|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
s.o.s. família
A solidão vivida a dois pode ser evitada
ROSELY SAYÃO
Tenho um amigo que diz que a década de 90 caracterizou-se pela solidão das pessoas. Solidão vivida por pessoas sempre rodeada de outras, solidão vivida a dois. Solidão que poderia ser amenizada se o diálogo e a tolerância pudessem fazer parte da vida. Mas
como tem sido difícil dialogar, escutar, tolerar,
conviver!
No início do relacionamento de um casal, o
encantamento é o que impera: um se encanta
com a aparência do outro, com a maneira como o outro fala, com o jeito como o outro pensa, com a forma como vê o mundo e enfrenta a
vida. Enfim, o encanto dirige o olhar para as
qualidades e o desvia dos defeitos. A relação se
mantém por causa daquelas qualidades, e é
por elas que as diferenças são relevadas, os
conflitos, apaziguados.
Mas o encantamento um dia termina, e, para
muitos casais, essa é a hora do pesadelo: saem
as qualidades, entram em cena os defeitos. Se,
antes, cada um via no outro aquilo que queria
e de que gostava, agora passa a ver o que desagrada, importuna, incomoda, o que falta, o
que irrita.
Não é incomum que apareçam, então, as picuinhas: a toalha largada em local inadequado, o excesso de zelo com a arrumação da casa, a roupa desalinhada, a saia mais justa, a dose a mais de bebida durante o almoço, o tom
um pouco mais elevado da voz, o esquecimento de alguma data considerada importante, a
TPM... Tudo isso -e muito menos- vira
motivo para briga, raiva, dissabor, mágoa, ressentimento, desilusão de um com o outro.
E é nessa hora que pode começar a solidão
vivida a dois: para evitar as brigas, ou depois
de muitas brigas, cada um procura o espaço
menos desconfortável possível nesse relacionamento, e os dois passam, então, a conversar
apenas com seus próprios botões. Claro que
isso gera um relacionamento aparentemente
sem conflitos, pois as discussões desaparecem, mas o que parece ser harmonia nada
mais é do que a solidão de cada um deles, que
só reclama do outro consigo mesmo.
O diálogo entre um casal não é mesmo fácil
principalmente porque trocar idéias significa
se expor ao outro, supõe discussão e visa à solução compartilhada dos problemas. A questão é que parece muito mais sedutor e conveniente convencer o outro a mudar, pensar ou
fazer de modo diferente do que lhe é característico (ele/ela tem de ser diferente) ou impor a
aceitação de um modo pessoal de ser e viver
("eu sou assim!"). Por isso dialogar passou a
ser sinônimo de persuadir: ganha quem tiver
mais poder ou argumentos convincentes. Definitivamente, isso não funciona.
O que funciona, então? Funciona, em primeiro lugar, se desarmar. Uma discussão não
é uma guerra de palavras e muito menos uma
batalha a ser vencida. Toda vez que há um
conflito -e no relacionamento sempre há-,
é preciso negociar. E negociar é buscar e encontrar o melhor caminho para a vida do casal. Do casal!
Funciona, também, aprender a suportar os
afetos conflitantes sem ressentimentos. Sim,
amor supõe raiva e ódio, e é impossível viver a
dois sem reconhecer as duas faces da moeda.
É importante também exercitar a tolerância,
pois há diferenças, hábitos e modos de viver
que não são negociáveis. Tolerar significa admitir que o outro não é como foi imaginado e
que, se isso não foi percebido antes, foi porque
o encantamento não permitiu.
Aprender a tolerar é sair da posição de investir no relacionamento pelo fato de o outro
ser como é e continuar investindo nesse mesmo relacionamento apesar de o outro ser como é. Por fim, funciona reafirmar, sempre, a
cumplicidade do casal. O único meio de evitar
a solidão a dois preservando a integridade de
cada um é ter, em todos os assuntos, a chance
de um "tête à tête". Apesar de o caminho não
ser fácil, os benefícios fazem-no valer a pena.
ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e
autora de "Sexo É Sexo" (ed. Companhia das Letras); e-mail: roselys@uol.com.br
Texto Anterior: Me dê motivo Próximo Texto: Copacabana faz toda a diferença Índice
|