São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 2006
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S.O.S. família

Formatura polêmica

Em meados de abril, muitos pais estão preocupados com o mês de outubro. É que seus filhos -que finalizam o ensino médio e alguns até o ensino fundamental- querem comemorar a formatura com uma viagem.
As agências, em geral, apresentam, na semana do feriado de outubro, a possibilidade de uma viagem até Porto Seguro (BA) -e esse destino quase que já se tornou tradição. Mas outras opções também são oferecidas.
Como recebi correspondências de alguns pais que não concordam com esse tipo de comemoração, vamos refletir a respeito. Já nos anos 90, essas viagens ocorriam. Pode ser que esse costume tenha começado um pouco antes, porque, até então, a formatura era comemorada com uma sessão solene e uma festa, um baile, um churrasco etc.
Não deixava de ser uma celebração pública, quase um ritual, de jovens que passavam de uma etapa da vida escolar para uma outra mais complexa, mais exigente. E, dessa comemoração, participavam as famílias, todas orgulhosas com o feito do filho, e a escola, que se despedia da convivência com aqueles alunos e dava como terminada a sua tarefa.
A partir de determinado momento, esse tipo de celebração foi perdendo o seu sentido social e ganhou contornos de ser "careta". Os adultos não mais se empenharam em testemunhar essa passagem dos filhos e dos alunos, e estes passaram a fazer a despedida dessa etapa apenas entre eles e, às vezes, com alguns poucos professores com os quais tinham relações menos formais e mais próximas. Mas, em geral, viajam desacompanhados mesmo, apenas com o pessoal da agência contratada.
Pouco a pouco, a farra foi se transformando em desforra: a viagem passou a ser, para muitos deles, uma oportunidade de se desprender de quase todas as regras, proibições, contenções e limites que fazem parte da vida, para viver alguns dias em total "liberdade". Claro que essa era a deixa para que todo tipo de excesso pudesse ocorrer.
Hoje, boa parte das escolas, com sabedoria, deixou de participar dessa história, mas, mesmo assim, os alunos, seduzidos e pressionados pelas agências, insistem em fazer a viagem. Sobrou para os pais: são estes que, sozinhos, terão de tomar a decisão de permitir ou não que o filho participe. E quem tem filho adolescente sabe muito bem que, quando eles querem algo, fazem de tudo para conseguir. A pressão sobre os pais é imensa.


A viagem passou a ser, para muitos jovens, uma oportunidade de se desprender de quase todas as regras, proibições, contenções e limites

Será que há algum sentido de despedida e de passagem nessas viagens? Não sei, não...
Em primeiro lugar, os alunos de uma classe não conseguem sequer estabelecer relações de coleguismo entre eles, ou seja, solidariedade e lealdade são atos que ocorrem sempre de forma oportunista. Na verdade, formam-se vários pequenos grupos em uma classe -e eles nem sempre se entendem. Há competição entre esses grupos ou duplas, há rivalidade, há conflitos nem sempre explicitados e trabalhados. Nisso, a escola tem falhado -e muito. Ela não sabe o que fazer para transformar um agrupamento de alunos em um grupo, em um coletivo.
Em segundo lugar, a reunião de muitos jovens e poucos adultos que com eles tenham alguma relação de autoridade e ascendência sempre é arriscada. Isso porque, por mais ajuizados e bem-educados que os adolescentes sejam, quando eles se juntam, fica muito mais fácil que eles entrem em situações de descontrole pessoal.
Claro que isso não significa que todas as viagens de todas as turmas não corram bem. Mas as chances de que eles façam coisas de que, mais tarde, eles mesmos possam se arrepender, é bem maior. Por isso entendo muito bem os pais que não concordam que os seus filhos participem de tal evento.
O problema é que tem sido bem difícil remar contra a maré, e nem todos pais que discordam dessa atividade conseguem se manifestar e se posicionar com firmeza, principalmente porque não querem desagradar os filhos.
Essa é uma das características da vida neste nosso mundo contemporâneo: cada pai e cada mãe têm, praticamente sozinhos, de tomar a decisão em relação aos rumos da educação e da vida de seus filhos. Quase não há consensos sociais a esse respeito. Por isso é preciso coragem e determinação para ser pai e mãe hoje, principalmente de jovens.
Talvez valha mais, nesses momentos, ter clareza a respeito do que os pais priorizam e consciência de que a vida não é feita apenas do aqui e do agora. A vida compreende também o passado e o que há de vir, mas a conjugação desses três tempos é uma responsabilidade dos pais até que os filhos possam viver por conta própria.

ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)
@ - roselysayao@folhasp.com.br



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