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São Paulo, quinta-feira, 20 de novembro de 2003
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Recasamentos, pai tirano ou filho ovelha negra são fontes de crise que podem ser reconhecidas durante terapia familiar

Família no divã identifica causa de conflitos

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Marquinhos é filho de Roberto, que havia sido casado com Dulce, com quem teve uma filha antes de se casar com Renata, a mãe de Marquinhos, que agora está casada com Fico e com o qual tem dois filhos, os dois irmãozinhos de Marquinhos, que tem ainda três irmãos tortos, os filhos da atual mulher do pai com o primeiro marido. O Marquinhos pode não ter problemas em se entender com essa ampla rede familiar, mas quem está de fora pode achar a história um rolo só.
"Se antigamente tínhamos a crise dos sete anos de casamento, hoje ela virou crise dos sete meses", brinca a psicóloga Magdalena Ramos, coordenadora do Núcleo de Terapia de Casal e Família da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). "Tornou-se comum esses casais se separarem e formarem novos grupos familiares. Até que a sociedade se acostume aos novos padrões, muita angústia e ansiedade vão fazer parte da vida dessas pessoas."
Os recasamentos têm atraído um número cada vez maior de pessoas às clínicas de terapia familiar, diz a presidente da Associação Paulista de Terapia Familiar (APTF), a psicóloga Eliete Belfort Mattos. "A crise nas chamadas famílias tradicionais (pai, mãe e filhos em um mesmo lar) deixa as pessoas confusas sobre o modelo ideal de família, que, na verdade, nem existe mais. Estamos passando por um momento de transformação social", diz ela.
Os números comprovam. Hoje, um em cada quatro casais se divorcia no Brasil. Um número alto, mas menor do que o registrado em países mais desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa taxa é de quase 50%. Ao mesmo tempo, o número de uniões legais despenca: 25% a menos na última década, no Brasil. Estima-se que, nos próximos 20 anos, o conceito pai, mãe e filhos em uma única união estável passe a ser minoria entre as famílias.
Surgida na década de 50, nos Estados Unidos e na Inglaterra, a terapia familiar trata as relações entre os membros da família para tornar sua convivência mais harmoniosa. "Procuramos melhorar os canais de comunicação dentro do núcleo para eliminar sentimentos de culpa e amenizar perdas, traumas e confusões causados por eventos específicos dentro da família", explica Eliete Mattos.
A história do casal João Pedro e Maria Cecília, que não quiseram ter seus nomes verdadeiros publicados, é um exemplo. Desde que começaram a se desentender, discutindo com frequência dentro de casa, um dos filhos do casal, Marcelo, ainda na pré-escola, começou a ter problemas de aprendizagem. Quando os pais decidiram se separar, a situação piorou. O menino ficou ameaçado de não conseguir entrar no ensino fundamental por sua recusa em aprender a ler. Os pais resolveram, então, procurar ajuda especializada. "Para ele, aprender a ler era entrar naquele mundo cheio de brigas dos adultos", lembra a terapeuta familiar e de casal Adriana Carbone.
As sessões que a família frequentou contaram com a participação de diversos grupos de parentes. Em um momento, só Marcelo e a irmã participaram. Em outros, os dois filhos e a mãe foram convocados. Os encontros das crianças com o pai ocorreram depois. Em seguida, chegou a vez dos avós paternos, dos maternos e dos tios mais presentes na vida do menino. "Com a desintegração do núcleo familiar (pai, mãe e filhos), era fundamental que os laços entre cada um dos sistemas restantes fossem fortalecidos", diz Carbone.
"No final, não só Marcelo conseguiu entrar na escola como todos os outros parentes que não aceitavam a separação do casal passaram a conviver com a nova situação com mais tranquilidade", afirma a terapeuta.
É mais complexo tratar das famílias compostas de recasamentos e irmãos, primos e tios de todos os lados do que das famílias tradicionais. "Em geral, nesse tipo de situação o que dá mais trabalho é o ciúme nas relações. Os filhos biológicos, por exemplo, tendem a ter mais regalias que os enteados, o que causa tensão entre eles. Outra coisa muito comum é a rejeição dos enteados ao novo pai ou à nova mãe, mesmo que não recebam tratamento diferente do dado aos filhos. Eles passam o tempo todo estimulando o ciúme do padrasto ou da madrasta, evocando momentos felizes da relação anterior na frente dele, por exemplo", diz a terapeuta familiar Magdalena Ramos.
Entre as novas relações familiares atendidas nas clínicas especializadas, há a dos casais homossexuais. "Como o reconhecimento social dos casais homossexuais é um evento novo, há ainda poucos estudos acerca dessas relações familiares. Mas pode-se dizer que o principal problema é o filho -seja natural, de antes da união homossexual, ou adotado- não aceitar a relação dos pais", diz Ramos. Como a sociedade é ainda muito preconceituosa, maldosa mesmo, nesses casos, o filho acaba estigmatizado pelos amigos, por exemplo, diz ela.
Mas todas as configurações possíveis podem resultar em lares completamente harmônicos. "Uma vez entendido que a família é um grupo de pessoas que têm um compromisso de afetividade e apoio entre si, com laços de sangue ou não", afirma a psicóloga Maria Tereza Maldonado, membro da Academia Americana de Terapia Familiar. "Isso vale tanto para casais que se separam e recasam múltiplas vezes até para casais homossexuais que adotam um filho, passando por núcleos uniparentais (apenas um dos pais criando os filhos)."
Leia ao lado e na página 8 como é feita a terapia familiar e quando as famílias devem procurar ajuda. (TIAGO DÉCIMO)


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