São Paulo, quinta-feira, 20 de junho de 2002
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alecrim

Paulistanos reaprendem a comer devagar

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Em São Paulo, a farinha de milho foi transformada em polenta pelos imigrantes italianos


TATIANA ACHCAR
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O Slow Food chega oficialmente à cidade onde quase tudo é "fast" -menos o trânsito. O primeiro encontro do convívio (nome dado às filiais do movimento) de São Paulo será realizado hoje, no restaurante Le Tan Tan, com uma programação que inclui palestras, bate-papo e, é claro, boa comida.

A capital paulista é a quarta cidade brasileira a abrigar o movimento. As outras são Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. Para os membros do Slow Food, a batalha contra a vida em ritmo acelerado começa à mesa, com a redescoberta da riqueza de aromas e sabores das cozinhas regionais. Por isso são criados os convívios. "A gastronomia está fundada no encontro, na reunião. Comer é um ótimo pretexto para se encontrar. Nós comemoramos comendo, é cultural", afirma Heloisa Mader, fundadora do convívio de São Paulo.
O jantar que inaugura a filial paulistana do movimento será bem temperado por três convidadas que falarão sobre o tema Comer e Aprender: a consultora gastronômica Margarida Nogueira, a historiadora Heloisa Liberalli Beloto e a psicanalista Daisy Justus.
"Queremos mostrar que a boa cozinha está na tradição culinária e cultural de cada povo e que sofisticação é justamente a autenticidade do prato", afirma Nogueira, fundadora do convívio carioca, o primeiro do Brasil.
A culinária brasileira tem forte influência portuguesa, mas essa não é a única. "Os portugueses trouxeram sal, açúcar, ovo, azeite e hortaliças. A influência indígena varia conforme a região, e a africana está restrita à Bahia. Mas é somente a partir do século 20, com as imigrações já definidas, que o país consolida suas características regionais", explica Beloto.
Em São Paulo, por exemplo, a imigração italiana foi decisiva para a mudança do perfil alimentar. Já a introdução do fast food, de acordo com a historiadora, foi "forçada". "McDonald's é atitude (de jovem) ou pura falta de opção. A cidade carece de pequenos restaurantes de comida caseira, mais saudável e de menor preço", diz ela.
Para Justus, que pesquisa o comportamento alimentar do brasileiro, o Slow Food ajuda a resgatar as tradições culinárias que mostram a verdadeira identidade do país. "Junto com o açúcar, o português trouxe a melancolia da saudade de sua terra. O africano trouxe o cozido, os temperos fortes e sua sedução, a alegria e a gargalhada na cozinha. O indígena, mais taciturno e arredio, nos deixou o assado de caças", diz.
Ela cita a teoria da cozinha relacional, do antropólogo brasileiro Roberto DaMatta. "A preferência nacional pelo cozido é fruto da nossa mistura de raças, cores e sabores. É o arroz com o feijão, e a farinha que une tudo isso. É o comer embolado."
Transformado em sede paulistana do Slow Food, o restaurante Le Tan Tan passa a manter nove pratos inspirados nessas tradições em seu cardápio permanente (leia uma das receitas na pág. ao lado). Selecionados por Margarida Nogueira, eles são identificados com o caracol, símbolo internacional do movimento. Além disso, o restaurante pretende promover mais debates como o de hoje.



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