São Paulo, quinta-feira, 24 de maio de 2007
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Outras idéias - Wilson Jacob Filho

Comemorar

Participei, há semanas, de um evento que merece comentário. Embora anual, o último foi organizado para celebrar os 25 anos da construção de um ideal acadêmico -foi programada uma homenagem aos precursores dessa evolução.
Nem todos atentam para o significado do verbo comemorar. Encontra-se, nos dicionários, a explicação "recordar com festa". Em verdade, comemorar significa memorar em conjunto, de forma cerimoniosa, com aqueles que podem desfrutar das lembranças por terem sido personagens.
Muito havia por relembrar naquela data, e a maioria dos que poderiam fazê-lo lá estava, visto que sua participação direta ou indireta continua imprescindível para a continuidade do seu desenvolvimento.
Comemorar tem, portanto, o poder de tornar a história viva, de unir o passado ao presente, de mostrar que o futuro imaginado ontem conseguiu se materializar na situação atual, que deverá servir de base para o planejamento do amanhã.
Os homenageados mostraram que o vigor físico e mental pode ser adequado à idade, permitindo o livre exercício da cidadania. Foram generosos. Deram o testemunho de que o tempo consegue nos dotar de capacidades para compreender o que realmente fez diferença entre o planejar e o realizar.
Dentre eles, um destaque especial. Não por ser o mais idoso nem o mais titulado, mais eloqüente ou mais jovial. Salientei, no meu memorial, não conhecer um só médico da minha geração que não tenha sido contaminado pelo seu peculiar modo de ser e de agir.
Enquanto jovem, foi um parceiro com quem todos queriam dividir os plantões, visto que era incansável e motivado; quando maduro, tornou-se o médico sempre procurado por colegas para opinar sobre um caso difícil ou para cuidar deles mesmos ou dos seus parentes.
Por saber cuidar muito bem de todos, não soube cuidar de si. Permitiu que a sua saúde não recebesse a mesma atenção que receberam seus alunos e pacientes. Chegou bem perto da irreversibilidade. Soube ceder, porém, à constante solicitação de amigos e familiares e acabou por permitir que lhe pudéssemos devolver um pouco dos cuidados que dedicou a todos. Foi um paciente exemplar.
Aceitou as ações dos jovens profissionais com a paciência que sempre teve ao ministrar suas aulas. A todos agradeceu com o olhar de quem sabia estar colhendo um fruto da árvore que ajudou a plantar.
Ao homenageá-lo, portanto, quisemos ir além do nosso reconhecimento ao mestre, ao médico e ao amigo. Aproveitamos para demonstrar nosso respeito ao paciente que soube aceitar os cuidados e participar ativamente de sua recuperação.
Sua presença na cerimônia foi o testemunho de que não há idade para a escolha de novos caminhos nem limites para a perspectiva de reabilitação.
Ao procurar o significado de seu nome, tão peculiar, encontrei a explicação que me faltava. Urbano, de termo relacionado às cidades, também é sinônimo de civilizado, cortês e afável. Poderia ser mais adequado?


WILSON JACOB FILHO, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu)
wiljac@usp.br


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