São Paulo, quinta-feira, 22 de julho de 2004
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s.o.s. família

rosely sayão

O que faz do filho um adulto do bem e de bem

Outro dia, assistindo a um programa de entrevistas na TV, ouvi um depoimento bem interessante. Um homem, pai de quatro filhos já adultos, contava que a educação que sua família dera aos filhos tinha alcançado um grande êxito. E o que ele considerou -pelo menos no programa- como índice para avaliar a eficácia educacional familiar foi o fato de que todos os filhos tinham se tornado profissionais muito bem-sucedidos em suas áreas de atuação. Ao ouvir tal testemunho, não pude deixar de pensar que talvez essa seja, para muitos pais, uma questão considerada das mais importantes quando educam seus filhos.
Veja: qual a maior preocupação dos pais no mundo contemporâneo? A vida escolar dos filhos, desde a mais tenra idade. Escolher a melhor escola, acompanhar o desenvolvimento que o filho apresenta, verificar se ele faz amizades, organizar o tempo para que ele possa fazer atividades extracurriculares e dar conta da rotina escolar etc., tudo visando ao futuro.
Todos sabemos que as crianças estão com a agenda lotada de compromissos. E, por trás dessa busca de formação, são as melhores das intenções dos pais que encontramos. Mas, pelo jeito, o resultado que temos conseguido com essa prática tem sido o de criar crianças estressadas. Pais neuróticos, filhos nervosos: essa é nossa equação atual, lembrando o título de um antigo filme de Woody Allen.
Há muitos -e bons- motivos no mundo atual para os pais agirem assim, mas vou tomar apenas um deles nesta conversa: a dificuldade, cada vez maior, de a família usar o seu próprio tempo com os filhos. Às vezes, temos a impressão de que ter filhos transformou-se em uma função absolutamente egoísta. Mas é justamente após realizar o desejo de ter um filho que a tarefa de ser mãe ou pai começa.
Tanto desenvolver habilidades e competências para uma vida mais promissora como oferecer um diploma são requisitos importantes para a vida futura do filho. Mas não são, em si, condições suficientes. O que dá forma e consistência a esses atributos é a história de vida. Esta, sim, se constrói no dia-a-dia da vida familiar, no estabelecimento dos vínculos entre os pais -ou um deles- e os filhos.
Parece que os pais ficam um tanto quanto desanimados quando se defrontam com a tarefa de transformar o filho em uma pessoa -de preferência, uma pessoa de bem e do bem-, já que isso requer trabalho diário. É na vida cotidiana e repetitiva das relações familiares que a identidade dos filhos se forja. É com o exemplo da história familiar contada pacientemente dia após dia que ele aprende a ser um deles, que encontra suas identificações. Mesmo que seja para, no futuro, negar muitos dos princípios e exemplos familiares que aprendeu. Mas é assim mesmo que a família se renova e se mantém.
A parte objetiva de preparar o filho para o futuro -que, aliás, não é garantia de nada, é bom lembrar- pode ficar como tarefa coadjuvante para os pais. Ou como efeito colateral dessa vivência e convivência que ensinam ao filho quem é ele, como é a família à qual ele pertence e que mundo é esse que o espera. É com a narrativa que os pais lhe dão a respeito de tudo isso que o filho se conhece e se entende um pouco melhor para, então, buscar seu lugar no mundo.
Fernando Savater diz que nos parecemos muito mais com contos do que com contas. Pois temos agido de modo muito mais parecido com contas do que com contos quando orientamos a educação dos filhos do modo mais objetivo possível para que eles tenham uma promessa de vida digna. Mas o que dará fundamento à vida deles -e um futuro- é o presente vivido como crianças, um presente que é feito de história e que faz história.


ROSELY SAYÃO é psicóloga, consultora em educação e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha), entre outros; e-mail: roselys@uol.com.br


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