São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 2006
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Beleza

Dez especialistas ouvidos pela Folha dizem que boa parte dos benefícios prometidos por fabricantes de cremes caríssimos não tem comprovação científica

A fórmula dos dermatologistas

IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

PATRÍCIA TRUDES DA VEIGA
EDITORA DE SUPLEMENTOS

TATIANA DINIZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Toda manhã, ao acordar, a empresária Carolina Correia Botelho, 31, lava o rosto com sabonete facial e, em seguida, passa loção adstringente, ambos franceses. Pinga algumas gotas de vitamina C no rosto: "Não vivo sem. A marca que eu uso [americana] está em falta na importadora, preciso descobrir outra para repor". Na seqüência, passa creme para a região dos olhos e hidratante para o rosto. Finaliza com protetor solar fator 30, que reaplica a cada quatro horas -"até a luz da tela do computador é prejudicial à pele", diz. No quesito cremes, ela não se contenta com poucos e básicos. Louca por cosméticos, tem um estoque de fazer inveja a qualquer boa perfumaria. E, embora essa fartura seja desejada por muitos, boa parte dos benefícios prometidos pelos fabricantes, segundo dez especialistas em dermatologia ouvidos pela Folha, pode não passar de conto-do-vigário.
Se você é daqueles que acreditam que o preço é diretamente proporcional à qualidade, está na hora de abrir os olhos e pensar duas vezes antes de enfiar a mão no bolso para pagar por cremes caríssimos que prometem o milagre da juventude eterna em um curto período de tempo. Sucumbir a esse tipo de apelo é, geralmente, pedir para ser enganado, afirmam, em coro, os especialistas.
A Folha ouviu dermatologistas e farmacêuticos de universidades e hospitais renomados sobre como escolher e utilizar filtros solares, hidratantes e cremes antienvelhecimento. Todos são unânimes em afirmar que os preços exorbitantes atribuídos a alguns cosméticos são pouco justificáveis e têm maior relação com fatores como grife e status do que com os benefícios que eles são capazes de proporcionar. Eles recomendam ainda um cuidado redobrado com a avalanche de novidades tentadoras, que prometem maravilhas como pele perfeita e rejuvenescimento instantâneo. E são categóricos: há muito mais propaganda do que efeito comprovado.


Sucumbir ao apelo de cremes que prometem o milagre da juventude eterna em um curto período de tempo é, geralmente, pedir para ser enganado

Os números do negócio da beleza não são baixos. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos, em 2005 o setor vendeu 1,3 milhão de toneladas e fechou o ano com faturamento de R$ 14,7 bilhões, 14,5% maior do que o observado em 2004. O crescimento é evidente: em 2000, o faturamento ficou em R$ 7,5 milhões.
Então, qual seria a maneira de cuidar da pele evitando o risco de ser extorquido? O primeiro passo, ensinam, é buscar a orientação de um profissional de confiança -e não necessariamente do dermatologista da moda que está nas revistas de beleza.
O segundo é ser sincero com esse profissional sobre o quanto você pode pagar pelo tratamento. O terceiro -mas não menos importante- é aprender a fuçar rótulos e a verificar se o produto que você está levando para casa contém as substâncias cujos efeitos já são comprovados pelos pesquisadores da área de dermatologia.
Unanimidade entre os especialista como eficaz no combate ao envelhecimento, o ácido retinóico -vendido apenas como medicação e com prescrição médica- está presente em fórmulas que custam em média R$ 20. Já seus derivados, os retinóis, podem ser encontrados em diversos cremes. Um cosmético antienvelhecimento pode ser comprado por preços que variam de R$ 25 a R$ 2.424.

VILÕES DAS RUGAS
Embora possa ser atenuado com o uso de cosméticos, o envelhecimento e o surgimento de rugas é em parte determinado pelos genes e fortemente influenciado pela exposição solar a que cada um se submete.
"A formação de rugas está relacionada à sensibilidade genética do indivíduo ao sol e ao tipo de exposição a que ele se submete -que depende muito do lugar em que ele vive. Na escala de tipos de pele, encontramos do tipo zero, o albino, ao seis, o negro. Um indivíduo claro e de olhos azuis que mora em Salvador, por exemplo, está no lugar errado para o seu tipo de pele. Mesmo que use todo o filtro solar do mundo, ele nunca vai ter a cor de um caiçara", diz Jayme de Oliveira Filho, doutor em dermatologia pela USP (Universidade de São Paulo) e chefe do departamento de cosmiatria da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia).
A receita para prevenir o envelhecimento inclui "evitar a exposição solar, ter boa nutrição e fazer exercícios diários", ensina Douglas Altechk, professor de dermatologia da Mount Sinai School of Medicine de Nova York e especialista em história da dermatologia. "O estresse é outro fator com um impacto negativo sobre o envelhecimento. Antioxidantes presentes em muitos alimentos ajudam na prevenção, mas é simplista demais pensar que eles podem reduzir o envelhecimentos sozinhos."
O cigarro também desempenha um papel de vilão no processo de envelhecimento. Isso ocorre porque uma das conseqüências do tabagismo é promover fissuras na pele, que aprofundam as rugas. "Nos fumantes, as rugas se tornam óbvias mais cedo", afirma John McGrath, professor de dermatologia molecular do King's College London e consultor-dermatologista do Saint John's Institute of Dermatology, em Londres.

