anos de idade, quando se apresentou pela primeira vez, ela diz ser hoje a única professora de São Paulo a dar aulas de andar sobre o fio de arame. Professora da Oz, conta que aprendeu a usar o aparelho escondida dos pais, aos cinco anos.
O trabalho em família ainda é uma tradição no circo, onde os conhecimentos são passados de pai para filho. Pois os novos adeptos também vão para o picadeiro aprender em família. "É pai, mãe e filho que vêm aqui para treinar", diz a diretora da Oz, Bel Toledo de Assumpção, 48.
Para poder vestir o "uniforme" -qualquer roupa confortável, que não prenda os movimentos- é só estar de bem com a saúde e preparado para, muito possivelmente, ganhar uma dezena de hematomas e outro tanto de calos nas mãos. As aulas podem até parecer brincadeira, mas não são moleza. Por isso quem tem qualquer problema de saúde deve consultar o médico antes. Do contrário, "contra o sucesso, não há argumento. Se o aluno não sente dor, seja no joelho, na coluna ou no cotovelo, não se pode ficar parando para consultar quem não aparenta ter problemas", diz Eduardo Puertas, chefe do Grupo de Colunas do Departamento de Ortopedia da Universidade Federal de São Paulo. E três vivas para o circo!


Texto Anterior: alecrim: Fruta sem época
Próximo Texto: O que se ganha no picadeiro
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.