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São Paulo, quinta-feira, 20 de novembro de 2003
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Como é a terapia

Os pais não entendiam, mas Paula insistia em chateá-los. Provocava-os o tempo todo: corria quando eles pediam para ela parar, falava quando era para ficar quieta. Resolveram procurar ajuda psicológica. "Ela estava, na verdade, tentando provocar a união entre os pais, que brigavam com frequência", diz a terapeuta familiar Maria Rita Seixas, coordenadora do curso de terapia familiar da Unifesp. "Enquanto brigavam com ela, eles estavam unidos, compartilhando da mesma opinião."
A conclusão veio à tona depois que a terapeuta usou a técnica conhecida como sociodramatização familiar, em que os participantes são convidados a encenar situações. "Ela serve para que todos os integrantes percebam, fisicamente, como estão as relações familiares", diz a psicóloga. "No caso, pedimos para ela imaginar os pais como móveis e que os distribuísse pela sala. Ela os colocou lado a lado e pôs a cabeça no meio. Na hora, a mãe entendeu o recado."
A sociodramatização é um dos instrumentos usados pelos terapeutas para levar os participantes a identificarem os problemas em suas relações. "O terapeuta não aponta os problemas. É a família que descobre o que há de errado e as formas de melhorar a relação", diz a terapeuta Eliete Belfort Mattos. "Isso só se consegue abrindo os canais de comunicação entre os integrantes. Os terapeutas são facilitadores do diálogo."
O processo sempre começa com uma avaliação do caso. A família diz ao terapeuta o que considera o problema. "É ele quem decide se o caso é para terapia familiar, individual ou se nem é o caso de terapia", diz Maldonado.
Durante o processo, o terapeuta tenta identificar quais os comportamentos-padrão de cada membro da família, os conflitos entre os membros, o papel de cada um naquele grupo e como os desejos de cada um se manifestam, diz a psicóloga Maria Angelina França.
Até a disposição física das pessoas no consultório facilita essa análise: quem senta perto de quem, quem assume o lugar de liderança (a cadeira mais alta, a poltrona mais confortável).
Existem alguns problemas identificados nos casos de famílias em conflito que são clássicos. Alguns deles são o pai autoritário, a mãe omissa e o filho problema, diz a psicóloga Angelina França. O filho problema, a "ovelha negra", é chamado pelos terapeutas de elemento emergente. "É aquele que parece ser a raiz de todos os problemas da família, o que detona os conflitos", diz França.
E uma das tarefas da terapia familiar é mostrar que o elemento emergente não é "culpado" por tudo. Aliás, que ninguém é culpado por nada. O que existe são responsabilidades. "Não existe culpa porque, na origem daquele comportamento, não existe intenção de agredir ou magoar", afirma França. A pessoa começa a agir de determinada forma para se defender e, ao longo do tempo, esse comportamento transforma-se em um padrão.
A partir do momento em que o terapeuta entende a dinâmica da família, ele começa a interferir para "quebrar" os padrões de comportamento, para tirar o foco do elemento emergente e, assim, mostrar que cada pessoa promove sentimentos nos outros que não são conscientes e que cada um tem seus defeitos e suas qualidades e não pode ser "crucificado" por isso, diz França.
Assim, o terapeuta está trabalhando em prol do principal objetivo da terapia familiar de base psicanalítica, que é apontar os conflitos existentes (ajudando a conviver melhor com eles) e sensibilizar aquelas pessoas a procurar ajuda individualmente, para resolver seus próprios conflitos.
De acordo com a necessidade, procura-se ouvir o maior número possível de integrantes que tenham relação relevante com os pacientes. Os pais do casal, por exemplo, costumam ser bastante chamados. "Eles, em geral, passam muito tempo presentes na criação e no desenvolvimento da família", diz Maria Rita Seixas.
Está se tornando comum também as terapias ultrapassarem os limites do parentesco. "Na terapia em rede, cercamos também todos os elementos externos que interferem no funcionamento do núcleo. Professor, babá, funcionária doméstica. Dependendo do caso, chamamos, com a autorização da família, todos para darem sua contribuição", afirma a terapeuta.
Mas não é função da terapia familiar "fuçar" os aspectos mais íntimos de cada um; isso só pode ser feito em terapia individual, diz França. Portanto a intimidade de cada membro só será exposta à medida que aquela pessoa permitir e se afetar toda a família.


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