ESTELIONATO DERMATOLÓGICO
Em um mundo em que, a todo momento, o apelo publicitário de um novo produto promete mil maravilhas para a sua pele, os especialistas apontam para o risco constante de engodos. Segundo eles, não faltam nas prateleiras fórmulas "milagrosas" que não contam com nenhum tipo de respaldo científico nem têm efeito comprovado. Eles alertam para o fato de que esse mercado é alimentado por consumidores que encaram a prevenção do envelhecimento de modo não-realista e acabam perdem a noção do quanto podem ser enganados.

Os componentes de um bom creme não são caros, o que os encarece são detalhes como a fragrância ou a embalagem; quase nada justifica que custe mais que R$ 60

"O culto esotérico e pseudocientífico à beleza é um fenômeno antigo. Ao longo do tempo, comerciantes prometeram a fonte da juventude e da beleza eterna. Pessoas motivadas a permanecer para sempre jovens são facilmente ludibriadas. E muitas delas adoram ser enganadas. Enquanto houver pessoas não-realistas, haverá cosméticos fraudulentos", analisa Douglas Altechk.
"Tem estúpido para comprar tudo neste mundo. Só que não dá para ir ao médico como quem vai a uma cartomante. Há quem pague caro para que um dermatologista picareta diga o que quer ouvir, para receber a receita do tratamento que viu na revista. Esse tipo de paciente reforça o estelionato dermatológico. Por isso há maus profissionais que investem R$ 30 mil em um serviço de assessoria de imprensa e, desse modo, vendem hoje o que bem querem", revela Jayme de Oliveira Filho.
"Não existe nenhuma espécie de reparo rápido capaz de conter os sinais de envelhecimento da pele. Mesmo assim, os "milagres" continuam a ser anunciados. Nos últimos três anos, vimos um boom de cremes prometendo efeito similar ao da toxina botulínica. Mas a verdade é que poucos desses produtos têm retaguarda científica", analisa John McGrath.

MÃO NO BOLSO
Depois de aprender a fugir dos elixires milagrosos, o próximo passo é assimilar que, em se tratando de cremes para o rosto e para o corpo, o efeito obtido por um produto que custa R$ 600 pode ser muito similar ao proporcionado por outro que custa R$ 30.
"Em geral, os [produtos] que apresentam resultado não precisam ser caríssimos. Os ácidos retinóicos e seus derivados [os retinóis], por exemplo, não são caríssimos e são efetivos", afirma Artur Duarte, pós-graduado em dermatologia pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia.
A variação dissonante de preços existe em parte porque muitos consumidores associam preço a qualidade. "Os componentes de um bom creme não são caros, o que os encarece são detalhes como a fragrância ou a embalagem. Cremes excelentes à base de ácido retinóico custam em torno de R$ 20. Quase nada justifica que um creme custe muito mais que R$ 60", esclarece Mônica Azulay, professora de dermatologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
"Para cuidar bem da pele, tem mesmo é que usar o cérebro. Uma dica simples é preferir os produtos que já existem há algum tempo. Quem vive sempre atrás de novidade passa por cobaia e sempre cai no conto-do-vigário", diz Jayme de Oliveira Filho.

PROTEÇÃO SOLAR
Se há um consenso absoluto como cuidado indispensável para a pele e atalho para retardar o envelhecimento, ele se chama proteção solar. Pesquisas apontam que muitos sinais há alguns anos chamados de "manchas da idade" são, na realidade, manchas de sol. Para dar início à prevenção ao fotoenvelhecimento, a regra é: quanto mais cedo, melhor. A partir dos seis meses de idade, bebês já podem utilizar filtros solares. Os que protegem contra as irradiações dos tipos UVA e UVB são os recomendados.
A freqüência de utilização é polêmica. "Um hidratante com filtro solar é recomendável todos os dias, pois os efeitos da radiação solar são cumulativos", explica Patrícia Campos, doutora em ciências farmacêuticas pela USP. "Se você trabalha em um escritório, não é necessário. Já um engenheiro que está exposto ao sol precisa", rebate Mônica Azulay, da UFRJ.
O fator de proteção deve ser entre 15 e 30. Aqui não vale a regra do quanto mais, melhor. Os especialistas ensinam que o incremento de proteção entre um filtro protetor de fator 30 e um de 60 fica entre 5% e 10%. O mais importante, esclarecem, é fazer as reaplicações de modo adequado.


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