|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O fim da negação
Em 1985, o cabeleireiro Hugo
Hagström tinha 24 anos e uma
DST (doença sexualmente
transmissível) difícil de curar.
Seus amigos que voltavam do
exterior traziam notícias da
"peste gay". Hugo uniu uma informação a outra e achou prudente fazer o exame. "Disseram
que eu tinha mais seis meses de
vida. Saí desnorteado e passei
três anos tentando negar a
doença, porque não tinha sintomas", recorda-se.
Por mais de uma década, viveu à espera da morte, intercalando fases de adesão ao tratamento com outras de abandono, até que essa atitude cobrou
seu preço. "Não conseguia me
alimentar e entrei em estado
terminal, mas, por sorte, foi
quando surgiu o coquetel."
Após quatro meses de internação, saiu do hospital sem falar e precisou de um ano para
voltar a andar. Um descolamento de retina, causado por
citomegalovírus, tirou-lhe parte da visão -até hoje, enxerga
muito mal. Nunca mais largou
o coquetel e, depois de enfrentar seis anos de efeitos colaterais, como uma diarreia acentuada, vive sem eles.
Também é mais tranquilo em
relação à sua condição. "Quase
perdi a vida e, depois que a ganhei de volta, vi que o HIV faz
parte dela. Não tenho mais
vontade nem motivo para negar isso."
Os períodos cíclicos de depressão também se tornaram
mais leves. "Redescobri o
rumo, o privilégio de poder
continuar a viver."
No auge da juventude, Hugo
chegou a passar um ano inteiro
"assexuado", como diz. Para os
parceiros eventuais, não revelou que tinha o vírus. Enquanto
a aparência e o estado clínico
permitiram, continuou a trabalhar. No fim da década de 90,
depois da internação, pediu a
aposentadoria.
Entre a doença e o retiro,
contou com o apoio financeiro
de parentes. "Sou uma exceção
daquele tempo, porque as pessoas eram abandonadas pela família, pelo trabalho, e nada disso aconteceu comigo. Meu autopreconceito é que foi muito
forte. Eu já era rotulado por ser
homossexual, e ser rotulado
também de portador de "câncer
gay" era demais."
Hugo acha que esse panorama não mudou completamente. "As pessoas que sabem de
um heterossexual portador de
HIV sempre questionam se, em
algum momento, ele não foi homossexual. A orientação sexual
sempre permeia pelo lado negativo essa questão."
Na organização onde trabalha voluntariamente há mais de
uma década dando apoio a soropositivos, ainda ouve histórias como as de 25 anos atrás.
"Tivemos conquistas, mas há
hoje um discurso muito mentiroso, porque não pega bem falar que Aids é um nojo. Mas
continuo ouvindo relatos de
gente que separa copos, que a
família manda embora."
O infectologista Esper Kallas
faz coro. "Melhorou, mas ainda
existe preconceito. A infecção
eclodiu principalmente em homens que fazem sexo com homens e em usuários de drogas.
Isso trouxe uma reação social
muito intensa, que tentamos
apagar até hoje."
Texto Anterior: Não penso no futuro Próximo Texto: 25 anos sem pisar no hospital Índice
|