São Paulo, quinta-feira, 21 de julho de 2005
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Fitness

Correr faz bem para o corpo e para a mente, mas é preciso ter orientação de um educador físico e de um médico

Velocidade máxima

MARCOS DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma pista, uma rua, um parque. Um par de tênis. Um passo após o outro. Nenhum esporte é mais simples e independente do que a corrida. Talvez seja essa a razão para o número de adeptos da prática ter aumentado consideravelmente nos últimos anos. Além dos já conhecidos benefícios para a saúde -principalmente para o bom funcionamento do coração-, a corrida também é procurada para aliviar o estresse, a depressão e a ansiedade. Segundo os praticantes, correr ainda pode ser um ótimo meio para fazer novos amigos.
Embora exija poucos recursos, a prática deve ter acompanhamento médico e orientação de um educador físico para que os benefícios não dêem lugar a lesões em músculos, tendões e articulações ou, em casos mais graves, a uma parada cardíaca. Confira a seguir os principais cuidados, desde a escolha do tênis até a maneira correta de alongar o corpo.
De acordo com o médico Marcelo Babogh-luian, especialista em medicina esportiva e diretor clínico do Projeto Marazul - Instituto de Medicina Esportiva, em São Paulo, as pessoas que fazem atividades físicas são mais felizes e saudáveis.
"A corrida tem vários aspectos positivos, entre eles, a facilidade da adesão. Não precisa de academia, equipamentos e parceiros. Quem começa a correr pega gosto, fica engajado por anos", diz o médico.


A maior associação de corredores da América Latina registrou 100 mil novos corredores em dez anos


É o que aparece nos números da Corpore -Corredores Paulistas Associados, a maior associação de corredores da América Latina, que teve 100 mil novos corredores cadastrados nos últimos dez anos. Segundo a associação, o número de cadastrados tem um crescimento médio de 35% ao ano.
"Nossa primeira corrida teve 150 participantes. Hoje as nossas maiores provas atingem 12 mil pessoas. E a maioria não tem mais participantes porque as ruas não permitem", afirma David Cytrynowicz, 58, presidente da entidade, que não tem fins lucrativos.
Na 10ª edição da Corrida Centro Histórico Bovespa OAB, organizada pela Corpore, 6.000 inscrições foram esgotadas em 12 dias. A prática também tem feito sucesso entre as crianças. A mais recente prova infanto-juvenil da Corpore contou com 2.000 participantes de quatro a 15 anos. A concentração maior era de crianças de quatro a oito anos.
Cytrynowicz acredita que o que impulsiona esse crescimento da procura pelo esporte, além da manutenção do peso e da condição física, é o convívio social gerado pela corrida.
Foi o que motivou a dentista Fernanda Cepera, 26, que corre duas vezes por semana. Depois de iniciar o treino dentro da academia, para melhorar o condicionamento físico, ela passou a correr na rua.
"Corro com um pessoal. Além de trabalhar o corpo, a gente conversa. Nas provas e maratonas, eu encontro bastante gente. Fiz novos amigos", diz.


"Imagine você com você durante quatro horas. É um bom papo", diz o empresário e consultor Marcos Aranha


O empresário e consultor de desenvolvimento humano Marcos Aranha, 45, vai mais longe. Ele acredita que a corrida pode ser um meio de autoconhecimento. "O corredor passa por processos de mudanças hormonais que possibilitam transformações de emoções e pensamentos. A partir daí, dá para fazer um trabalho de reflexão. Imagine você com você durante quatro horas. É um bom papo", afirma Aranha.
Professor aposentado e diretor de uma escola infantil, Oracy Gorski Damaceno, 59, começou a correr há cinco anos, depois da morte de sua mulher. "Fiquei sozinho e correr foi como uma auto-análise, uma válvula de escape. Não corro para competir. A competição que tenho é comigo mesmo, para melhorar meu condicionamento", diz.
Segundo ele, mais difícil que correr 15 km é ter disposição para estar sozinho num domingo, sete horas da manhã, de short e tênis, pronto para correr. "Dá uma preguiça, mas, a partir do momento em que está lá, o mais difícil você já fez. Uma vez vi uma senhora de 72 anos correndo. Isso dá um estímulo muito grande", afirma.
Para ele, correr é uma forma de organizar o pensamento. "Nesse último fim de semana, fui para a praia e corri duas horas e 38 minutos. Durante esse tempo, o que eu faço? Penso. A partir do momento em que começo a correr, o pensamento vai se organizando. Parece um filme que passa dentro da minha cabeça", afirma o educador, que, muitas vezes, sai com os amigos à meia-noite para treinar o circuito da São Silvestre, em São Paulo. "A cidade fica mais tranqüila nesse horário", diz.

