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ENTREVISTA
Psicólogo britânico Richard Stephens fala sobre experimento que sugere que xingar alivia a dor
DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
De vez em quando, vale a pena esquecer o
que os pais e as aulas
de boas maneiras ensinaram: em momentos de dor,
xingar pode ajudar, e muito.
A descoberta partiu de um
estudo coordenado pelo psicólogo Richard Stephens, da Universidade Keele, na Inglaterra.
Intrigado com o uso automático de palavrões como reação
imediata ao sofrimento físico,
Stephens decidiu investigar o
papel das expressões ofensivas
na resposta do corpo à dor.
Fez um experimento com 67
estudantes: mergulhou a mão
deles em um recipiente com
água extremamente gelada e
deixou que proferissem todos
os xingamentos que quisessem.
Em um segundo momento, repetiu a experiência, mas não foi
permitido que falassem palavrões. Quando xingaram, resistiram por 30 segundos a mais à
baixa temperatura.
O estudo constatou que dizer
palavrões aumenta os batimentos cardíacos e diminui a percepção da dor. Tais efeitos podem ocorrer porque praguejar
induziria no corpo a anulação
do vínculo entre medo e percepção da dor. Uma ressalva:
recorrer a palavrões não amenizaria os padecimentos de homens acostumados a usar essa
linguagem. Para se beneficiar
da "boca suja", é necessário utilizá-la com moderação.
Antes de mergulhar no território do baixo calão, Richard
Stephens, 41, já investigou os
efeitos cognitivos da ressaca,
das repetitivas cabeçadas realizadas por jogadores de futebol
e até do hábito de mascar chicletes. Abaixo, trechos da entrevista concedida à Folha.
FOLHA - O que o levou a pesquisar
a relação entre palavrões e dor?
RICHARD STEPHENS - Um dia, trabalhando no jardim da minha
casa, acertei um dedo com o
martelo e minha reação foi falar palavrões. Em outro momento, há quase cinco anos,
enquanto minha mulher dava à
luz nossa filha, ela xingou um
pouquinho e então pediu desculpas. Foi quando uma enfermeira lhe disse: "Não se preocupe, a gente ouve palavrões
durante o parto o tempo todo".
Isso me fez pensar na ligação
entre xingamentos e dor. Comecei a ler sobre o que já existia escrito a respeito do tema e,
ainda que houvesse trabalhos
sobre o porquê de as pessoas
xingarem, ninguém tinha se
proposto a entender por que as
pessoas tinham na dor um estímulo para dizer palavrões.
FOLHA - Xingar traz analgesia?
STEPHENS - Xingar é uma linguagem emocional. Quando
xingamos, desencadeamos
efeitos emocionais nas pessoas
e em nós mesmos. E isso pode
ser útil para fazer com que sintamos menos dor. O estudo
mostra que xingar aumenta os
batimentos cardíacos, o que sugere uma resposta emocional.
E outra pesquisa indica que,
se você tem uma resposta emocional do tipo "lutar ou fugir"
[reação de defesa do organismo
quando percebe ameaças externas ou tensões psicológicas
internas], então sua tolerância
à dor aumenta. O que mostramos é a mesma coisa, mas
usando meios diferentes para
disparar essa resposta, que foi
o palavrão.
FOLHA - Em seu trabalho científico,
o sr. vem se ocupando de aspectos
bastante triviais do cotidiano, como
chicletes, futebol e palavrões. Por
que estuda esses temas?
STEPHENS - Eu olho para o que
acontece no dia-a-dia e penso
nessas coisas a partir de uma
perspectiva psicológica. E então estudo e investigo o que me
parece interessante.
Como professor, descobri
que a maioria das coisas são
pesquisáveis, e esses assuntos
sempre estimulam a imaginação dos meus alunos.
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