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foco nele
Nadador de 90 mergulha na vida
CIÇA GUEDES
FREE-LANCER PARA A FOLHA
Conhecer o atleta Gastão Mariz é uma
experiência da qual se sai acreditando na
vida. Talvez seja lábia de comerciante,
profissão que ele exerceu até a aposentadoria, há mais de três décadas. Talvez seja cacoete de quem conviveu com uma
certa fama a vida toda, pois coleciona títulos conquistados em diferentes modalidades esportivas. Mas, com certeza, é a
alegria de viver que faz deste homem de
90 anos um ser humano tão fascinante.
Gastão, um nadador especialista em
longa distância, bateu seis recordes mundiais master desde março último, como
parte do treinamento para o campeonato
mundial da categoria, que será em Munique, Alemanha, entre julho e agosto.
Gastão tornou-se um especialista em
vencer adversidades desde muito jovem.
Aos 4 anos de idade, perdeu o movimento das pernas. Diagnóstico? Ele nunca soube, sabe apenas que foi salvo pela
competência de um profissional de sua
cidade natal, Niterói, o médico Antonio
Pedro -nome do hospital universitário
da Universidade Federal Fluminense,
não por acaso- e pela fisioterapia na
praia. Daí nasceu uma paixão pelo mar
que só encontra rival no amor pela mulher, dona Rita.
Muitos anos depois, foram quatro infartos e uma cirurgia para colocar a ponte
de safena. Como se recuperou? Mais uma
vez, praticando esportes.
Leia a entrevista com ele abaixo.
Folha - A primeira pergunta é inevitável:
qual a sua receita de saúde para chegar aos
90 anos tão bem?
Gastão - Eu gosto de viver e gosto muito, procuro valorizar as qualidades e relevar os defeitos das pessoas e das coisas. E
sempre me cuidei. Tenho três médicos
me acompanhando: uma clínica-geral,
um cardiologista e um especialista em
nutrição. Evito carne vermelha e doces,
como muitas frutas, verduras e legumes e
jamais forço minha natureza. Por exemplo, evito o estilo borboleta na natação
porque exige muito do meu corpo. E
acredito na medicina preventiva, uso
produtos naturais. O cardiologista disse
que isso foi fundamental para me recuperar depois da cirurgia de colocação da
ponte de safena.
Folha - Ponte de safena? Quando foi?
Gastão - Há 12 anos. Sofri quatro infartos e precisei da cirurgia.
Folha - Como você lidou com isso?
Gastão - Doença faz parte da vida. Se
você tem um bom condicionamento físico e se cuida, supera com a força do pensamento. Algum tempo depois da cirurgia, eu me inscrevi num campeonato de
natação. Quando estava me preparando
para mergulhar, bateu um medo enorme: e se eu errar o ângulo e o corte abrir?
E se eu me sentir mal? Afastei os pensamentos ruins, caí n'água e nadei devagar,
sem a preocupação de conquistar um lugar no pódio. Eu só queria vencer o medo, impedir que ele me dominasse. Eu
gosto de usar uma imagem que é meio
feia, mas funciona: nosso cérebro é como
uma massa de moldar, tudo deixa uma
marca. Se você pensa só em coisas ruins,
essa marca vai ganhar mais força no seu
pensamento.
Folha - Como surgiu essa paixão pela natação?
Gastão - Eu me apaixonei primeiro pela
água do mar. Fazendo exercícios na praia
de Icaraí, em Niterói, me curei de uma
paralisia quando tinha 4 anos. Foram a
água do mar e a dedicação de um médico
chamado Antonio Pedro -que fazia uns
sucos misturando várias frutas, como pitanga, caju, manga e me obrigava a tomar- que me fizeram andar novamente. Eu tenho lembrança de como detestava esses sucos! Bem, mas eu sempre pratiquei esportes na água, virou um hábito.
Fui campeão carioca de natação e de pólo
aquático, de remo, até de basquete, que
não tem nada a ver com água! Mas naquele tempo havia poucos atletas, e a briga não era tão feia quanto hoje. Depois de
me aposentar, comecei a praticar natação
de longa distância, e há três anos fiz a travessia Rio de Janeiro-Paquetá, são 30 km
na Baía de Guanabara. Agora meu objetivo é conquistar muitas medalhas de ouro
no Campeonato Mundial de Master, na
Alemanha. Já bati seis recordes mundiais
em costa e crawl desde que comecei a me
preparar para competições de velocidade, em março: 50 metros livres, 100 metros livres e 200 metros livres.
Folha - Como é o seu treinamento?
Gastão - Acordo às 4h45, forro a barriga
e vou caminhar num trecho da Floresta
da Tijuca conhecido como Paineiras.
Volto para casa, forro de novo a barriga,
que ninguém é de ferro, e vou para o clube nadar. Volto para casa, almoço e durmo um pouco. Claro que como alguma
coisinha antes de sair para o treino da
tarde! Para dormir, basta parar cinco minutos na frente da TV...
Folha - O que você acha da desculpa que
todo mundo dá hoje em dia de não ter tempo para fazer exercício?
Gastão - A maioria das pessoas tem
uma característica curiosa: cuida de todo
mundo e não cuida de si mesmo. Tudo
na vida precisa ser encaixado numa rotina, isso vale também, e muito, para a atividade física. Eu segui uma regra durante
toda a vida: 40 minutos por dia são só
meus. Eu trabalhava à beça na minha loja, tinha os três filhos, mas acordava cedo, corria para a praia e fazia meus exercícios. E muitas vezes eu pensei "Ah, hoje
não vou, quero dormir", mas logo espantava a preguiça e não quebrava a rotina.
Folha - Você é o bom humor em pessoa,
mas deve ter alguma coisa que tira você do
sério. O que é?
Gastão - Ah, já falei isso, e ninguém jamais publicou. É injusto Pelé ter recebido
o título de atleta do século. Ele precisava
de mais dez para atuar. Acho que o atleta
do século é o Jesse Owens, um negro que
acabou com as pretensões de Hitler na
olimpíada em que o ditador queria provar a superioridade ariana. Acho que o
Pelé é o atleta da mídia do século...
QUEM É ELE
Nome: Gastão Mariz de Figueiredo
Idade: 90
Profissão: comerciante aposentado e atleta
O que faz: participa de competições de natação de longa distância
desde que se aposentou e se prepara para o Campeonato Mundial
Master, na Alemanha
Filosofia de vida: "Gosto de viver e, como gosto de verdade, procuro
valorizar as qualidades e relevar os defeitos das pessoas e das coisas"
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