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ENVELHECIMENTO
Construindo a memória
Oficinas ensinam a idosos saudáveis estratégias para aprender a lidar com a perda de memória e a falta de atenção, comuns nessa faixa etária
PATRÍCIA CERQUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Após certa idade, esquecer onde colocou
os óculos pode ser
normal -mas olhar
para uma caneta e não conseguir nomeá-la pode ser indicativo de um problema grave.
O declínio na capacidade de
memorizar e na atenção é esperado no envelhecimento, desde
que não comprometa as atividades de lazer, autocuidado e
produtividade do idoso. "Se os
esquecimentos interferem na
qualidade de vida, algo está fora
do compasso e deve ser investigado", diz Mariela Besse, terapeuta ocupacional e membro
da SBGG (Sociedade Brasileira
de Geriatria e Gerontologia).
Os "apagões" naturais podem
não comprometer o dia a dia,
mas irritam. "Passei a ficar chateado e preocupado com os
meus esquecimentos, pois não
sabia se era indício de Alzheimer", diz o engenheiro agrônomo José Cassiano dos Reis, 73.
Idosos que não são portadores de nenhuma demência podem compensar o declínio da
memória e da atenção com recursos externos (anotar tudo,
colocar bilhetes pela casa) ou
internos (aprendendo estratégias para melhorar o desempenho cognitivo).
As oficinas de memória têm
sido o caminho tomado por alguns idosos saudáveis para esse
aprendizado. José Cassiano
chegou a uma delas depois que
exames afastaram qualquer
suspeita de demência.
Ele foi encaminhado para o
Centro de Estímulo à Memória
do Hospital Alemão Oswaldo
Cruz, em São Paulo, onde os
participantes aprendem estratégias para melhorar memória
e atenção. "Ensinamos habilidades cognitivas para facilitar
pensamentos e produzir sentimentos e emoções positivas",
diz Gislaine Gil, neuropsicóloga e idealizadora do centro.
Os alunos fazem uma avaliação da atenção e da memória,
além do grau de ansiedade e de
possível depressão. A programação inclui atividades de culinária, alongamento e palestras
sobre sono e memória, além de
exercícios de percepção, concentração e lógica.
"Aprendi que meu problema
é de atenção, e não de memória.
Agora estou confiante de que
sou capaz de me lembrar das
coisas", diz José Cassiano.
A melhora da atenção também é foco da Oficina de Memória para Idosos da Faculdade de Saúde Pública da USP. "Percebemos que as queixas
sobre memória, na verdade, são
falta de atenção, e temos trabalhado isso", diz a professora
Helena Akemi Watanabe.
Os alunos assistem a aulas
sobre memória e aprendem recursos para melhorá-la. "Todos
são submetidos a uma avaliação cognitiva", diz Watanabe.
O autoconhecimento é abordado na oficina do Grupo de
Memória e Qualidade de Vida
do Ciipe (Centro de Integração,
Informação e Preparação para
o Envelhecimento), em São
Paulo. "O objetivo é ensinar o
idoso a monitorar seu desempenho nas atividades do dia a
dia", explica Aniza Sasahara,
fonoaudióloga e coordenadora
da oficina. "As aulas estimulam
o participante a notar como
age, por exemplo, para guardar
o nome de alguém. "Procuro só
repetir? Só decorar?" Ensinamos a fazer associações."
Foi nessa autoanálise que a
dona de casa Luiza Sueca Oda,
64, descobriu o quanto é desorganizada e indisciplinada para
guardar as informações.
"Sempre repetia que não
conseguia memorizar. Descobri que sou avoada e aprendi a
me virar. Agora sei até o lugar
onde guardo os óculos", diz.
A SBGG recomenda que o
idoso saudável faça algum tipo
de estimulação cognitiva.
"Além da atividade cerebral, as
oficinas estimulam a convivência e evitam o ciclo de baixa autoestima, depressão e isolamento social, que faz o idoso
ser menos estimulado ainda",
diz Mariela Besse, da SBGG.
Além disso, o idoso deve escolher atividades que tenham a
ver com ele. "Não adianta se
inscrever em aulas que não o
estimulem, não lhe deem prazer", completa a fonoaudióloga
Maria Beatriz Baruzzi, do Museu Brasileiro de Escultura.
No museu, foi criado o projeto Faça Memórias, que visa estimular a memória de idosos
(saudáveis ou com Alzheimer)
por meio da arte, com observação de quadros, discussão, conversas e jogos, entre outras atividades. Os alunos são instigados a falar sobre um quadro ou
escultura e a notar se a obra lhe
traz alguma recordação.
Diversos estudos recentes
indicam que participar das oficinas surte algum efeito positivo, como uma possível diminuição dos fatores de risco para
a doença de Alzheimer.
Mas nem todos os alunos têm
o mesmo aproveitamento. Sasahara percebe que muitos idosos saudáveis, apesar de colocarem em prática as técnicas, ainda se queixam de esquecimentos. "Tornar o aprendizado eficiente, ou seja, fazer com que os
alunos pratiquem todos os dias,
ainda é um desafio", diz.
Outro desafio é atrair os homens para esses espaços -as
mulheres são sempre maioria.
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