São Paulo, quinta-feira, 22 de dezembro de 2005
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

saúde

Crescem os casos de apinhamento dentário, deslocamento que deixa os dentes tortos e que pode surgir também com o envelhecimento

Dentes em movimento

Caio Guatelli/Folha Imagem
A paisagista Tânia Kehyayan, 59, que tratou bruxismo e desalinhamento dos dentes


CAROLINA COSTA

DA REPORTAGEM LOCAL

Quando acontece um tsunami ou um terremoto, lembramos que não vivemos em solo firme -sob nossos pés estão placas tectônicas, em constante movimento. Com os dentes é a mesma coisa: quando eles começam a ficar tortos é que as pessoas se dão conta de que sim, eles também se movem. Conhecido como apinhamento dentário, esse é um dos motivos mais comuns de queixas em consultórios odontológicos. Estima-se que três em cada dez pessoas tenham apinhamento, que é causado por vários fatores, como mistura de etnias, respiração oral, fala errada, arcada dentária pequena para o tamanho dos dentes, traumas na face, uso freqüente de cachimbo ou de instrumentos de sopro. E atenção, ansiosos: hábitos como o de roer unhas ou morder ponta de caneta e lápis também podem agravar o problema.
"O dente é uma estrutura que se conecta com o osso por meio de ligamentos. Ele só fica estável se todas as forças que estão em volta dele estiverem equilibradas. Mas estável não quer dizer parado", explica o ortodontista e radiologista Ivan Valle Paschoarelli, membro da Sociedade Paulista de Ortodontia.
Segundo Ricardo Lima Barbosa, ortodontista e ortopedista funcional dos maxilares, a miscigenação contribui muito para o agravamento dos casos. "Aborígines australianos não têm tanto apinhamento. No Brasil, como há muita miscigenação, há maior incidência do problema."
Para quem se aproxima da terceira idade, há um outro fator importante de desalinhamento dentário: o desgaste das estruturas ósseas e musculares. "Pequenos apinhamentos são como as rugas da boca", brinca Barbosa.
A questão é que, como as rugas, muitos querem tratar o apinhamento porque se incomodam com o aspecto visual. "Os dentes começam a ficar tortos, e a pessoa pensa: "Nunca foram assim". Então, quando recorrem a um ortodontista, a primeira reclamação é sempre estética", afirma Paschoarelli.
Os especialistas fazem um alerta: o problema vem se agravando nas últimas décadas. "Há 20, 30 anos, o apinhamento não era tão comum", diz Kurt Faltin Júnior, presidente da Associação Brasileira de Ortodontia e Ortopedia Facial. Isso porque a poluição cada vez maior nas grandes cidades faz crescer os casos de rinite alérgica, aumentando a possibilidade de as pessoas recorrerem à respiração pela boca, pressionando os dentes e fazendo com que eles se desalinhem.
Outra causa para o crescimento dos casos de apinhamento é que os alimentos estão mais pastosos e macios. "Até uma vovozinha, sem dentadura, consegue comer hambúrguer. A carne é moída, o pão, macio, ela faz pouco esforço. O músculo entende que não precisa crescer tanto, mesmo que os dentes precisem de mais espaço", ilustra Paschoarelli.


Como as rugas, muitos querem tratar o apinhamento porque se incomodam com o aspecto visual

"Mastigar é importante para o rosto crescer", concorda Faltin. "Nos bebês com um ano e meio, a sopinha é um verdadeiro entrave para o desenvolvimento. A criança cresce com preguiça de mastigar", completa. De acordo com Barbosa, o apinhamento tem acontecido com mais freqüência também porque as pessoas estão mais tensas: "Alterações comportamentais, como bruxismo [ranger os dentes] ou estresse, geram mais casos".
Foi o que aconteceu com a paisagista Tânia Kehyayan, 59, que sempre teve um sorriso alinhado. Com três filhos e cinco netos, em 2004 ela perdeu a mãe, mudou de casa e teve o marido e uma tia hospitalizados. "Por fora, aparentava serenidade, mas, na verdade, descontava toda a tensão nos dentes", conta ela. Especialista em reabilitação oral, o marido de Tânia, Jean, deu início ao tratamento. Para proteger os dentes do bruxismo, ela passou a usar uma placa de silicone para dormir. Depois, o tratamento foi continuado por outro profissional e incluiu o uso de aparelho fixo e um alinhador transparente, que ela usa até hoje para fazer a contenção e evitar que os dentes saiam da posição correta.

TRATAMENTO
Há três saídas para quem tem apinhamento dentário. A primeira delas é o desgaste dos dentes, solução indicada nos casos de problema pouco acentuado. A outra, mais radical, é a extração de um ou mais dentes. Nesse caso, vale lembrar que nem sempre o terceiro molar, o dente de siso, é o culpado.
"O siso é um coadjuvante", argumenta Faltin. Segundo ele, se os dentes estão bem posicionados, dificilmente o terceiro molar consegue provocar apinhamentos. Para ilustrar, ele cita estudos feitos na Europa: durante o processo de formação da raiz, se o terceiro molar estiver mal posicionado, com uma inclinação maior do que 20 graus, sua força pode atingir 60 gramas, pressão suficiente para provocar apinhamentos. Depois que a raiz do siso está formada, no entanto, o dente não dá mais problema. "Se o siso não estiver em má posição, não tem nada que tirar", conclui Faltin.
Resolvida a questão do espaço, é preciso alinhar os dentes com um alinhador ou um aparelho, que pode ser fixo ou móvel. Em alguns casos, como aconteceu com Tânia, é necessário usar uma contenção, para evitar que os dentes voltem a se mover.
Dois a quatro milímetros de apinhamento é o limite que os especialistas propõem entre desgastar o dente com uma lixa ou removê-lo. Apinhamentos maiores do que oito milímetros não são comuns.
A terceira saída? Não fazer nada. Antes de correr a um consultório em busca do sorriso perfeito, vale se questionar até que ponto isso não é só mais uma marca do envelhecimento. Afinal, como diz Paschoarelli, "ninguém morre porque o dente está torto".


Texto Anterior: Molho de groselha para peru assado
Próximo Texto: Desatando nós
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.