São Paulo, quinta-feira, 20 de setembro de 2001
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

s.o.s. família

ROSELY SAYÃO

Madrasta não muda os rumos da educação

"Madrasta: como aprender a ser uma em dez lições?" Essa pergunta, brincalhona e ao mesmo tempo séria, veio de uma leitora que se casou com um homem divorciado e com filhos já crescidos, quase chegando à adolescência. A situação dessa leitora não é atípica nos dias atuais. Ao contrário, o divórcio e as separações judiciais possibilitaram o aparecimento de novas estruturas e configurações familiares, que se tornam cada vez mais frequentes em nossa sociedade.
É bom lembrar que essa mudança na constituição da família contribuiu bastante para o surgimento de um comentário muito repetido -quase sempre em situações de crise- por pessoas que trabalham com a educação de crianças e adolescentes: "a família está desestruturada, e os filhos pagam por isso".
O fato é que a estrutura tradicional e mais reconhecida de família -pai, mãe e filhos- perdeu a primazia, apenas isso. Hoje temos muitas famílias com padrões diferentes do modelo tradicional, e isso não significa necessariamente problemas na educação desses filhos. Aliás, a pergunta de nossa leitora mostra exatamente sua preocupação em encontrar uma boa forma de se relacionar com crianças que não são seus filhos e que vão conviver com ela, ou seja, o que ela busca é justamente encontrar a melhor maneira de construir uma nova estrutura familiar. Também não é nada atípica essa postura.
O papel da madrasta, entretanto, é delicado e ingrato. Antes de tudo, já vem a idéia, bem solidificada pelas histórias infantis, de que a madrasta é uma mulher que vai, mais cedo ou mais tarde, prejudicar o enteado. O início do relacionamento já começa, portanto, prejudicado por esse estereótipo, e é preciso, então, uma dose extra de bom senso e maturidade para que esse momento seja superado sem jogos de sedução. E depois disso?
O relacionamento futuro depende, em parte, do tipo de convivência que será estabelecido entre a nova mulher do pai e a criança. Em alguns casos, essa convivência acontece durante a maior parte do tempo da vida da criança e, em outros, apenas nos fins de semana e nas férias. Em ambos os casos, entretanto, a madrasta precisa entender que não é a mãe da criança e que nem pode pretender ocupar esse lugar. Se todos os adultos têm clareza dessa situação, a criança se sente menos ameaçada e mais confortável para se comportar de modo espontâneo com os membros da nova família. Aí é que se abre a possibilidade de surgirem os conflitos.
Normal. Afinal, qual é a família que não enfrenta conflitos? Se há convivência entre várias pessoas, há regras que precisam ser respeitadas; se há regras, há transgressões e conflitos. Além disso, também como em qualquer família, há diferenças no modo de conceber a educação das crianças. Nossa leitora, por exemplo, diz que não sabe o que fazer quando o marido age com os filhos de um modo com que ela não concorda. Aí mora um grande perigo: o de conflitos entre o novo casal serem deslocados para a relação da mulher com os filhos do marido.
A madrasta dificilmente vai conseguir mudar o rumo que tomou a educação dos filhos do marido, e é preciso aceitar esse limite. Se ela tem uma relação franca com o companheiro, pode tentar refletir com ele sobre a sua maneira de se relacionar com os filhos e de prepará-los para a vida. Além disso, deve deixar claras as regras familiares e se empenhar para que elas sejam respeitadas por todos na casa. E encorajar o marido para que ele faça o mesmo.
É assim, enfrentando os limites de seu papel - ora para acatá-los, ora para superá-los-, suportando os desentendimentos do dia-a-dia com paciência, investindo no diálogo com o marido e mantendo sempre uma posição adulta, que a madrasta pode colaborar com a formação dos filhos do marido. Isso não é pouco e não se aprende em dez lições, o que nossa leitora bem-humorada já sabia de antemão. Sinal de que ela se dispõe a aprender com a experiência, e esse é o melhor caminho. Como em qualquer família.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


Texto Anterior: Quem é ele
Próximo Texto: Alecrim: Mandioca expulsa coco e dá um show
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.