São Paulo, quinta-feira, 24 de outubro de 2002
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foco nele

DPOC é 5ª causa de morte e pouco conhecida

"Depois de 30 anos de tabagismo, a pessoa começa a sentir falta de ar ao subir uma escada ou ao andar mais rapidamente. Mas acha que isso é coisa da idade ou simplesmente falta de condicionamento físico. Na verdade, pode estar sofrendo de DPOC"

JULIANA DORETTO - FREE-LANCE PARA A FOLHA

Ela atinge cerca de 7 milhões de brasileiros, matando 30 mil por ano no país. Em 90% dos casos, as vítimas são fumantes, e os seus sintomas são frequentemente diagnosticados como sendo de uma bronquite ou de um enfisema. É a quinta causa de morte no Brasil, mas, apesar disso, é pouco conhecida. Trata-se da DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica), que tem, como um dos seus maiores divulgadores, o pneumologista José Roberto Jardim.
Professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Jardim coordena o Consenso Gold Brasil, projeto da Organização Mundial de Saúde (OMS) cujo objetivo é difundir a doença tanto entre a população em geral como entre os médicos. O projeto da OMS definiu as melhores formas de tratamento da doença e incentivou a formação de conselhos médicos em 70 países. Essas grupos têm a missão de alertar o meio médico -já que muitos profissionais não dão a devida importância à doença- e a população sobre os riscos da DPOC.
Leia abaixo a entrevista do médico, que dá detalhes sobre a doença, seus sintomas e tratamentos.

Folha - Como essa doença se manifesta?
José Roberto Jardim -
A DPOC é uma limitação progressiva e irreversível para respirar. Essa falta de ar restringe a capacidade do paciente para realizar as atividades da vida cotidiana. Nos casos mais graves, a pessoa pode sentir falta de ar até mesmo ao tomar banho ou dirigir. Na verdade, a DPOC engloba duas doenças: a bronquite crônica e o enfisema pulmonar. A bronquite é a inflamação dos brônquios, caracterizada pela presença de tosse e catarro por pelo menos dois anos, daí o termo crônica, já que dura muito tempo. O enfisema é uma doença que destrói as paredes dos alvéolos e dos brônquios. Na DPOC, as duas sempre estão juntas, mas pode haver predominância de uma ou de outra. Cerca de 90% dos casos têm como causa o tabagismo. Os outros 10% são decorrentes da exposição a ambientes poluídos por gases, partículas tóxicas ou produtos químicos, como ocorre com trabalhadores de indústrias químicas e de vidro, por exemplo. Estudos comprovam que 9% da população adulta acima dos 40 anos, de qualquer país, sofre de DPOC. Cerca de 15% dos fumantes desenvolvem a doença, na maioria dos casos, após os 50 anos, porque é necessário fumar durante décadas para que ela apareça.

Folha - Se a doença atinge tantas pessoas, por que não é conhecida?
Jardim -
Ela tem a mesma importância de doenças como o infarto e o diabetes, mas nunca foi tão divulgada quanto elas. Isso porque a DPOC é a "prima pobre" de uma outra doença, a asma. Essa patologia sempre foi alvo de mais pesquisas e, além disso, atrai mais a atenção dos laboratórios fabricantes de medicamentos. Nem todos os médicos orientam bem seus pacientes ao dizerem que eles sofrem simplesmente de bronquite, e não de DPOC. O projeto Gold é uma iniciativa da OMS para tornar a doença mais conhecida mundialmente.

Folha - A pessoa que fumou durante muito tempo, mas abandonou o vício, pode vir a desenvolver DPOC?
Jardim -
A bronquite crônica, ou seja, tosse e catarro, aparece depois que a pessoa passa dez anos fumando. Mas geralmente o paciente não dá muita importância a isso, porque pensa que todo fumante tem tosse. Depois de 30 anos de tabagismo, a pessoa começa a sentir falta de ar ao subir uma escada ou ao andar mais rapidamente, por exemplo. Mas acha que isso é coisa da idade ou simplesmente falta de condicionamento físico. Na verdade, pode estar sofrendo de DPOC. A falta de ar ocorre porque seus brônquios estão sendo destruídos. Se, ao parar de fumar, o paciente já apresentava sintomas de bronquite, restarão algumas sequelas, mas a inflamação dos pulmões vai regredir e o quadro não evoluirá para a doença.

Folha - Como ela pode ser detectada?
Jardim -
Há duas etapas. O médico levanta a história clínica do paciente, avaliando se ele fuma, se apresenta tosse e catarro e se teve contato com substâncias tóxicas. Além disso, é necessário realizar a espirometria, exame que identifica a falta de ar, avaliando a capacidade pulmonar.

Folha - A doença tem cura? Como é o tratamento?
Jardim -
Em primeiro lugar, o paciente deve passar por um centro de reabilitação pulmonar. Em todo o Brasil, há 32 centros desse tipo. Neles, a pessoa faz exercícios para recuperar o condicionamento, já que a falta de ar faz com que ela abandone a atividade física. É preciso também tomar remédios que atuam como broncodilatadores, ou seja, que inibem a contração dos brônquios, causa da falta de ar. Mas, atualmente, os pacientes não são tratados com remédios específicos para a doença: tomam medicamentos que apresentaram benefícios para o tratamento da asma, e não especificamente para DPOC. No ano que vem, será lançada uma nova droga, o brometo de tiotrópio, um broncodilatador de ação prolongada, mais específico para a doença. Mas nenhum medicamento regenera o pulmão, por isso a DPOC é apenas parcialmente reversível. Não tem cura. Por mais que o paciente tome remédios, ele sempre terá falta de ar.



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