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Compatibilidade demais atrapalha a gravidez
Síndrome de inadaptação imunológica, gerada pela semelhança biológica excessiva entre parceiros, atinge de 1% a 2% dos casais
KARINA KLINGER
FREE-LANCE PARA A FOLHA
As tentativas começaram em 2000: Sandra Munhoz Magnani, 35, fez várias
fertilizações in vitro, mas não conseguiu engravidar. Hoje, grávida de quatro meses, ela comemora a conquista. "Foi somente na quinta tentativa, depois
de passar pelo tratamento, que consegui engravidar. Não sabia que existia esse tipo de problema", conta. O problema a que se refere Sandra atinge de 1% a 2% dos
casais e chama-se síndrome de inadaptação imunológica. São casos em que os
exames não mostram nenhum tipo de
problema de infertilidade, e as mais
variadas técnicas de inseminação artificial não ajudam, já que o corpo da
mãe não consegue manter o embrião
em desenvolvimento no útero.
Para que o embrião se desenvolva
corretamente, o organismo da mulher
precisa passar por uma adaptação, isto é, ele deve desenvolver uma resposta de proteção.
E o que está por trás dessa falta de
adaptação "é um excesso de compatibilidade entre pai e mãe", conforme
explica a ginecologista e obstetra Silvia Daher, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
"O organismo feminino tem de reconhecer as diferenças entre o seu
material genético e o do pai. Essa resposta é o ponto de equilíbrio necessário para que ocorra a gravidez. Quanto maior a diferença entre os parceiros, maior a chance de engravidar",
diz Daher.
Essa semelhança excessiva entre
parceiros não tem nada a ver com
consanguinidade e ocorre por acaso.
Lembra até uma espécie de seleção
natural, pois, com outro parceiro, a
mulher pode não apresentar esse tipo
de rejeição e engravidar naturalmente. Mas até agora nenhum estudo confirma a tese.
"O sistema imunológico da mãe deve reconhecer o antígeno do marido
na placenta e produzir os anticorpos
que dão início a essa adaptação.
Quando existe um excesso de semelhança imunológica entre os parceiros, a gravidez não prossegue, pois esse processo de reconhecimento não
acontece", explica o ginecologista e
obstetra Ricardo Barini, professor da
Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) e especialista em imunologia da reprodução.
Para identificar a síndrome, os médicos recorrem a um exame de sangue
específico chamado de prova cruzada,
que identifica se a mulher produz ou
não anticorpos capazes de reconhecer
as células do material genético do seu
parceiro.
Glóbulos brancos
"Se o teste da
prova cruzada for negativo, recorre-se
então às vacinas, que são concentrados de glóbulos brancos do parceiro
daquela mulher que deseja engravidar. Na superfície dessas células, é
possível encontrar os antígenos que
devem ser reconhecidos pelo organismo feminino, ou seja, é uma forma de
estimular uma resposta do sistema
imunológico da mãe", afirma Barini.
Como o teste não costuma ser barato (custa, em geral, entre R$ 300 e R$
400), ele só é indicado em casos mais
específicos.
A Sociedade Internacional de Imunologia Reprodutiva, por exemplo,
indica o exame principalmente para
mulheres com menos de 35 anos que
já passaram por três abortos espontâneos e para aquelas acima dessa faixa
etária que já tiveram pelo menos dois
abortos, também espontâneos.
Essa indicação, aliás, não significa
que o problema seja mais comum em
mulheres mais velhas. "Nós aconselhamos o exame, nesses casos, por
uma questão de cautela, já que as mulheres com mais de 35 anos têm maior
dificuldade em engravidar", afirma o
especialista da Unicamp.
As vacinas, normalmente, são ministradas em duas ou mais doses, em
intervalos de quatro semanas. Apesar
de não apresentar efeitos colaterais, o
tratamento é bastante polêmico.
"Isso acontece porque é impossível
saber se a mulher engravidou devido
ao tratamento ou por ter superado alguma questão psicológica, já que a
gravidez também envolve aspectos
emocionais. Além disso, estudos
mostraram que mulheres sem tratamento conseguiram engravidar posteriormente", diz Daher.
"Já atendi casos em que a prova cruzada foi negativa, a paciente tomou as
vacinas e, após outra avaliação laboratorial, continuou apresentando poucos anticorpos para reconhecer o antígeno, mas, mesmo assim, engravidou. Não há plena certeza da eficácia
desse tratamento. Porém, para mim, é
uma opção que vale a pena", afirma o
endocrinologista Jorge Haddad Filho,
coordenador do Programa de Reprodução Assistida da Unifesp.
A advogada Valéria Reis Zugaiar, 38,
chegou a ouvir de alguns médicos que
o tratamento poderia falhar, mas ainda assim ela resolveu recorrer às vacinas. Após passar por dois abortos, Valéria descobriu que ela e o parceiro sofriam do problema. Hoje, com o filho
Diogo, de apenas um mês, no colo, ela
comemora. "Fiquei tomando as vacinas por um ano, mas valeu a pena."
Sobre o tratamento, ela disse não ter
sentido nenhum tipo de efeito colateral. "Se sentir vontade de engravidar
novamente, eu passo por tudo outra
vez, sem problemas, já que o resultado
compensa", diz.
Em trabalho recente, o ginecologista
Ricardo Barini chegou a dados animadores: após usar o método em 250
mulheres que tinham a síndrome, o
índice de sucesso, ou confirmação de
gravidez, chegou a 82,2%.
"É claro que, com o tratamento, as
mulheres se sentem mais seguras, e o
conforto poderia explicar a gravidez.
Mas, pela minha experiência, acredito
que as vacinas tenham efeito significativo", resume o professor.
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