CORRIDA CORPORATIVA
A corrida também está se tornando uma ferramenta para prevenir o estresse e aumentar a produtividade em empresas. No próximo dia sete de agosto, acontece a primeira corrida entre empresas do país, a Corporate Run, no Joquey Clube de São Paulo. O evento conta com mais de 300 empresas inscritas e cerca de 1.500 participantes.
A analista comercial Carolina Preto, 23, já está treinando há dois meses para participar dessa competição. "Meus amigos da empresa já corriam e me convidaram", afirma ela, que já está na marca dos nove quilômetros.
"No começo não treinava por distância. O resultado estético e de saúde é muito rápido. A gente emagrece, fortalece os músculos e aumenta a capacidade respiratória e cardíaca. Me sinto mais disposta e, quanto mais corro, mais vontade tenho de correr. Quero ir além, ultrapassar meu limite", afirma.


A corrida ajuda a queimar as gorduras intra-abdominais, que estão relacionadas ao infarto e às doenças coronarianas


O fisioterapeuta e professor de educação física Marcus Vinícius Gomes trabalha em uma clínica no Rio de Janeiro que utiliza a corrida especialmente para prevenção de estresse. Após a jornada de trabalho, um grupo de funcionários se encontra numa tenda na lagoa Rodrigo de Freitas e começa o treino.
"A empresa banca os exames de todo o pessoal, e cada um tem sua própria planilha de treino. A idéia das empresas é aumentar a produtividade e diminuir a visita dos funcionários ao médico", afirma o fisioterapeuta, que também trabalha com pessoas com depressão e síndrome do pânico.
"Muitas vezes atendo pacientes que estão saindo de uma internação. Para esse tipo de gente, trabalhamos com metas menores. A corrida aumenta muito a auto-estima. Dizem que a liberação de endorfina [neurotransmissor relacionado com a sensação de bem-estar] gera prazer", afirma Gomes.
Segundo o médico Paulo Zogaib, fisiologista do exercício da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e especialista em medicina esportiva, o exercício desencadeia a ação de dois tipos de endorfina: um de ação periférica, que age como analgésico e antiinflamatório naturais na musculatura e nos tendões; e outro de ação central, que produz um efeito relaxante, ansiolítico e antidepressivo.
A cardiologista Luciana de Matos, responsável pelo Ambulatório de Cardiologia do Exercício e Esporte do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo, afirma que essa liberação de endorfina gera um "vício". "Depois que a pessoa começa a correr, não consegue ficar sem, quer abaixar tempo, se superar", afirma a médica.
A cardiologista acredita que o mais importante é saber qual é o objetivo da corrida. "Muitas vezes, tenho que diminuir o treinamento. A pessoa chega com queixa de cansaço porque treina de forma incompatível com a vida que leva no dia-a-dia", afirma. Segundo ela, quem está se exercitando só para conseguir uma manutenção da saúde não precisa treinar como um atleta. "Muitas vezes, a pessoa tolera treinar numa freqüência cardíaca muito alta. Isso não serve se o objetivo é melhorar a saúde", diz.

AMADOR VERSUS ATLETA
A confusão entre atleta e praticante não é rara, mesmo porque um dos grandes motivadores da corrida é ultrapassar limites. "Não é para ficar tomando bebidas isotônicas como refrigerante. Isso é só para quem faz uma atividade física intensa, para quem corre numa freqüência cardíaca elevada por uma hora ou mais", alerta o médico Marcelo Baboghluian. O carboidrato em gel, outra moda entre corredores, também só deve ser usado em treinamentos muito rigorosos.
Outra mania de amadores é a de querer usar tênis de corredor profissional, geralmente mais leves e com solado mais baixo. Isso é perigoso, segundo o professor de educação física Norton de Freitas, especialista em biomecânica, que estuda o tipo de pé, de pisada e de movimento que o corpo faz para executar o exercício. A corrida urbana, normalmente realizada sobre o asfalto ou no calçadão, tem mais impacto para o pé e para a musculatura e exige mais cuidados com a escolha do tênis.
Segundo ele, é importante saber se a pessoa é hiperpronadora (pisa com o pé para dentro), supinadora (pisa com o pé para fora) ou neutra (tem "a mecânica do pisar bem certa"). "A partir dessas informações, é possível fazer uma escolha individualizada", afirma.

RISCOS E BENEFÍCIOS
"A corrida estressa o corpo inteiro, exigindo das estruturas musculares e das articulações um grande esforço. Isso estimula o fortalecimento dessas estruturas", afirma o médico Paulo Zogaib.
Segundo ele, a corrida ajuda a queimar as gorduras intra-abdominais. "É a pior gordura que existe, a que mais está relacionada ao infarto e às doenças coronarianas."
Para a fisiatra Julia Greve, professora de avaliação funcional do movimento da Faculdade de Medicina da USP, se a pessoa é uma "sedentária convicta", deve começar com uma atividade moderada, como as caminhadas. "Quem está começando não deve correr todos os dias nem se preocupar com grandes distâncias e tempos", diz.
A cardiologista do Incor Luciana de Matos afirma que a corrida funciona muito bem para prevenir doenças cardíacas. Por outro lado, se a pessoa tem uma doença cardíaca e não sabe, a corrida pode aumentar cem vezes o risco de um infarto. "A avaliação obrigatória antes do exercício deveria ser lei no Brasil."


Texto Anterior: Beleza: Depilação masculina
Próximo Texto: Domínio do corpo: Acessórios ajudam a prevenir lesões na prática da ioga
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.