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foco nela
Professora transforma bituca em papel
BELL KRANZ
EDITORA DO EQUILÍBRIO
Ela é a rainha das reciclagens impossíveis. Nas suas mãos, "dindim" brasileiro
que ninguém mais verá no mapa, porque
já saiu de circulação, ganha valor! "Eu estou cheia de dinheiro lá na Universidade
de Brasília. Tudo picado", diz ela, rindo.
Sua mais recente façanha foi encontrar
destino nobre para bituca de cigarro!
Thérèse Hofmann, professora de artes
do Instituto de Artes da Universidade de
Brasília (UnB), tem como alvo de pesquisa a produção de materiais para a área de
artes, como tinta, pincéis e papel, a partir
de resíduos variados. Um trabalho realizado em parceria com o Instituto de Química e o Departamento de Engenharia
Florestal da universidade.
Ela também reaproveita seu conhecimento, transformando-o em ação social.
Dá formação profissional para quem sai
da cadeia e procura trabalho. A primeira
turma formada já tem trabalho remunerado -com dinheiro não-reciclado. Leia
a entrevista.
Folha - Que tipo de lixo vocês transformam em papel?
Thérèse Hofmann - O resto da colheita
de soja dá um papel muito interessante.
Folha - Vocês usam a casca da soja?
Hofmann - Tudo o que sobra da colheita. O que é lixo não é bem lixo.
Folha - O que parece ser lixo pode virar
papel?
Hofmann - Exatamente. Resíduos da bananeira, da cana-de-açúcar. A paina, que,
em Brasília, é o terror dos asmáticos, porque, na época da floração, surgem aquelas nuvens de flocos, causando problemas de respiração em um monte de gente, vira um papel fantástico.
Folha - E da bananeira, que parte é reaproveitada?
Hofmann - Tudo. Depois que você corta
o cacho, tem de cortar o pé para ela brotar de novo.
Folha - Tudo que sobra é reutilizável?
Hofmann - É. Você corta a grama do jardim e aquilo ali pode virar papel. Sempre
tem um excedente para o qual você pode
dar uma outra destinação, como a gente
fez com a bituca de cigarro.
Folha - Reciclagem de bituca é a última
nova?
Hofmann - Isso. A gente já fez o reaproveitamento do papel velho do Banco
Central, papel-moeda, porque o dinheiro
tem um tempo de utilidade e depois é incinerado. Viabilizar o reaproveitamento
desse material, transformando-o em papel de novo, é alvo de patente da UnB.
Folha - E o projeto está em prática?
Hofmann - Em Brasília, sim. A gente tem
parceria com o Banco Central. Eu estou
cheia de dinheiro lá na Universidade de
Brasília. Tudo picado. O que você fazia
até então? Incinerava. Se você joga no lixão, ele não molha, não encharca, porque
possui um produto químico que dá resistência à umidade. O que fizemos foi conseguir quebrar as moléculas desse químico e viabilizar a umidificação do papel,
permitindo sua reciclagem.
Folha - E a bituca?
Hofmann - A idéia veio durante a minha
aula de materiais em arte, que é uma disciplina obrigatória do curso de arte, mas
optativa para os outros. Um aluno de biologia, vendo a situação da universidade,
com todo mundo fumando e jogando essas bitucas em tudo quanto é lugar, perguntou: "Da bituca dá para fazer papel?".
Eu falei: "Não sei, vamos experimentar".
E a gente viu que dava certo. Pesquisamos na literatura, e ninguém nunca havia
feito isso. Virou outra patente da UnB. E,
pelos dados que me passaram, a bituca de
cigarro é, senão o primeiro, o segundo índice de poluição das praias do Brasil.
Folha - E é simples a tecnologia?
Hofmann - É ridícula, isso é que é o legal
da história. Como é que nunca haviam
pensado nisso antes? Acho que as grandes idéias são as mais simples. É você pegar a bituca no lixo, dar um tratamento
químico nela, com um produto alcalino,
que é um sabão, e ela vira celulose, porque o filtro do cigarro é feito de acetato de
celulose. Com isso a gente viabiliza o reaproveitamento e a nova destinação dos
cigarros contrabandeados apreendidos,
em vez de incinerar todo esse material.
Isso está sendo objeto de conversa com o
Ministério da Justiça e a Polícia Federal.
Folha - E como é o trabalho de capacitação para os ex-presidiários?
Hofmann - É fantástico. Existem diversas ações feitas com presos, mas não há
nada com egressos da penitenciária. E o
índice de reincidência criminal é muito
alto, superior a 80%, segundo o Departamento Penitenciário Nacional. Eles cumprem a pena, pagam a dívida deles com a
sociedade, mas não têm perspectiva real
de reinserção no mercado. Brasília, que é
uma cidade administrativa, tem uma demanda na parte de conservação de acervo, de organização de arquivo, de microfilmagem e não tem mão-de-obra suficiente para isso. O Ministério da Justiça
paga uma bolsa para esses alunos, e eles
aprendem produção artesanal de papel,
encadernação comercial, pequenas restaurações, entre outros. A gente concluiu
a primeira turma no final de março. Neste mês, eles vão ter trabalho remunerado
para cuidar do acervo de outra instituição de ensino.
Folha - Do que vocês precisam?
Hofmann - Recursos para ampliar esse
laboratório e empresas que queiram ser
parceiras nesses projetos. Esses vários
projetos mostram o que é uma universidade pública neste país. Essas idéias são
geradas na universidade pública. O que a
gente precisa é que a sociedade comece a
prestar atenção nisso e reforce e fortaleça
a instituição.
Para contato com a professora: therese@unb.br
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