São Paulo, quinta-feira, 22 de fevereiro de 2001
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s.o.s. família

A solidão vivida a dois pode ser evitada

ROSELY SAYÃO

Tenho um amigo que diz que a década de 90 caracterizou-se pela solidão das pessoas. Solidão vivida por pessoas sempre rodeada de outras, solidão vivida a dois. Solidão que poderia ser amenizada se o diálogo e a tolerância pudessem fazer parte da vida. Mas como tem sido difícil dialogar, escutar, tolerar, conviver!
No início do relacionamento de um casal, o encantamento é o que impera: um se encanta com a aparência do outro, com a maneira como o outro fala, com o jeito como o outro pensa, com a forma como vê o mundo e enfrenta a vida. Enfim, o encanto dirige o olhar para as qualidades e o desvia dos defeitos. A relação se mantém por causa daquelas qualidades, e é por elas que as diferenças são relevadas, os conflitos, apaziguados.
Mas o encantamento um dia termina, e, para muitos casais, essa é a hora do pesadelo: saem as qualidades, entram em cena os defeitos. Se, antes, cada um via no outro aquilo que queria e de que gostava, agora passa a ver o que desagrada, importuna, incomoda, o que falta, o que irrita.
Não é incomum que apareçam, então, as picuinhas: a toalha largada em local inadequado, o excesso de zelo com a arrumação da casa, a roupa desalinhada, a saia mais justa, a dose a mais de bebida durante o almoço, o tom um pouco mais elevado da voz, o esquecimento de alguma data considerada importante, a TPM... Tudo isso -e muito menos- vira motivo para briga, raiva, dissabor, mágoa, ressentimento, desilusão de um com o outro.
E é nessa hora que pode começar a solidão vivida a dois: para evitar as brigas, ou depois de muitas brigas, cada um procura o espaço menos desconfortável possível nesse relacionamento, e os dois passam, então, a conversar apenas com seus próprios botões. Claro que isso gera um relacionamento aparentemente sem conflitos, pois as discussões desaparecem, mas o que parece ser harmonia nada mais é do que a solidão de cada um deles, que só reclama do outro consigo mesmo.
O diálogo entre um casal não é mesmo fácil principalmente porque trocar idéias significa se expor ao outro, supõe discussão e visa à solução compartilhada dos problemas. A questão é que parece muito mais sedutor e conveniente convencer o outro a mudar, pensar ou fazer de modo diferente do que lhe é característico (ele/ela tem de ser diferente) ou impor a aceitação de um modo pessoal de ser e viver ("eu sou assim!"). Por isso dialogar passou a ser sinônimo de persuadir: ganha quem tiver mais poder ou argumentos convincentes. Definitivamente, isso não funciona.
O que funciona, então? Funciona, em primeiro lugar, se desarmar. Uma discussão não é uma guerra de palavras e muito menos uma batalha a ser vencida. Toda vez que há um conflito -e no relacionamento sempre há-, é preciso negociar. E negociar é buscar e encontrar o melhor caminho para a vida do casal. Do casal!
Funciona, também, aprender a suportar os afetos conflitantes sem ressentimentos. Sim, amor supõe raiva e ódio, e é impossível viver a dois sem reconhecer as duas faces da moeda.
É importante também exercitar a tolerância, pois há diferenças, hábitos e modos de viver que não são negociáveis. Tolerar significa admitir que o outro não é como foi imaginado e que, se isso não foi percebido antes, foi porque o encantamento não permitiu.
Aprender a tolerar é sair da posição de investir no relacionamento pelo fato de o outro ser como é e continuar investindo nesse mesmo relacionamento apesar de o outro ser como é. Por fim, funciona reafirmar, sempre, a cumplicidade do casal. O único meio de evitar a solidão a dois preservando a integridade de cada um é ter, em todos os assuntos, a chance de um "tête à tête". Apesar de o caminho não ser fácil, os benefícios fazem-no valer a pena.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br


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