São Paulo, quinta-feira, 25 de janeiro de 2007
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

saúde

Depois de grande

Apesar de ser mais comum na infância, asma também pode aparecer pela primeira vez na vida adulta e até na terceira idade

Julia Moraes/Folha Imagem
Dóris Tucciarelli, 42, que teve a primeira crise de asma aos


FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Acostumada a ouvir falar de crises de asma apenas em crianças, a consultora jurídica Dóris Tucciarelli, 42, ficou surpresa quando sentiu, pela primeira vez, falta de ar e um grande aperto no peito. "Tinha 35 anos e nunca havia sentido nada parecido. Foi um susto muito grande. Nunca tinha visto asma aparecer em adulto", conta.
De fato, o mais comum é que a asma surja na infância. Também é freqüente que o paciente tenha sintomas quando criança, deixe de manifestá-los por um tempo e volte a senti-los depois de mais velho -isso ocorre com cerca de um terço dos asmáticos. Mas há quem só tenha crises depois de adulto, inclusive na terceira idade.
"A asma sempre foi considerada uma doença da infância. Mas ela não tem idade para começar", afirma a alergista Fátima Emerson, coordenadora da clínica de alergia da Policlínica Geral do Rio de Janeiro (blog dalergia.blogspot.com) e sócia-fundadora da Associação Brasileira de Asmáticos (www.asmaticos.org.br).
Segundo a médica, com o envelhecimento da população, a asma nos idosos está se tornando cada vez mais freqüente. "Com o tempo, a musculatura do aparelho respiratório perde elasticidade. Há modificação dos fluxos respiratórios, e o sistema imunológico fica mais fraco. Isso tudo, aliado à predisposição genética e aos fatores ambientais, como a poluição, pode facilitar o aparecimento das crises de asma."
Uma pesquisa feita na Policlínica com asmáticos com mais de 60 anos mostrou que 32,3% dos casos eram de início tardio. Como a maioria das mortes por asma ocorre nessa fase -sem contar as limitações à qualidade de vida que a doença não controlada pode trazer-, a importância de identificá-la e tratá-la é crucial.

"Cansaço da idade"
O diagnóstico, aliás, exige atenção redobrada nessa fase da vida. Muita gente não procura um médico por achar que cansaço e falta de ar são sinais naturais da idade.
Há ainda quem faça uma peregrinação por vários especialistas por achar que a limitação respiratória se deve a outras doenças -em geral, cardíacas.
Foi o que aconteceu com o comerciante aposentado João Martinho Pestana, 72, que passou pelo cardiologista antes de descobrir que tinha asma. Apesar de a doença ter afetado seu pai e um irmão, João só teve a primeira crise após os 50 anos.
"Trabalhava em um restaurante e comecei a tossir muito por causa da fumaça de cigarro das pessoas", conta. Perfumes fortes e produtos de limpeza, que antes não o afetavam, hoje são um "veneno". "Não uso perfume. Se alguém usar um muito forte, já reclamo. Nunca tive isso, é estranho ter nessa idade", diz ele, que, após acertar no remédio usado como preventivo, teve a freqüência e a intensidade das crises reduzidas.
O médico de João, o pneumologista Miguel Bogossian, do Hospital Israelita Albert Einstein, diz que o inverso também costuma ocorrer: a pessoa achar que tem asma quando tem, na verdade, outra coisa. "Várias doenças que aparecem nessa fase, como problemas cardíacos, enfisema pulmonar ou tumores nos brônquios, podem simular asma", alerta, citando uma máxima que vale para todas as faixas etárias: nem tudo que chia é asma.
Bogossian explica que a asma em adultos é, na maioria dos casos, do tipo não alérgico. "Ainda não sabemos bem por que alguém se torna asmático na fase adulta. Ele não costuma ser um paciente alérgico, como acontece com a maioria das crianças e jovens asmáticos", diz.
O médico lembra que certos remédios, mais consumidos por idosos, podem induzir crises de asma: os betabloqueadores, usados por quem tem pressão alta e arritmias cardíacas, são um exemplo. Mesmo na forma de colírios para glaucoma, eles podem ter esse efeito. Alguns antiinflamatórios também entram nessa lista.
"Nesse caso, é só conversar com o médico da pessoa e trocar o remédio e ela pára de ter falta de ar", diz Iara Nely Fiks, pneumologista do hospital São Luiz e autora do livro "Asma: Superando Mitos e Medos" (ed. Claridade).
Segundo Fiks, a asma também pode surgir devido a outras doenças, como o refluxo gastroesofágico. "A pessoa que ganhou peso e come muito à noite pode ter asma induzida por refluxo. Alguns nem têm os sintomas típicos do refluxo, apenas a asma", acrescenta.
Flutuações hormonais também podem induzir crises. "Não se sabe por que, mas algumas mulheres só têm a primeira crise após a menopausa ou na gravidez. Outras melhoram da doença nessas fases."
Mudanças de ambiente -de casa, de trabalho ou de cidade, por exemplo- também podem gerar a primeira crise.
Estresse e ansiedade são outros fatores que funcionam como gatilhos, desde que a pessoa já tenha predisposição à asma. Ou seja, ninguém vai adquirir a doença porque foi demitido ou perdeu um parente, mas fatores emocionais podem desencadear a típica falta de ar e o aperto no peito em pessoas que já tenham propensão genética.
Com Dóris Tucciarelli foi assim. Ela já apresentava rinite, outro problema alérgico, mas a primeira crise de asma veio em um momento de mudança. "Sou muito grudada com as minhas coisas. Vendo o pessoal da mudança mexendo em tudo, foi me dando falta de ar e a sensação de que o peito estava fechando. Acho que juntou a poeira com o lado emocional."

Tratamento
A asma ainda não tem cura, mas os especialistas garantem que há boas alternativas para controlar as crises. "É muito importante identificar a asma em qualquer idade, pois, se o problema for esse, a pessoa sempre vai melhorar. O asmático que não melhora ou não tem asma, ou não está se tratando direito", afirma Iara Fiks.
Ela observa que muitos pacientes que acreditam ter tido a primeira crise depois de mais velhos na verdade já haviam apresentado a doença na infância, mas não se lembram ou não foram diagnosticados.
"Antigamente, não tinha muito o que fazer, então pouca gente identificava. Se você perguntar um pouco mais, pode descobrir que aquele paciente era uma criança que não gostava de esportes, que a mãe não deixava fazer nada, que fazia muita inalação, tinha muitas "gripes" ou "pneumonias". Ele tinha asma, mas nunca soube."
Para Fiks, o preconceito em relação à doença atrapalha até hoje o tratamento correto. O medo dos efeitos colaterais da cortisona é um exemplo. Segundo a médica, já existem cortisonas inaláveis que não têm efeitos colaterais, pois "ficam restritas ao pulmão".
Além dos remédios que ajudam na hora da crise -muitas vezes administrados nas famosas bombinhas-, há medicamentos que podem ser tomados para prevenir o aparecimento dos sintomas, alguns deles em forma de pó inalável e mesmo de bombinhas.
Fátima Emerson lembra que tratar asma não é só tratar a crise. "Antigamente, quem era diagnosticado com asma recebia quase uma sentença. Hoje, há muitos tratamentos modernos para prevenir os sintomas."


Texto Anterior: Tratamentos
Próximo Texto: Dia-a-dia: Compare
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.