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Muitos convivem com o distúrbio sem saber e só descobrem que
são disléxicos quando o problema é diagnosticado em seus filhos
Dislexia afeta leitura, escrita e auto-estima
JULIANA DORETTO - FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Eu queria voltar para a pré-escola." Foi
assim que a assessora de comunicação
Maria Eugênia Ianhez, 34, reagiu quando descobriu, aos 27 anos, que sofria de dislexia, distúrbio que provoca dificuldades na leitura e na
escrita. "Sei que tudo seria diferente. Não passaria pelos constrangimentos que vivi porque
saberia como enfrentar minhas limitações."
A dislexia manifesta-se durante a alfabetização, mas nem sempre as escolas conseguem
detectar os sintomas do distúrbio. Resultado:
assim como Maria Eugênia, milhares de pessoas passam a infância e a adolescência sem
conseguir ler um livro até o fim. Pior: sem saber por que isso acontece ou atribuindo a dificuldade à incapacidade intelectual. "O colégio
era ruim em todos os momentos, porque eu
achava que meu Q.I. era inferior ao normal",
lembra Maria Eugênia.
O disléxico tem dificuldade para correlacionar sons e sinais gráficos, o que afeta a alfabetização. Não se sabe o que causa a dislexia, mas
já foi constatado que esse distúrbio mental
-que não deve ser confundido com uma
doença- é hereditário e congênito. A incidência difere de acordo com o sexo: para cada
três homens disléxicos, há só uma mulher.
"No disléxico, a "idade" de leitura pode ser
até dois anos inferior à idade cronológica", explica Mauro Muszkat, neurologista infantil da
Unifesp. Esse déficit se traduz em dificuldade
e demora para ler e em letra ruim e erros ortográficos ao escrever: omissão e troca de letras
-como "b" por "d" e "m" por "n" (por terem
grafias parecidas) ou "s" por "z" e "p" por "b"
(pelo som semelhante)- e espelhamento (escrever "los" em vez de "sol"), por exemplo.
Muitas vezes, pais e filhos descobrem simultaneamente que sofrem de dislexia. João Alberto Ianhez, 63, pai de Maria Eugênia, só conseguiu entender suas dificuldades e as da filha
quando ele já estava com 50 anos. "Sentia que
eu era diferente dos outros, mas não sabia por
quê. Na infância, a dificuldade era motivo de
gozação e isso provocava retração e timidez",
diz. A causa desses problemas foi identificada
quando ele fez um trabalho voluntário para a
ABD (Associação Brasileira de Dislexia).
Em alguns casos, o alerta parte da escola do
filho. Quando Felipe Alberto tinha 11 anos, a
coordenação pedagógica do colégio onde ele
estudava orientou sua mãe, Rosemari Marquetti de Mello, 41, fotógrafa, a procurar a
ABD. Conversando com as psicólogas da associação, ela percebeu que apresentava as
mesmas dificuldades de leitura e escrita do filho. A partir do diagnóstico, Rosemari procurou incentivá-lo a fazer atividades que lhe proporcionassem prazer e aumentassem sua auto-estima. Felipe, hoje com 16 anos, tem uma
banda de rock e toca bateria, guitarra, violão e
cavaquinho. "A maior dificuldade do disléxico não é não conseguir ler e escrever, e sim a
auto-estima rebaixada", afirma Rosemari.
Não há cura para a dislexia, mas o distúrbio
pode ser tratado com a ajuda de fonoaudiólogos e psicoterapeutas. "O tratamento fará com
que a pessoa aprenda estratégias para ler mais
rapidamente e com prazer", afirma Mauro
Spinelli, foniatra (especialista em problemas
da linguagem oral e escrita) da PUC-SP.
Luis Celso Vilanova, chefe do setor de neurologia da Unifesp, explica que é feito um trabalho de reabilitação. Os especialistas corrigem as dificuldades ortográficas e oferecem
outras opções de alfabetização para que a pessoa possa ler e escrever normalmente.
Mas, mesmo sem acompanhamento, o disléxico pode criar estratégias para driblar o
problema da aprendizagem -usando os sentidos da audição, visão e tato, afirma Vilanova.
E, na vida adulta, ele pode escolher profissões
em que a escrita não seja muito importante.
O cirurgião-dentista Adriano van Helden,
37, conseguiu terminar a faculdade usando recursos que ele mesmo desenvolveu. "Eu não
conseguia estudar em casa porque tinha de ler
o mesmo parágrafo quatro ou cinco vezes para entendê-lo", lembra. Depois de quase desistir do curso, ele descobriu uma saída: "Comecei a repetir em casa, exaustivamente, todos os
procedimentos que aprendia nas aulas".
Van Helden não sabia que a causa de suas
dificuldades era a dislexia. Ele só descobriu
que tem o distúrbio há seis meses, quando seu
filho de dez anos foi diagnosticado como disléxico. "Percebi que o que ocorre com o meu
filho também acontece comigo."
Segundo a Associação Internacional de Dislexia, o problema afeta de 10% a 15% da população mundial. Os especialistas brasileiros, porém, são mais cautelosos com os números.
Mauro Muszkat, da Unifesp, acredita que apenas cerca de 5% da população, em fase escolar,
sofra do distúrbio. Já o foniatra Mauro Spinelli
estima que esse percentual não seja superior a
1%. Para ele, percentuais maiores são gerados
por avaliações menos cuidadosas, que não levam em conta problemas emocionais, auditivos e visuais que também podem gerar dificuldades na alfabetização.
Para excluir esses outros fatores, o diagnóstico deve envolver uma equipe multidisciplinar -fonoaudiólogo, psicopedagogo, pediatra, neurologista e psicólogo. A avaliação só
pode ser feita após os sete anos, fase em que a
criança começa a se alfabetizar e já está madura neurologicamente. Mas, antes disso, na pré-escola, os pais já podem ficar atentos, principalmente se um deles é disléxico: há sinais que
indicam se a criança tem propensão a desenvolver o distúrbio.
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