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Recasamentos, pai tirano ou filho ovelha negra são fontes de crise que podem ser reconhecidas durante terapia familiar
Família no divã identifica causa de conflitos
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Marquinhos é filho de Roberto, que havia sido casado com Dulce,
com quem teve uma filha antes de se casar com Renata, a mãe de
Marquinhos, que agora está casada com Fico e com o qual tem dois filhos, os dois irmãozinhos de Marquinhos, que tem ainda três irmãos
tortos, os filhos da atual mulher do pai com o primeiro marido. O Marquinhos pode não ter problemas em se entender com essa ampla rede
familiar, mas quem está de fora pode
achar a história um rolo só.
"Se antigamente tínhamos a crise
dos sete anos de casamento, hoje ela
virou crise dos sete meses", brinca a
psicóloga Magdalena Ramos, coordenadora do Núcleo de Terapia de
Casal e Família da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). "Tornou-se comum esses casais
se separarem e formarem novos grupos familiares. Até que a sociedade se
acostume aos novos padrões, muita
angústia e ansiedade vão fazer parte
da vida dessas pessoas."
Os recasamentos têm atraído um
número cada vez maior de pessoas às
clínicas de terapia familiar, diz a presidente da Associação Paulista de Terapia Familiar (APTF), a psicóloga
Eliete Belfort Mattos. "A crise nas
chamadas famílias tradicionais (pai,
mãe e filhos em um mesmo lar) deixa
as pessoas confusas sobre o modelo
ideal de família, que, na verdade, nem
existe mais. Estamos passando por
um momento de transformação social", diz ela.
Os números comprovam. Hoje, um
em cada quatro casais se divorcia no
Brasil. Um número alto, mas menor
do que o registrado em países mais
desenvolvidos. Nos Estados Unidos,
por exemplo, essa taxa é de quase
50%. Ao mesmo tempo, o número de
uniões legais despenca: 25% a menos
na última década, no Brasil. Estima-se que, nos próximos 20 anos, o conceito pai, mãe e filhos em uma única
união estável passe a ser minoria entre as famílias.
Surgida na década de 50, nos Estados Unidos e na Inglaterra, a terapia
familiar trata as relações entre os
membros da família para tornar sua
convivência mais harmoniosa. "Procuramos melhorar os canais de comunicação dentro do núcleo para eliminar sentimentos de culpa e amenizar perdas, traumas e confusões causados por eventos específicos dentro
da família", explica Eliete Mattos.
A história do casal João Pedro e Maria Cecília, que não quiseram ter seus
nomes verdadeiros publicados, é um
exemplo. Desde que começaram a se
desentender, discutindo com frequência dentro de casa, um dos filhos
do casal, Marcelo, ainda na pré-escola, começou a ter problemas de
aprendizagem. Quando os pais decidiram se separar, a situação piorou. O
menino ficou ameaçado de não conseguir entrar no ensino fundamental
por sua recusa em aprender a ler. Os
pais resolveram, então, procurar ajuda especializada. "Para ele, aprender
a ler era entrar naquele mundo cheio
de brigas dos adultos", lembra a terapeuta familiar e de casal Adriana Carbone.
As sessões que a família frequentou
contaram com a participação de diversos grupos de parentes. Em um
momento, só Marcelo e a irmã participaram. Em outros, os dois filhos e a
mãe foram convocados. Os encontros
das crianças com o pai ocorreram depois. Em seguida, chegou a vez dos
avós paternos, dos maternos e dos
tios mais presentes na vida do menino. "Com a desintegração do núcleo
familiar (pai, mãe e filhos), era fundamental que os laços entre cada um
dos sistemas restantes fossem fortalecidos", diz Carbone.
"No final, não só Marcelo conseguiu entrar na escola como todos os
outros parentes que não aceitavam a
separação do casal passaram a conviver com a nova situação com mais
tranquilidade", afirma a terapeuta.
É mais complexo tratar das famílias
compostas de recasamentos e irmãos,
primos e tios de todos os lados do que
das famílias tradicionais. "Em geral,
nesse tipo de situação o que dá mais
trabalho é o ciúme nas relações. Os filhos biológicos, por exemplo, tendem
a ter mais regalias que os enteados, o
que causa tensão entre eles. Outra coisa muito comum é a rejeição dos enteados ao novo pai ou à nova mãe,
mesmo que não recebam tratamento
diferente do dado aos filhos. Eles passam o tempo todo estimulando o ciúme do padrasto ou da madrasta, evocando momentos felizes da relação
anterior na frente dele, por exemplo",
diz a terapeuta familiar Magdalena
Ramos.
Entre as novas relações familiares
atendidas nas clínicas especializadas,
há a dos casais homossexuais. "Como
o reconhecimento social dos casais
homossexuais é um evento novo, há
ainda poucos estudos acerca dessas
relações familiares. Mas pode-se dizer
que o principal problema é o filho
-seja natural, de antes da união homossexual, ou adotado- não aceitar
a relação dos pais", diz Ramos. Como
a sociedade é ainda muito preconceituosa, maldosa mesmo, nesses casos,
o filho acaba estigmatizado pelos
amigos, por exemplo, diz ela.
Mas todas as configurações possíveis podem resultar em lares completamente harmônicos. "Uma vez entendido que a família é um grupo de
pessoas que têm um compromisso de
afetividade e apoio entre si, com laços
de sangue ou não", afirma a psicóloga
Maria Tereza Maldonado, membro
da Academia Americana de Terapia
Familiar. "Isso vale tanto para casais
que se separam e recasam múltiplas
vezes até para casais homossexuais
que adotam um filho, passando por
núcleos uniparentais (apenas um dos
pais criando os filhos)."
Leia ao lado e na página 8 como é
feita a terapia familiar e quando as famílias devem procurar ajuda.
(TIAGO DÉCIMO)
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