São Paulo, quinta-feira, 24 de agosto de 2000
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Materiais benignos, como terra e bambu, e estratégias para poupar água e luz são alguns dos alicerces da ecoarquitetura
Casa do futuro usa técnicas do passado

Divulgação
Sede do grupo financeiro ING, em Amsterdã (Holanda), principal modelo comercial de ecoarquitetura


DANIELA FALCÃO
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO

As imagens das cidades do futuro difundidas em filmes de ficção, com arranha-céus feitos de alumínio, ferro e muito vidro Blindex, não têm nada em comum com o que nos prepara a vanguarda da arquitetura ecologicamente correta. As novas construções já começam a despontar nas paisagens dos EUA, da Austrália e Alemanha e, em vez de aço, concreto e vidro, abusam de terra, bambu e madeira -materiais que dominaram a arquitetura até o início do século. Na Austrália, 20% das novas casas são de taipa de pilão -técnica que prensa argila e areia para formar blocos monolíticos. As casas de terra também caíram na graça de endinheirados da Califórnia, que constroem mansões com técnicas semelhantes às utilizadas nas casas de pau-a-pique do interior do Nordeste. Mas não são só países ricos que estão abraçando a arquitetura verde. Na Colômbia e Costa Rica, o bambu substitui o concreto em casas e até em prédios.
Bem longe do modelo "Matrix", as casas futurísticas são versões aperfeiçoadas das habitações seculares. Elas usam materiais ecologicamente benignos, de preferência da própria região, produzidos a partir do reaproveitamento de resíduos ou de matérias-primas renováveis. Têm grama no telhado, paredes de barro, em vez de cimento, e calhas para recolher água da chuva. O único apetrecho que combina com a visão cinematográfica de futuro são os painéis fotovoltaicos instalados no teto para aquecer água e gerar energia.
O projeto da casa futurística tem como desafio se adequar a clima, vento, vegetação e topografia. É tirando proveito das condições naturais do lugar que ela reduz ou até elimina o uso de energia elétrica.
Outra lei da ecoarquitetura é captar água da chuva e reciclar as águas cinzas (provenientes de chuveiros e pias) para reutilizá-las no jardim ou na descarga dos vasos sanitários. "A arquitetura ecológica tem o máximo de sustentabilidade e o mínimo de impacto ambiental. É a retomada de valores do passado em que a simplicidade do viver induz às soluções", diz a arquiteta Cristina Engels, da Universidade Federal do Espírito Santo, que está construindo a primeira casa ecológica de Vitória, em parceria com o Estado e a Aracruz Celulose.
Não é preciso abdicar do conforto e da estética para morar em casas ecológicas. As paredes de terra crua, por exemplo, não degradam o ambiente e ainda têm a vantagem de serem isolantes térmicas, deixando a casa fresca no verão e quente no inverno e diminuindo os gastos com ar-condicionado e aquecedor. Os benefícios para o bolso não param por aí: além de reaproveitar a água de pias e chuveiros para molhar o jardim ou dar descarga, a conta de luz também vira coisa do passado já que as placas fotovoltaicas instaladas no teto são capazes de gerar toda a energia que a casa precisa.

Economia
O banco ING, da Holanda, é a prova definitiva para quem ainda encara com desconfiança os benefícios econômicos da arquitetura verde. As dez torres que abrigam os 2.500 funcionários da sede em Amsterdã consomem 92% menos energia do que um banco das redondezas construído na mesma época, o que implica uma economia anual de US$ 2,9 milhões. "É inadmissível projetos hoje que não tenham preocupação ambiental", diz Engels. Com tantas vantagens, é difícil entender por que a ecoarquitetura no Brasil ainda é coisa de exóticos e idealistas. Embora as universidades pesquisem exaustivamente técnicas de construção que não agridem o ambiente, as descobertas ficam à margem da arquitetura tradicional e são tratadas como pitorescas ou alternativas.
"O Brasil não aproveita a insolação generosa de que dispõe. Há uma luminosidade fortíssima no país, mas, na maioria das casas, a luz fica acesa o dia inteiro, mesmo em cidades onde não se anda sem óculos escuros do lado de fora", reclama o arquiteto carioca radicado em Brasília, Sérgio Pamplona, 34, que vive numa casa-modelo de arquitetura verde (veja desenho acima). "É difícil convencer o arquiteto que sempre adotou grandes fachadas de vidro como demonstrativo de estética e poder de que estamos na terra do sol e que essa estética internacionalista só causa desperdícios", completa Engels.
Além do desconhecimento das técnicas, o alto custo para implantar equipamentos também afugenta os interessados em morar verde. Uma placa solar para esquentar água sai, em média, por R$ 2.000. Mas quem quiser colocar painéis fotovoltaicos para substituir a energia elétrica terá de desembolsar pelo menos US$ 15 mil, porque não há fabricante nacional. "O custo inicial é alto, mas se compensa após sete anos porque o morador não gasta com conta de luz. Como o equipamento dura 50 anos, o investimento é vantajoso", defende Engels.
Apesar de a idéia de desenvolver prédios verdes não ser nova, mesmo nos EUA há poucos projetos que tenham preocupação de reduzir custos de manutenção. Um dos mais arrojados começou a sair do papel em abril passado: um conjunto residencial de dois prédios com 128 apartamentos de classe média em Newark (Nova Jersey). O governo ofereceu US$ 17 milhões em subsídios para que as incorporadoras adotassem práticas verdes, como o uso de energia solar. Os apartamentos serão construídos com materiais reciclados, duráveis e de baixa toxicidade para melhorar a qualidade do ar. Os prédios são voltados para a face sul para maximizar a exposição ao sol e haverá coletores de água da chuva para irrigar gramados. Quando o complexo ficar pronto, em junho de 2001, a expectativa é que a conta de luz nas unidades com três dormitórios diminua US$ 378 por ano.



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